Além do que se vê

Projeto utiliza a fotografia para conscientizar e empoderar os estudantes


Analisar as trajetórias pessoais e expectativas de vida, e a partir disso reproduzir imagens fotográficas. Com esse direcionamento, o Ciep 179 Professor Claudio Gama, localizado em São João de Meriti, desenvolveu uma exposição que recebeu o nome de Além do que se vê. O intuito foi problematizar questões que ainda permeiam o cotidiano no que diz respeito ao preconceito racial e conscientizar os jovens acerca dessa questão.

 

 

 

Uma das alunas trouxe um pente quente e contou o quanto sofreu, inclusive com as orelhas queimadas, a fim de atender um olhar preconceituoso da sociedade, segundo o qual todos deviam ter cabelos lisos

A partir de imagens fotográficas realizadas em sala de aula, conteúdos teóricos levantados e debates acerca do tema, os estudantes foram estimulados à percepção visual e à capac idade de reflexão em relação ao cotidiano deles. A educadora Tatiana Barradas explica que se buscou também denunciar o preconceito para além do que se vê: “As entrelinhas e as percepções desse preconceito ao longo de suas trajetórias”, completa.

Nas primeiras aulas os estudantes foram provocados a dissertar sobre o racismo, preconceitos e as normativas sociais. “Muitos alunos trouxeram a máxima de que não se trata de uma coisa explícita no Brasil. Comparamos então com outros países e como a questão é entendida na legislação e na sociedade em geral”, explica Tatiana. Num desses debates nasceu o nome do projeto, pois através das narrativas os estudantes analisaram que esse preconceito racial muitas das vezes está nas entrelinhas.

Uma das questões apontadas pelos estudantes foi a falta de oferta de bonecas negras durante a infância. Atualmente, elas têm entre 16 e 20 anos e, quando crianças, brincavam com as brancas, pois não era comum a comercialização de exemplares com a cor negra. “Há também o problema da ausência de representatividade nas revistas para adolescentes, principalmente na formação de suas mães. Ainda hoje muitas resistem em não deixar os cabelos naturais, pois era um padrão estético que durante anos foi mantido: se devia alisar para mantê-los alinhados”, ressalta a professora.

“Não é porque é negra que deve estar de black power. Pode ser o que quiser ser”

Uma das alunas trouxe um pente quente, instrumento que era utilizado para alisar os cabelos afro antes de se popularizarem a chapinha e o secador. Essa aluna se emocionou ao narrar a sua trajetória. Hoje, com cabelos curtos por ter passado pela transição capilar, sofreu na sua infância tendo que passar pelo alisamento. Ela conta que suas orelhas estavam sempre marcadas com o ferro quente. A mudança capilar trouxe um sentimento de liberdade, de poder ser naturalmente afro e assumir o volume dos cachos, mas levou tempo para tomar essa postura. Hoje ela incentiva essa liberdade, mas não acredita que seja uma obrigatoriedade estar com cabelo natural.

Ainda na temática de liberdade capilar, duas estudantes, uma com a chapinha na mão e outra com pente afro, defendem essa mesma liberdade de escolha. Segundo elas não é porque é negra que deve estar de black power. Pode ser o que quiser ser: lisa, encaracolada, cabelo com tinta ou sem tinta. O que importa é ser livre para escolher e mudar quando tiver vontade. Nas fotografias produzidas pelos alunos, desponta um misto de cores capilares, além do loiro, o rosa, o azul, natural, reforçando a ideia de liberdade de decidir.

Mais que uma exposição, alunos e professores construíram um espaço em que a diversidade de olhares e pensamentos foi o protagonista

Como é um curso de formação de professores, as turmas pensaram estratégias para utilizar em suas futuras salas de aula. Os alunos realizaram uma pesquisa sobre os principais contos infantis cujos protagonistas são negros, incluindo os mais conhecidos super-heróis e bonecas, e apresentaram o material durante a culminância, que faz parte do Projeto Político-Pedagógico da escola, que ocorre anualmente. Esse trabalho fotográfico foi o primeiro feito sob a orientação de Tatiana.

Aberta a toda a escola, a exposição contou com as fotografias produzidas pelos alunos, cartazes com frases que ainda são ditas e que expressam algum teor de preconceito, exposição de bonecas negras e sugestões de contos infantis com protagonistas negros. Além disso, os estudantes que visitavam a exposição eram convidados a produzir suas próprias imagens e mandar mensagens acerca do tema através da hashtag #ConscientizarParaTransformar, criada por eles. Foram distribuídos também bottons com intuito de fomentar e divulgar a hashtag nas principais redes sociais acessadas pelos estudantes: Facebook e Instagram. “A ideia é que possamos manter esses debates e discussões assim como pensar alternativas para conscientizar os jovens e as crianças com objetivo de minimizarmos as desigualdades raciais, assim como preparar e empoderar os jovens negros da periferia da Baixada Fluminense que já fazem a multiplicação dessa corrente”, finaliza a educadora.


Por Jéssica Almeida
Ciep 179 Professor Cláudio Gama
Estrada São João Caxias, 122 – Centro – São João de Meriti/RJ
CEP: 25515-420
Tel.: (21) 2656-7289
E-mail: ciep179@educacao.rj.gov.br
Fotos cedidas pela professora


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