Usando filmes para ensinar história

Carlos Magalhães


Quando o assunto é aprendizagem, não é nada incomum encontrar professores que apreciam exibir em sala de aula filmes que examinem eventos ocorridos no passado. Aliás, vários estudos já foram propostos a respeito da utilização de produções históricas como ferramenta de ensino, e inclusive conheço pessoas que já me perguntaram se encaro o cinema como uma forma aceitável ou eficiente de se aprender história, ainda que de maneira geral. A resposta mais direta que costumo dar é a de que filmes de conteúdo histórico simplemente não ensinam nem buscam ensinar. É certo que há um potencial pedagógico em filmes, mas não é algo fácil de se mensurar.

Primeiro, deixemos claro que o Cinema (com C maiúsculo) é uma arte, não importando se nos referimos a uma reconstituição livre ou fidedigna de algum evento que tenha de fato acontecido. Em termos gerais, filmes são discursos, e é exatamente isso que os separa (inclusive os documentários) de reportagens jornalísticas de caráter puramente informativo. Assim, quando algum(a) realizador(a) decide dramatizar um caso verídico em uma obra cinematográfica, pressupõe-se que haja uma espécie de tese em mente. Ou seja, recontar uma história do passado se torna geralmente o ponto de partida para se discutir alguma perspectiva específica ou questão filosófica central.

Um exemplo é Titanic (1997), que usa a tragédia real como pano de fundo para um romance clássico. Os personagens de Jack e Rose não são e nem representam pessoas reais, e o filme em si não tem pretensão alguma de ser uma reconstituição fiel do naufrágio do navio provocado pela colisão com um iceberg no meio do Atlântico em 1912. O mais importante em Titanic não é retratar o incidente da forma mais verídica possível, mas sim contar a história de uma moça inglesa de família nobre que consegue se desvencilhar da verdadeira prisão que é a sua vida, imposta por sua mãe e pelo compromisso de se casar com um homem que ela não ama. Em outras palavras, o filme é mais sobre o poder transformador do amor do que sobre o naufrágio em si. O mesmo vale para os épicos Spartacus (1960) e Gladiador (2000), por exemplo, que não se abstiveram de reinventar fatos históricos a torto e a direito com a justificativa perene de “liberdade artística”. No caso de documentários, professores tendem a se sentir mais confortáveis em utilizá-los em sala de aula por conta de sua estrutura geralmente factual e seu verniz de objetividade e neutralidade, ainda que essas obras sejam claramente calcadas em um ponto de vista autoral e interpretativo. Quando se trata de longas baseados em fatos históricos reais, no entanto, nada mais natural que haver uma maior relutância devido justamente a esse problema de veracidade.

Mesmo assim, é importante não subestimar a capacidade que esses filmes possuem de motivar alunos a aprenderem sobre história, principalmente por fazerem parte de uma cultura jovem e serem mais interessantes para eles do que aquilo que lhes é ensinado através de livros didáticos. A grande questão, então, seria como professores de história poderiam utilizá-los para ensinar de maneira crítica.

Tendo em vista que filmes são discursos – ou textos –, eles podem ser debatidos e analisados como qualquer outro tipo de documento textual passível de interpretação, oferecendo também perspectivas sobre seu contexto de criação e sobre como o passado se relaciona com o presente. Basta apenas que os profes-sores saibam filtrar as informações corretas das incorretas, deixando claro para os alunos que esses filmes são perspectivas atuais – e modernas – de eventos passados.


*Carlos Magalhães é licenciado em Física, mestre em Jornalismo e crítico de cinema.


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