QUANDO SE INVERTEM OS TERMOS DA ORAÇÃO…

Por Sandro Gomes


Maus hábitos linguísticos

Atendendo a pedidos, vamos ver mais algumas figuras de linguagem, um tópico que há um bom tempo não abordamos aqui na coluna. E a escolha de hoje é o Hipérbato, um recurso estilístico baseado na inversão da ordem direta habitual de uma frase ou oração. Vamos ver alguns casos?

O exemplo mais clássico talvez seja o que esteja na própria letra do Hino Nacional Brasileiro, onde ocorre mais de uma figura de linguagem.

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heroico um brado retumbante

Note que, se colocássemos esses versos numa ordem mais próxima do uso coloquial da língua, teríamos:

As margens plácidas do Ipiranga ouviram um brado retumbante de um povo heroico.

Vejamos as figuras de linguagem aí envolvidas. As margens plácidas do Ipiranga ouviram (uma prosopopeia, isto é, figura em que se atribuem ações próprias de seres humanos a seres inanimados). Além disso, do Ipiranga as margens plácidas (uma inversão da ordem coloquial habitual, as margens plácidas do Ipiranga). Esse último caso é o que nos interessa mais de perto, pois trata-se de um Hipérbato, nesse caso envolvendo o adjunto adnominal (do Ipiranga). Vamos ver exemplos com outros termos da oração.

Verbo:
Correu o rapaz para ser o primeiro a experimentar. (O rapaz correu para ser o primeiro a experimentar).

Objeto:
Um carro ele transformava em outros dois.
(Ele transformava o carro em outros dois).
O Hipérbato apresenta algumas variações que se configuram como outras figuras de linguagem. Vamos acompanhá-las.

 

Anástrofe

Ocorre quando a inversão envolve um adjunto adnominal composto por preposição e substantivo, que antecede na oração o substantivo que ele qualifica. Veja.

O pai não pôde aguentar daquela perda a dor

O adjunto adnominal “daquela perda” foi colocado, por razões estilísticas, antes do substantivo “dor”, que ele qualifica.

 

Sínquise

Nesse caso a inversão na ordem dos termos numa oração resulta numa construção ambígua ou até mesmo ininteligível. Observe:

Uma sede de saber possuía Aurélio.

Como se vê, uma sentença que, a rigor, pode ser entendida de mais de uma maneira. Há casos, porém, em que a sínquise compromete verdadeiramente entendimento, situação que configura um vício de linguagem, ou seja, apesar de não ser necessariamente um erro, deve ser evitado. Veja o exemplo:

Muita gente, em protesto ao golpe, foi, como reação, em 1967, às ruas.

 

Anacoluto

Por fim temos também o anacoluto, onde a inversão resulta numa quebra de ordem sintática, o que, no entanto, não afeta a compreensão. Exemplo: Crianças, como dá trabalho cuidar delas!

A oração composta numa ordem habitual e dentro da norma culta seria:

Como dá trabalho cuidar das crianças!

Sobre o Hipérbato e suas variantes é isso! Em breve retornamos com outros temas dessa fascinante Língua Portuguesa. Até a próxima, pessoal!


*Graduado em Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa, Revisor da Revista Appai Educar, colunista da Appai, Escritor e Mestre em Literatura Brasileira.


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