O empoderamento de mulheres com deficiência começa na escola

Maria Dolores Fortes Alves


Falar sobre empoderamento e ascensão social da pessoa com deficiência é motivar, possibilitar a outras mulheres que novas oportunidades ocorram. Que o navegar por novos mares seja possível na vida delas.

Ter alguma deficiência, alguma limitação física, intelectual ou sensorial, ser pobre ou negra em uma sociedade excludente, competitiva, meritocrática é desafio de sempre. Mulheres com deficiência lutam dia a dia contra uma sociedade que as hierarquiza por sua beleza e riqueza, como força do capital. Há sempre um grande obstáculo a ser superado em busca da equidade. E, ao mesmo tempo em que escola é a primeira porta para a liberdade, ela também é o primeiro desafio. Escolas nem sempre possuem acessibilidade arquitetônica, curricular, pedagógica, sensorial ou atitudinal.

Promover acessibilidades e atitudes coerentes e não capacitistas é sempre um grande anseio e uma luta contínua. Na sociedade, nas famílias, até mesmo nas ações de agentes escolares, vemos muitas atitudes inadequadas a serem ressignificadas, muitas barreiras a serem vencidas. Para isso, se fazem necessárias informações, formações continuadas com qualidade, diálogo franco, aberto e despido de preconceitos. Isso já seria um grande passo e força para que nós mulheres nos empoderássemos de nós mesmas e ocupássemos lugares de pertencimento e crescimento humano, econômico e social.

Desde que tenho consciência de minha expressão humana, reconheço que somente o conhecimento e a educação possibilitam abrirmos portas e encontrarmos novos horizontes. Todavia, chegar e permanecer na escola é a primeira das grandes batalhas para pessoas com mobilidade reduzida ou com alguma deficiência, seja em qual nível for.

Trago aqui um breve relato de minha simples e comum história, a de uma menina com deficiência que se fez professora: a vida esculpida com resiliência, coragem, alegria e amor!

Aos seis anos, fui diagnosticada com Artrite Reumatoide Infantojuvenil. Ingressei na escola aos nove anos. Não foi fácil encontrar escolas inclusivas e, além disso, eu ficava muito tempo internada e tinha dificuldades para caminhar, já que não possuía cadeira de rodas. As escolas não aceitavam a matrícula de pessoas com deficiência, sequer havia base legal de amparo que nos abrigasse. Foi tanta insistência que, enfim, uma diretora amorosa aceitou meu ingresso: eu já com 9 anos. O espaço era um barracão de madeira e tinha 30 degraus. Eu os subia e descia de joelhos, sentada ou carregada por minha mãe.

Ir à escola, mesmo com inúmeras dificuldades, era uma felicidade enorme. Seis meses depois, mudamos para um prédio novo que, apesar de distante da minha casa, não tinha degraus. Faltava muito às aulas, pois precisava fazer fisioterapia. Às vezes, não tinha como ir até a escola, não havia dinheiro para pagar transporte ou comprar uma cadeira de rodas. Em virtude das impossibilidades, estudei sozinha diversas vezes, sem professor ou auxílio de alguém. Porém, papai, mesmo com pouco dinheiro, sempre que alguém lhe oferecia livros despertava em mim o desejo de voar alto.

Comecei a trabalhar aos treze anos. Vendia tudo que aparecia: produtos de revista, lingerie, roupas que minha vizinha fazia etc. Quando cursava a 7a série (em 1987) e podia ir para aula, ficava um bom tempo aguardando um vizinho que me ofertava carona, porém eu precisava ir duas ou três horas mais cedo. Permanecia esse tempo na biblioteca da escola, ajudando algumas crianças a fazerem suas lições de casa ou a estudar. Mais tarde, minha vizinha pediu para que eu desse aulas para sua filha. Com o passar do tempo, fui me aperfeiçoando e trabalhei como professora de educação infantil, alfabetização de adultos, reforço escolar e orientadora. Aprendi ensinando, ensinei aprendendo e continuo fazendo isso até hoje. Sou professora, mestre e doutra em Educação. Professora e coordenadora de uma programação de pós-graduação em uma universidade pública.

Leciono, ministro cursos de extensão, escrevo artigos, livros e oriento estudantes no mestrado e doutorado. Busco quebrar os rótulos da exclusão mostrando que todos nós somos partes de uma tessitura comum: a Teia da Vida. Destarte, em meus projetos, busco favorecer rupturas de paradigmas, a quebra de preconceitos, a valorização da solidariedade e o respeito, fazendo da diversidade a força motriz vital para a superação de obstáculos, bem como a promoção de sujeitos e ambientes mais criativos, resilientes, cooperativos, felizes e fomentadores da autoria de pensamento.

Hoje, enquanto pessoa com deficiência, escritora, palestrante e professora, levanto a bandeira do “sejamos nós mesmas, singulares. Potentes, legítimas e legitimadas!”. Que possamos habitar em todos os lugares, com nossa presença forte e vibrante, traçando e construindo nossa própria caminhada emancipadora e construtora de uma sociedade equânime, com mais justiça, liberdade e dignidade social. Isso não só para mim, mas para todas as pessoas com alguma deficiência para que sejamos reconhecidas como singulares e únicas. Que cada mulher possa amar-se e amar ilimitadamente. Que tenhamos reconhecidas nossas singularidades, possibilidades e potencialidades. E até mesmo nossas fragilidades. Que possamos ser autênticas e acreditarmos em nós mesmas.

Sou sonhadora, resiliente e tenaz. Acredito muito em meus sonhos e sigo com muito ânimo! Posso viver minha vida com prazer sem medo de viver. Sou autora de meus pensamentos e caminhos. Modelo minha vida com arte; a arte de viver. Assim, desejo mostrar aos outros que, assim como eu, todos podem superar obstáculos e realizar seus sonhos! Que sigamos nutrindo sonhos e realizando, fazendo um mundo melhor…

E que a escola seja descortinadora de novas ações. Aprender sobre novas perspectivas, novas liberdades e possibilidades é aprender para construir e habitar novos mundos, para habitar nosso próprio mundo com o outro. É ter um mundo nosso, no qual pertencemos, coexistimos, coconstruímos muitos outros mundos. E aprender sobre nós mesmos é pôr a vida em movimento. É acreditar que a transformação pode acontecer. Acreditar que ascender, subir mais um degrau é necessidade, desejo e garantia para todos. Para uma vida mais digna, com mais liberdade, empoderamento e bem viver.


*Maria Dolores Fortes Alves é professora de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Alagoas, Doutora e Mestre em Educação e Mestre em Psicopedagogia. Autora de diversos livros, entre eles “Práticas de aprendizagem integradoras e inclusivas” e “De professor a educador – contribuições da psicopedagogia”.


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