Em busca de uma educação permanente

Jaqueline Luzia da Silva


Pensar o envelhecimento na sociedade brasileira significa necessariamente enfrentar preconceitos e estereótipos. Infelizmente, se perpetua entre nós uma ideia de que as pessoas idosas são “velhas”, “ultrapassadas”, “inativas”, “limitadas”. Estes estigmas que recaem sobre as pessoas que passam dos 60 anos de idade estão na estrutura de uma sociedade extremamente desigual e meritocrática, na qual se valoriza mais a “utilidade” do sujeito do que suas subjetividades, suas trajetórias, sua história. Neste sentido, temos muito a aprender com a cultura dos povos originários e dos povos africanos que, em sua maioria, valorizam seus antepassados e as pessoas com mais idade, por preservarem memórias e saberes fundamentais para a coletividade e trazerem contribuições essenciais à vida da comunidade. 

Se não aprendemos até agora, nos resta a proposição de aprender daqui para frente. É neste movimento que se concebe a importância de uma educação permanente, que compreende que a aprendizagem não tem um momento definido, ou seja, nunca é cedo demais ou tarde demais para aprender. Desta forma, a educação não se reduz ao ensino, mas à formação integral e humana dos sujeitos. Se educação é formação, esta deve ocupar-se da emancipação dos sujeitos, de sua autonomia e, consequentemente, da construção de uma consciência crítica, que rompa com os estereótipos e os preconceitos enraizados na sociedade. 

Paulo Freire nos ajuda a pensar sobre essa formação no sentido da educação permanente. Acreditar nesse conceito significa, para Freire, lutar por uma educação pública, democrática e de qualidade, que contribua para a formação de um olhar indagador, curioso e histórico. Neste sentido, buscar uma educação permanente para os sujeitos (idosos, inclusive) significa construir a consciência do inacabamento e da incompletude dos seres humanos, que estão em constante processo de formação.  

Olhar o idoso como um sujeito em processo de formação torna-se cada vez mais necessário em uma sociedade que envelhece a cada ano. Os dados de 2022 apontam que o total de pessoas com 65 anos ou mais no Brasil (22.169.101) chegou a 10,9% da população, com alta de 57,4% em relação ao ano de 2010 (IBGE, 2022). Este envelhecimento populacional não pode ser ignorado. É necessário pensar em políticas públicas para o atendimento deste grupo. E quando falamos nessa questão, estamos nos referindo a ações no campo da educação, também.  

É nesse intuito que um dos objetivos da educação voltada para os idosos busca conhecer as necessidades destes sujeitos, não para traçar um perfil homogêneo, mas para reconhecer suas motivações, suas vivências, as especificidades do processo de envelhecimento. Esta educação pode ser garantida não só pela escolarização – ainda que os idosos pertençam ao grupo com maiores índices de analfabetismo e baixa escolarização (IBGE, 2022) –, mas também pela educação continuada, também chamada de aprendizagem ao longo da vida, em processos não escolares. 

Um exemplo dessa forma de garantia de educação permanente é o que ocorre na Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O trabalho realizado por este programa de extensão pretende atender ao público idoso, oferecendo oficinas livres e gratuitas, nas mais diversas áreas. Este programa, existente há mais de 30 anos, conta com um Centro de Convivência, um Centro de Referência e Documentação Sobre o Envelhecimento, um Núcleo de Atenção ao Idoso e o Serviço de Cuidado Integral à Pessoa Idosa. A Unati atende centenas de idosos durante todo o ano e se constitui em um espaço de socialização e de múltiplas aprendizagens, realizando um projeto de inclusão e garantia de direitos.  

Mesmo com exemplos como o da Unati, quando se trata dos idosos no Brasil, não é possível negar que há uma grande parcela que vive em condições precárias decorrentes de uma situação econômica desfavorável, da falta de instrução, do abandono e da necessidade de realizar trabalhos “pesados” para garantir sua sobrevivência. Não se pode romantizar o envelhecimento em uma sociedade excludente. Nem todos se aposentam dignamente e nem todos têm a possibilidade de parar de trabalhar. Deriva daí a importância de se pensar na realidade destes sujeitos, em suas condições materiais de vida e saúde, para que este olhar se transforme em ações práticas de inclusão e cidadania.  

A luta pelo direito à educação na terceira idade, portanto, passa pela luta por condições de vida melhores, pois tudo está relacionado. Neste sentido, a necessária reinvindicação atravessa a formação não somente dos idosos, mas das crianças e dos jovens, para que construam um olhar carregado de alteridade para com aqueles sujeitos. No que diz respeito às políticas públicas, ainda é preciso o enfrentamento da destituição de direitos, com ações que compreendam a realidade vivenciada pelos idosos e suas necessidades. 


* Jaqueline Luzia da Silva é Professora Associada da Faculdade de Educação/Uerj. Organizadora do livro “Formação de professores na Educação de Jovens e Adultos: temas em debate”, publicado pela Editora WAK (2020).


Deixar comentário

Podemos ajudar?