Formação dos professores: estudo constante é a solução?

Através das perspectivas de educadores, vamos conhecer suas experiências e valiosos insights para um caminho promissor do sistema educacional


Aprimorar a formação do professor é uma missão que exige inovação, tempo e determinação. Não basta apenas consolidar o conhecimento teórico, é preciso conectá-lo com a realidade prática por meio de abordagens pedagógicas dinâmicas e atuais. Quando o docente abraça novas metodologias de ensino e tecnologias educacionais, ele se torna um verdadeiro agente de transformação, capaz de valorizar a individualidade dos alunos e construir um futuro em que a inclusão e a empatia prevaleçam. 

A Revista Appai Educar conversou com diversos professores e gestores de escolas públicas e privadas, buscando compreender o atual cenário educacional sob as suas perspectivas. Foi evidente o consenso em torno da importância crucial da formação constante dos educadores como um fator transformador capaz de impulsionar a mudança na educação em todo o país. As suas visões, experiências e valiosos insights revelaram um caminho promissor para aprimorar o sistema educacional, preparando os estudantes para um futuro educativo inspirador e impactante.

Formação continuada no Brasil ainda é considerada um desafio

A especialista em Gestão Escolar, Orientação Pedagógica e Educacional, Vilma Soares, ressalta que a formação continuada no Brasil, de uma maneira geral, é ainda tratada como um desafio por parte dos municípios e estados. “A escassez de tempo por parte dos professores para a dedicação aos estudos é um dos obstáculos encontrados. Além disso, precisamos ultrapassar a dicotomia entre a teoria e a prática nos processos de formação e que essa articulação seja reconhecida por parte dos educadores”, explica.  

Contudo, Vilma garante que precisamos avançar no aprofundamento das políticas públicas no campo da formação continuada no país, como condição indispensável para a transformação da escola. “Para a minha formação continuada, atualmente, tenho optado por cursos no formato on-line para suprir a escassez de tempo, devido à carga horária extensa diária de trabalho, porém isso ainda não é o panorama ideal. A formação continuada de professores é fundamental para a melhoria na qualidade de ensino ofertada. Trata-se de um processo que, além de contínuo, deve ser permanente. E abranger práticas pedagógicas e novas metodologias”, afirma a especialista.  

Educadora há mais de 16 anos e formadora da Academia Soul – empresa especialista em educação socioemocional e que atua com programas estruturados nesse segmento –, Miriam de Paula partilha da mesma visão de seus colegas de profissão, ao ratificar que a formação do educador, que deveria ser contínua e constante, tem se encontrado precária em muitos quesitos, e esse momento pede uma reformulação de currículo, revisão de saberes, acolhimento pessoal, humano e muito estudo. Segundo Miriam, com olhar introspectivo, esse educador está sendo convidado quase diariamente a ressignificar suas metodologias até então eficazes e que venha a se abrir a esse movimento pedido por novos tempos.  

“Tarefa aparentemente difícil, não é mesmo? Todavia, afirmo não ser impossível. Mas, para que tenhamos uma melhor compreensão em relação à prática docente, acredito ser importante que reflitamos juntos aqui sobre alguns pontos. Vamos começar pelo conhecimento da disciplina ministrada, algo que de modo geral é comum para esse educador, tanto pela prática do dia a dia escolar, como por conta da apropriação dos conteúdos, uma vez que é fácil encontrar alguém que leciona, por exemplo, na Educação Infantil e que permanece no segmento por anos, ou até se aposentar, sendo válida a mesma realidade para os demais níveis”, adverte a educadora. 

O professor de Geografia das redes estadual e privada e vencedor do prêmio destaque Iguaçuano na categoria Educação, Leandro Silvio, aponta outro desafio encontrado: a presença tecnológica no ambiente escolar. “Uma enorme distração para os alunos e ao mesmo tempo uma problemática para que os docentes utilizem inovações tecnológicas, seja por falta de estrutura ou de conhecimento. Além disso, a geração atual precisou acessar novas metodologias de ensino, de maneira remota, inserida de forma radical e sem preparo. Antes da pandemia já era observada a falta de avanço da escola frente às inovações do cotidiano da sociedade. E a falta de recursos pedagógicos que acompanhem os avanços da sociedade corrobora com a estrutura arcaica da escola, aumentando o desinteresse dos alunos, gerando uma enorme defasagem no aprendizado”, destaca 

O educador pontua também que prender a atenção dos alunos já era um desafio. Isso porque, segundo ele, tudo é mais interessante do que aprender sobre relevo e vegetação do país, cálculo, história ou gramática e, atualmente, os professores disputam com smartphones que possuem acesso à internet, centenas de jogos, câmeras para fotos e vídeos e os demais aplicativos. “Acredito que hoje é essencial na prática educacional o aprendizado do professor de como ele pode engajar o seu aluno, incentivando trocas, interatividade nas aulas e com uma maior participação nas atividades”, afirma.  

Ele ressalta ainda que a escola também precisa acompanhar essa evolução. “Já que é evidente a falta de estrutura para atender as demandas em relação às transformações da sociedade, o professor precisa aprender a lidar com o aluno do hoje e rever métodos, gestão de sala de aula e muitas outras particularidades do entendimento que não estão presentes na capacitação do educador para a atualidade”, pontua Leandro.  

De acordo com o vice-diretor pedagógico geral do Colégio PH, Vicente Delorme, na educação do século XXI não cabe mais esse tipo de professor que apenas dá a aula e vai embora sem interagir com a turma, provocar. Segundo ele, o docente precisa se colocar numa posição em que, por vezes, tem que ser o mediador de práticas para que os alunos sejam os verdadeiros protagonistas processo de aprendizagem. E isso pode ser desafiador por vários aspectos, uma vez em que os educadores precisam renunciar a vícios, repensar suas práticas. Eu posso ter mais casos de indisciplina? Posso. Eu posso ter derrapadas comportamentais na confusão sobre a liberdade que o aluno pode e deve ter nas atividades? Sim. E isso também exige formação de professores”, sinaliza Vicente Delorme, enfatizando que no Colégio PH existe um programa de formação desenvolvido há alguns anos em que são preparados professores para lidar não só com as recentes tecnologias, metodologias e linguagens, mas também com os novos desafios que eles vão ter dentro de sala de aula. “E a partir do momento em que a gente, como escola, se propõe a usar metodologias ativas, tem que preparar a nossa equipe para lidar com os desafios que vão aparecer quando os alunos deixarem de ser parte passiva no processo de aprendizagem e passarem a ser ativos”, endossa o vice-diretor pedagógico geral do Colégio PH. 

Para Delorme, dando ao aluno mais autonomia e promovendo maior responsabilidade pelos processos de aprendizagem, o professor tem que ser muito mais flexível, mais atencioso, mais sensível às ações dos alunos, às percepções e às dificuldades. E isso demanda ainda mais formação docente. Segundo ele, numa comparação mais fria, é como imaginar um educador que tinha, como prática básica de sala de aula, o hábito de entrar em sala, falar durante uma hora e meia, se despedir e ir embora; e, por outro lado, um professor que dá para os alunos autonomia para participar ativamente do que está sendo pesquisado, discutido e construído. 

O agente cultural em Nova Iguaçu, mestre em patrimônio, cultura e sociedade e professor de artes visuais, história e sociologia Eduardo Madeiro afirma que o professor está em constante adaptação aos desafios de grandes demandas, tanto no aspecto educacional em sala de aula quanto na assistência aos pais e à comunidade. Já se foi o tempo em que a escola era apenas um espaço para lecionar. O profissional, cada vez mais, precisa se atualizar diante dos fatores que são colocados diante dos professores. “Algumas capacitações são lançadas sem um acompanhamento adequado ou treinamento real na maioria das vezes, e a responsabilidade é difundida para o professor, mesmo sem o treinamento adequado”, destaca.  

Para ele é muito subjetivo tentar estabelecer o que pode ser feito para lidar com uma abrangência tão grande. “É importante considerar vários fatores, como um espaço físico adequado, salas com um número de alunos realmente aceitável e uma reflexão mais profunda sobre até que ponto devemos ser especialistas em tudo. Atualmente, o conhecimento está muito fragmentado e sem aprofundamento. E fica o questionamento: estamos conseguindo administrar as nossas disciplinas diante de tantas necessidades?”, indaga Eduardo. 

E como estamos trabalhando a inteligência em nossas escolas?

Essa pergunta, segundo Miriam de Paula, formadora da Academia Soul, precisa estar presente no mediar das aprendizagens e saberes do convívio escolar. De acordo com a educadora, as metodologias vistas em sala de aula mais comuns variam entre: sala de aula invertida, práticas socioconstrutivistas, construtivistas, chegando até as conhecidas metodologias de cunho tradicional, em especial em redes escolares de ordem não laica. Miriam exemplifica ao falar das escolas da Educação Infantil, que segundo ela é comum se encontrar apenas um professor, sendo ele o responsável por ministrar todas as aulas e também planejar as mesmas, usando de sua criatividade e didática para que possa sanar as dificuldades de aprendizagem desse estudante e também garantir o aprendizado de novas e boas práticas que correspondam ao seu ano escolar. “Para o estudante, a vivência e referências de um número maior de educadores acaba geralmente por acontecer quando ele vem a ingressar nos anos finais do Ensino Fundamental e passa a possuir contato com um grupo maior de educadores”, frisa Miriam de Paula.  

Uma das inquietações do meio educacional é realmente identificar com clareza e objetividade como a inteligência (ou as inteligências) está sendo trabalhada nas escolas? Será que existe uma forma técnica? Para a formadora da Academia Soul sobre os últimos movimentos citados anteriormente, não seria pertinente ignorarmos o desenvolvimento de tais práticas.  Segundo ela, com a criação da Base Nacional Comum Curricular, mas conhecida por BNCC, vimos a evidência de um outro tipo de inteligência, surgindo de forma quase que “obrigatória” em nossas escolas.  

“Hoje é sabido que não existe educação, sem que antes eduquemos nossas emoções e sentimentos, tanto que no mercado de trabalho as soft skills têm sido cada vez mais o maior e mais considerado critério para contratação e também promoção de cargos dentro das empresas, pois estudos comprovam que as habilidades comportamentais tornam o profissional mais focado, assertivo e motivado, o que pode auxiliar em retorno financeiro para a mesma”, atesta a educadora. 

Como melhorar esse cenário?

Para Leandro esse cenário pode melhorar através da capacitação dos professores para a prática de ensino na atualidade. “As estratégias arcaicas já não rendem mais frutos como outrora, e é preciso entender o que é necessário de fato e o que podemos jogar fora. As novas estratégias para melhorar o engajamento dos alunos também devem incluir os seus responsáveis e transformar os discentes em protagonistas do seu aprendizado, começando de casa as pesquisas dos temas que serão aplicados em sala de aula”, exemplifica.  

Ele destaca ainda que, além de treino e capacitação do educador para a realidade que vivemos de fato, é necessário ter em mente que o docente não pode fazer tudo sozinho. “As soluções em novas metodologias podem minimizar os desafios do professor, mas sem apoio e estrutura só teremos mais carga de trabalho e mais profissionais adoecidos. Estrutura física e ferramentas devem ser colocadas à disposição para todos os profissionais da escola, e é muito importante que as instituições também invistam em treinamento, workshop, palestras e cursos para que todos esses colaboradores estejam capacitados”, afirma Leandro.  

Já o educador Eduardo Madeiro acredita que esse cenário atual possa melhorar quando a compreensão da educação for além de dados e fatores quantitativos, e se voltar para o crescimento humano dos estudantes. “Devemos enxergar a individualidade de cada um e reconhecer a necessidade de profissionais mais qualificados, capazes de contribuir para o crescimento individual de seus alunos”, sugere Eduardo.  

A finalista do prêmio Shell de Educação Científica 2020 e professora de matemática com especialização em educação geométrica no autismo, Vanessa Balbina, acredita que ser professor é ser aluno sempre. “Minha experiência proporcionou um novo olhar, que consiste em aprender, aplicar o conhecimento, crescer com ele e ser o agente de mudança para o mundo”, explica. Com esse pensamento ela criou o projeto BoaMática, cuja ideia é mostrar que a sua disciplina não tem nada de má, além de ensinar de forma afetuosa, trazer a matéria para a realidade dos alunos e mostrar que ela não é um bicho de sete cabeças. Se quiser conhecer mais sobre o projeto, leia a matéria completa que divulgamos na Revista Appai Educar.  

Vicente Delorme enfatiza que, nos colégios PH, o programa pedagógico é preparado para, intencionalmente, abordar não apenas conteúdos que sempre foram explorados nas escolas, mas também falar sobre comportamentos e atitudes. E, para alcançar esse objetivo, a escola precisa abrir espaço para trabalhar a convivência, a interação em sala de aula, novas práticas e novos procedimentos pedagógicos. 

Para ampliar essa qualidade formativa, explica Vicente, o PH tem dois tempos semanais na grade do colégio de uma disciplina chamada “convivência ética e projeto de vida”, que é destinada ao respeito à pluralidade, à construção de habilidades socioemocionais, a debates, a reflexões sobre interações sociais. Momento mediado por professores, para aprender, por exemplo, a diferença entre liberdade de expressão e liberdade de ofensa. “Dessa maneira, despertamos, assim, outras capacitações, que são importantes para o convívio na sociedade”, elenca o vice-diretor do PH.  

Por conta disso, foram criadas avaliações diversificadas, que irão considerar não só o conteúdo, mas também os métodos empregados para desenvolver as atividades, as atitudes e comportamentos dos alunos. “Tivemos que passar por um longo processo de formação de educadores e temos formações frequentes para atualizar os profissionais para esse tipo de olhar. Acho que não dá pra pensar em educação sem considerar um processo formativo que englobe aspectos comportamentais, que vão muito além da questão conteudista”, esclarece Vicente Delorme. 

Novas rotas para melhorar a qualificação do ensino-aprendizagem

Para Miriam essa mudança de rota já vem sendo praticada, a prova disso é a reformulação do Novo Ensino Médio. “Mostra um esforço por parte dos nossos governantes, buscando atender também a demanda de preparar esse jovem para o mercado de trabalho, dentre as muitas preocupações em torno do tema. Desse modo, todas as escolas, desde a educação básica, precisam trabalhar as temáticas socioemocionais. Nosso desafio enquanto educadores é que a aprendizagem não seja mais vista apenas como um projeto com início, meio e fim, mas que esteja de fato incorporada à parte da grade curricular desse estudante”, enumera a educadora da Academia soul. 

Mesmo vislumbrando a nuvem da mudança, professores e formadores da educação são céticos ao afirmarem que não seria prudente, muito menos adequado, romantizar o cenário atual da educação. Pois, segundo eles, ainda da existem questões, como, por exemplo, da pessoa com deficiência, que ainda é um tabu em nossas escolas. De acordo com pesquisas, boa parte dos educadores afirma não se sentir pronta ou mesmo capacitada para receber uma pessoa com demanda inclusiva, isso em um momento histórico para a educação, sobretudo num contexto em que quase nunca os diagnósticos e laudos chegam tão cedo nas nossas escolas e creches. 

Contudo, a educadora traz à luz a esperança transformadora daqueles que fazem do ofício de mediar saberes um combustível para mover o mundo. “O nosso maior desejo hoje é que consigamos nos aperfeiçoar em nossas práticas educacionais o mais rápido possível e que sejamos repletos de empatia, com mais e melhores habilidades de relacionamento, sabendo lidar com nossos sentimentos e problemas não apenas no ambiente escolar, como em nosso cotidiano. Afinal, nesse grande carrossel da vida, tudo isso faz parte do educar”, garante Miriam de Paula. 

 

Um longo caminho pela frente

Com base nas experiências apresentadas, compreendemos que a formação do professor é um processo contínuo e em constante construção. Apesar dos desafios encontrados ao longo dessa jornada, cada indivíduo desempenhando sua função contribui para o enriquecimento da educação e de toda a comunidade escolar. Na Appai, através dos benefícios Educação Continuada e EAD, oferecemos aos associados palestras, oficinas, convênios para cursos de pós-graduação e acesso a um dos maiores portais de cursos on-line da atualidade, com mais de 1.000 temas para escolher. E com a Revista Appai Educar, o professor tem acesso aos principais assuntos relacionados à educação através de entrevistas, matérias e e-books com diversos especialistas e projetos que mostram na prática o conteúdo abordado. Para mais informações, acesse o nosso site e junte-se a nós para transformarmos o futuro da educação!  


Por Antônia Figueiredo e Jéssica Almeida

Fotos: Banco de imagens gratuitas do Freepik. 


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