Anjo azul

Eugênio Cunha


Contam que em Florença, na Itália, durante o período da Renascença, uma grande pedra de mármore foi cortada para ser transformada numa escultura. Alguns escultores receberam a encomenda, porém nenhum deles foi capaz de decidir o que fazer. Todos desistiram do trabalho, passando o desafio para as mãos de Michelangelo. Tempos depois, no lugar daquela pedra estava esculpida a imagem de um anjo. “Vi o anjo adormecido dentro da pedra, esperando para ser libertado”, disse o artista. 

Pais de autistas costumam chamar seus filhos de anjos azuis. Azul é a cor do autismo, e abril é um mês repleto de eventos que revelam a luta pela inclusão social da pessoa com o espectro. Nesse sentido, penso que a história de Michelangelo pode nos ensinar algumas coisas.  

O transtorno do espectro autista (TEA) atinge milhões de pessoas no mundo, trazendo consideráveis dificuldades na interação social e na comunicação. Aparece nos primeiros anos de vida, proveniente de causas ainda não totalmente conhecidas, trazendo incertezas que dificultam, em muitos casos, o diagnóstico. Atualmente, a maioria das pessoas, em diferentes círculos sociais, conhece alguém com TEA: na família, entre amigos, no trabalho, no condomínio, na rua onde mora e, principalmente, na escola.   

Infelizmente, mesmo com apoio de familiares e educadores, boa divulgação na mídia, além de uma Lei Federal, Lei Berenice Piana, garantindo direitos e políticas públicas, encontramos casos de discriminação, intolerância e de exclusão, consequências de um olhar preconceituoso e capacitista, que já deveria ter sido superado. 

Por isso, como Michelangelo, precisamos enxergar para além da pedra de mármore e ver o anjo que está aguardando para ser lapidado. O professor Rubem Alves dizia que nós não vemos o que vemos, mas vemos o que somos. Por essa razão, enxergamos beleza na vida, porque a beleza está dentro de nós. Um olhar desprovido de preconceitos traz a possibilidade de convivência com o outro. Dessa forma, nos tornamos mais semelhantes no amor, estabelecendo as bases para a formação de uma sociedade inclusiva. Daí nasce a compreensão de que, para além de qualquer condição decorrente do autismo, estará a condição humana do autista. Quando chegamos à escola somos todos como uma pedra preciosa a ser lapidada. Dessa forma, a história de Michelangelo nos ensina a ver o autismo com os olhos da equidade. A educação é afetiva, social e transformadora. Os espaços da escola são espaços de conhecimento, aprendizagem e vivências, reiterando sempre que em nossas semelhanças ou em nossas diferenças somos todos iguais. 


* Eugênio Cunha é Doutor em educação, psicopedagogo, pedagogo da Fundação Municipal de Educação de Niterói, professor do Centro Universitário Celso Lisboa, diretor acadêmico do Colégio Objetivo Camboinhas. Entre os livros lançados estão “Autismo na Escola” e “Autismo e inclusão”, publicados pela WAK Editora. 


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