Segue o fluxo

Professora cria projeto para ampliar conhecimento e arrecadar absorventes para doação


Vários são os fatores que contribuem para que os impactos da pobreza menstrual sigam em alto fluxo na sociedade. Mas um deles, o tabu criado e alimentado há milênios acerca desse ciclo natural reprodutivo feminino, faz com que uma entre quatro jovens não se sinta à vontade para sequer dialogar sobre o assunto.

Com o objetivo de trazer à luz um tema tão presente no cotidiano feminino e, sobretudo, expandir o conhecimento a respeito do que é pobreza menstrual, Maryana Gonçalves Eiras, professora de Biologia do Colégio Fecap, em São Paulo, idealizou entre as suas turmas do Ensino Médio, principalmente com os estudantes do 2º ano, o projeto Fluxo da Empatia.

 

Desmistificar tabus e gerar empatia na comunidade escolar

Uma recente pesquisa apontou que, no Brasil, 25% das meninas faltaram às aulas por não ter acesso a absorventes. Num primeiro momento, essa afirmativa parece estar muito longe, essencialmente, da realidade urbana. Mas quando, em uma conversa em sala de aula sobre medicamentos, o remédio “para aliviar a cólica” gerou algumas risadinhas, sobretudo entre os meninos, imediatamente a professora perguntou:  Meninos, vocês sabem o que realmente é a cólica? A resposta foi: “Ah, prô uma dorzinha lá…”.

A partir daquela resposta o assunto entrou na pauta da turma, explica Maryana. “Com todo o respeito e curiosidade trouxemos este assunto para a aula, com alunos e alunas se mobilizando e aprendendo, trocando informações e experiências. Então propus algo fora do padrão, fora da sala de aula, uma campanha para melhorar o conhecimento, criar conteúdo e ajudar outras mulheres”, relata Maryana, relembrando que a aceitação foi geral, sobretudo da coordenação, que prontamente apoiou o desafio.

 

Mobilização: um fluxo solidário

Munidos de mais informações obtidas através de pesquisas, relatos e conversas com familiares e colegas, as dúvidas foram dando lugar ao conhecimento e à conscientização de que a pobreza menstrual é um problema que impacta a vida de mulheres ao redor do mundo, em especial aquelas com menor poder aquisitivo.

Mas como ajudar essas mulheres de uma maneira mais efetiva? A resposta veio com a organização de todas as etapas da arrecadação e doação de absorventes para mulheres que se encontram em situação de vulnerabilidade na região de São Paulo. Divididos em grupos para a definição de tarefas, eles arregaçaram as mangas e foram à luta, contemplando as habilidades de cada um.

 

Fluxo é um assunto para todos

Por ser um tema ainda envolvido pelo estereótipo da vergonha, até mesmo entre as meninas, a professora de Biologia procurou abordar a temática a todos sem causar nenhum tipo de constrangimento nem para elas e nem para eles. “Em nenhum momento o fluxo foi abordado como ‘assunto de menina’. A discussão foi aberta na sala de aula e, assim como tivemos meninas que não quiseram participar, tivemos também meninos engajados na causa dispostos a mudar pensamento, atitude e opinião”, destaca a professora.

Em uma determinada fase do projeto, numa total demonstração de empatia, os alunos foram ao mercado comprar absorventes, entenderam as diferenças de modelo e fluxo menstrual e, com toda responsabilidade e maturidade, lidaram com o Fluxo da Empatia, da melhor forma possível. É o que garante o aluno Pedro Henrique Rodrigues dos Santos. “Para mim o fluxo representou uma diferença que por mais que seja mínima foi muito grande e significativa, que me trouxe aprendizado não só único, mas acho que pra todos que participam e estão presentes no projeto”, elucida

Ao ser questionada sobre a visão dos meninos sobre o projeto, a professora Maryana Eiras revelou que os estudantes tiveram uma visão surpreendente. “Os alunos colaboradores do projeto se envolveram de primeira, esclarecendo dúvidas, realizando perguntas e colocando a empatia em primeiro lugar, refletindo sobre o que acontece na vida das mães, pessoas próximas e com as próprias colegas na sala de aula”, elogia a professora de Biologia.

Corrente solidária de doação de absorventes já ultrapassa 17 mil

 

Um fluxo interdisciplinar para ampliar a meta

De maneira interdisciplinar outros professores também aderiram ao projeto, como foi o caso da área de linguagens, que abriu um espaço de debate e discussões a partir de documentários e temas tratados em proposta de redação. Com a adesão de outros professores, o projeto ganhou ainda mais solidez entre a comunidade escolar, que a princípio não tinha uma meta numérica inicial para a arrecadação.

A idealizadora do projeto comenta que de início perceberam que seria possível atingir uma quantidade de 10.000 absorventes no período de um mês. Mas, para a felicidade de todos, até o momento já foram obtidas mais de 17.000 unidades. “Número relativamente alto em termos quantitativos, mas baixo idealizando a quantidade utilizada a cada período menstrual”, enumera Maryana.

Família x alunos x professores/gestores

Mesmo ainda sendo uma temática de fluxo lento quando se trata de falar sobre menstruação e seus impactos na vida das meninas, a professora Maryana relata que, no currículo básico, ciclo menstrual é um tema sempre discutido no finalzinho do Ensino Fundamental e no Ensino Médio quando apresentado às turmas o conteúdo de fisiologia e sistema endócrino e reprodutor. “Contudo, acredito que o tabu ainda está inserido na população como um todo, famílias que talvez não abordem o assunto por ter somente filhos homens e/ou uma situação discreta que as mulheres passam”, ressalta Eiras.

 

Pesquisa ajuda a esclarecer o cenário no Brasil

O estudo “Impacto da pobreza menstrual no Brasil”, encomendado pela Always, aponta que 28% das mulheres jovens já deixaram de ir às aulas por não conseguirem comprar um absorvente. E 48% delas, ou seja, quase a metade das entrevistadas, esconderam que o motivo foi a falta do acessório. De acordo com a idealizadora do projeto, esse estudo se tornou pauta em discussões e até mesmo na apresentação do fluxo nas demais salas.

“Os alunos perceberam o quanto somos de fato privilegiados por termos acesso; a pobreza menstrual não acomete a população dos estudantes envolvidos, permitindo então uma ação de conscientização acerca da pobreza menstrual, materiais utilizados para reter o fluxo e os aspectos biológicos envolvidos, como casos de infecção vaginal, candidíase, proliferação de fungos e bactérias e tantos outros problemas. Nos mobilizamos para criar conteúdo, desmistificar tabus e com tudo isso ainda ajudar tantas pessoas que no momento passam por situações de vulnerabilidade”, constata.

Para a aluna Juliana Marcellos Banchieri o fluxo da empatia vai muito além de uma arrecadação de absorventes para pessoas que se encontram em estado de pobreza menstrual. “O fluxo é um projeto que visa a empatia, a mobilização, a conscientização, a informação e cria um espaço de reflexão fora da sua realidade, que muda a sua maneira de agir e pensar sobre a questão menstrual.

Alunos, professores e toda a comunidade escolar juntos reforçam o valor da cidadania através do projeto

 

Mudança de Mindset

Com o projeto já em andamento, a professora Maryana pontua que muita coisa já mudou na realidade dos alunos a partir da efetivação do projeto, desde a troca de experiências sobre a mudança de atitude, comportamento e empatia. “Como educadora, acredito fortemente que eles transformaram a visão para sempre. Os alunos envolvidos relatam que terão outro comportamento com as próprias filhas no futuro (risos), a visão diferenciada para as mães, irmãs, colegas de escola, no trabalho e afins. Inclusive sobre a vergonha que não existe mais para conversar sobre o assunto e agir com naturalidade sobre algo que deveria ser de fato comum e não vergonhoso”, conclui Maryana, lembrando a citação de uma professora referência, Martha Godinho, que disse: “É preciso espalhar sementes por aí, assim permito que um pedacinho de mim esteja em outros lugares e de quebra ensino biologia também. Levo isso comigo adiante, e como eu sempre falo para todos eles no mínimo umas 10 vezes em cada aula: BORA!”, finalizou a professora Maryana.


Por Antônia Lúcia
Colégio Fecap
Avenida Liberdade, 532 – São Paulo/SP
Professora: Maryana Gonçalves Eiras, de biologia
Instagram: @ma_eiras
Instagram projeto: @fluxodaempatia
Tel. da Escola: (11) 3272-2222
E-mail: maryana.eiras@fecap.br


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