Barão de Mauá, o magnata do Império


Irineu Evangelista de Souza nasceu em 1813, na atual cidade gaúcha de Jaguarão, mas foi para o Rio de Janeiro ainda muito jovem levado por um tio. Começou a trabalhar aos 11 anos de idade e poucos anos depois arranja emprego nas empresas de Richard Carruther, um dos muitos britânicos que abriram negócios no Brasil nos primeiros anos do século XIX. Ali aprenderia inglês, contabilidade, e veria nascer sua maior vocação: o comércio. O rapaz foi traçando um rápido percurso de crescimento profissional, que alguns anos mais tarde faria dele o homem mais rico do Brasil, autor de ousadas iniciativas em favor do desenvolvimento do país.

De forma resumida esse podia ser um verbete biográfico do Barão de Mauá, um personagem que alcançaria o status de uma das figuras mais importantes do seu tempo e cuja imagem praticamente se transformaria em algo de domínio público, beirando o mito ou a lenda. E foi dessa forma que Barão de Mauá entraria para a história brasileira com uma biografia que vários segmentos utilizaram como modelo ou argumento para as mais diferentes causas ou ideologias.

Um bom exemplo disso é a apropriação que tanto a direita quanto a esquerda fariam da biografia e do papel do empresário. Seu declínio econômico, nos últimos anos do Império, seria atribuído à pouca noção empresarial por parte da corte e de seus homens de maior influência, que assim não teriam podido acompanhar a visão supostamente avançada de Mauá, uma ideia sustentada principalmente pelas correntes focadas num viés capitalista. A esquerda, por outro lado, tenderia a vê-lo como um brasileiro vítima das elites imperiais que teriam se recusado a socorrer um empresário nacional, ao passo que não deixava de fortalecer empreendimentos de empresas de estrangeiros.

Os estudos que mais recentemente foram realizados sobre o tempo e a vida de Mauá têm demonstrado que muitas dessas visões são devidas a uma certa mitificação da figura do empresário e não resistem a análises lúcidas e realistas dos fatos históricos. Uma delas dá conta da suposta excepcional capacidade de Mauá para gerir negócios e fazer dinheiro. Trabalhos mais recentes têm mostrado que seu talento era principalmente para as vendas. Aí teve seus negócios mais sólidos e rentáveis, sendo as outras diversas atividades em que participou como empresário composições em que figurou como sócio ou empreendimentos que não duraram muito tempo, sendo logo repassadas a outros negociantes.

Foi o caso da empresa que instalou luz esteárica pela capital e os cabos submarinos que implantou melhorando as comunicações no país. Atividades que ajudariam a manter sua fama de empreendedor e ousado, mas que não seriam tão preponderantes para a fortuna do empresário. Inclusive teria cometido um grave pecado administrativo ao ter atrelado todos os seus empreendimentos ao banco do qual era controlador que, ao quebrar, inviabilizaria todos os outros negócios, o que teria resultado na derrocada econômica de seu império.

Outros lugares-comuns frequentemente sustentados sobre Mauá o relacionam a causas, digamos, nobres no Brasil do final do século XIX, como o fim da escravidão. Era tido como um grande abolicionista, que partilhava da mentalidade europeia de que o trabalho cativo representaria um atraso do ponto de vista econômico. As pesquisas recentes mostram, porém, que o barão era sócio em várias empresas que, de outro lado, eram grandes investidoras do rentável negócio do tráfico de escravos, e que portanto não tinham por que desejar o fim daquela aberração.

Além disso o estaleiro que levaria o seu nome, considerado um grande marco da industrialização no país, tinha um número bem expressivo de cativos entre seus empregados, se assim se poderia chamar. Sabe-se também que pelo menos um navio negreiro saiu da indústria fundada pelo barão. Por outro lado, também soube fazer dinheiro com a proibição do tráfico, pois seus muitos empreendimentos se beneficiariam largamente dos recursos que antes estavam empenhados nas atividades negreiras e que agora seriam distribuídos para outros segmentos de lucro.

O pacifismo era outra qualidade que passou a fazer parte da imagem de Mauá. O Brasil pós-independência estaria imerso em muitos conflitos com os países vizinhos e frequentou campos de batalha pelo continente. Como cidadão e empresário de vários ramos era natural que partilhasse de um discurso encampado por formadores de opinião e lideranças no que se refere aos prejuízos para a nação, inclusive econômicos, de se meter numa guerra.

Com o prestígio de Mauá, a tese pacifista devia ganhar mais força e influenciar o senso comum. Mas nos conflitos da metade do século envolvendo os países do Cone Sul, o banco Mauá acabaria tendo um papel fundamental. Maior instituição financeira do Uruguai e principal emissor da moeda do país, a empresa ajudaria a sustentar as tropas do país vizinho durante o cerco sofrido por Montevidéu em 1850. E era também do banco dominado pelo barão que saíam os pagamentos dos soldos dos integrantes do exército brasileiro durante esses conflitos. É bem verdade que como parlamentar se colocou contrário a várias decisões que tomaram o caminho da resolução armada, mas quando inevitável não deixou de obter seus lucros com as guerras.

A presença das empresas de Mauá na política que o império implementaria no continente ajuda a derrubar outro mito, o de que a monarquia não via com bons olhos a ascensão capitalista do empresário. O estado brasileiro estaria ao lado dos empreendimentos de Mauá em várias oportunidades, e muito dinheiro público esteve envolvido em várias iniciativas das quais o barão sairia com o bolso recheado.

É fato que o governo não socorreu o banco Mauá na sua fase mais crítica, como fez com outras instituições financeiras, situação que muitos apontam como responsável pela derrocada econômica dos negócios do barão. Mas, como é comum no capitalismo, os ciclos se sucedem e os campos de influência mudam de acordo com as circunstâncias. No momento da quebradeira do banco, Mauá já não dispunha da penetração e do peso que o levaria a receber socorro público, coisa normal no mundo das grandes empresas.

Mauá, ao contrário do que também se sustentou por muito tempo, não terminaria seus dias na pobreza. Na verdade nem chegaria a falir, pois seus bens chegavam para cobrir as dívidas que contraiu. Deixou apenas de ser a maior fortuna do Brasil, no seu auge avaliada em seis vezes o próprio orçamento do império, e consequentemente perdeu em importância e capacidade de influir em decisões de alta estância. Mas os bens que ainda manteve e as atividades que passou a desempenhar na corretagem da produção cafeeira lhe garantiram uma velhice infinitamente mais tranquila do que a da maioria dos brasileiros.

Não se pode negar a ousadia e o senso de empreendedorismo de Mauá, e nem deixar de admitir os muitos benefícios que trouxe ao país no seu tempo, mas entre isso e a imagem que a maior parte de seus biógrafos produziu vai uma grande distância. Sem a mitologia com que foi pintado pelo senso comum, Mauá cai do pedestal de salvador da pátria e referência de um Brasil que deu certo e ocupa seu lugar de um integrante do mundo capitalista, que, dentro da lógica do mercado, foi um dos mais bem-sucedidos brasileiros da história.

*A imagem que ilustra o texto é a da primeira locomotiva do Brasil, a Baronesa, viabilizada pelo barão de Mauá.


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


Deixar comentário

Podemos ajudar?