Uma aula a cada esquina

Os cenários históricos que inspiram professores e transformam a aprendizagem para além da sala de aula


O Rio de Janeiro é um museu a céu aberto, e andar pelas ruas é passear pela história da cidade e conhecer construções que marcaram época. Esses cenários, que encantam pela beleza arquitetônica, são ambientes perfeitos para ensinar e aprender sobre a trajetória da cidade de maneira criativa, transformando cada rua, monumentos e esquinas numa extensão das aulas dessa disciplina ensinada nas escolas.

Se elas são as pioneiras nessa arte inovadora de ensinar, não sabemos. Mas o que todos sabem é que as educadoras Marcia, Mônica e Patrícia Von Abel, apaixonadas por cultura, arte e saúde, têm uma história brasileira.

Esse viés de trazer os personagens para juntos reviverem essa trajetória teve início no circuito de corridas do Rio Antigo, que acontece em locais do Centro, como Arcos da Lapa, Porto Maravilha, Largo da Carioca e Cinelândia. Certamente todos que participam das provas já se depararam com elas e foram surpreendidos pelo visual belíssimo e cheio de referências históricas.

Figurino personalizado e ligações históricas

As fantasias foram criadas com o intuito de promover as corridas e demonstrar a paixão pelo estilo de vida que a Associação proporciona e incentiva através de seus muitos benefícios. Elas participam há anos e são presença garantida em diversas edições, mas, de acordo com Mônica Von Abel, suas provas preferidas são aquelas que se localizam em algum ponto turístico específico. “A dos Arcos da Lapa é maravilhosa. Eu adoro esse circuito. Estar num local histórico do Rio de Janeiro é tudo de bom. O benefício Caminhadas e Corridas é excelente. Além de ficar no meio dessa galera gente boa, você ainda corre, caminha, pratica um esporte. Está realizando uma atividade física, que traz um bem tanto corporal, quanto mental. É maravilhoso, eu não perco nenhuma!”, ratifica Mônica.

O visual criado pelo trio surgiu para enfatizar o amor pela corrida, assim como a importância de se manter sempre bem, com a saúde em dia, praticando esporte com muito bom humor.

A professora de artes plásticas Patrícia Von Abel e seu irmão foram os pioneiros na arte de levar fantasias para as corridas. Na etapa Porto Maravilha do circuito Rio Antigo, em 2013, eles deram vida aos personagens históricos da logomarca oficial da prova, os famosos bonequinhos da dama e do cavalheiro, destacados também nas medalhas do evento.

A riqueza de detalhes nas vestimentas chamou a atenção dos espectadores e participantes da corrida. A atleta comentou que o desejo de inovar surgiu no evento anterior, na etapa Cinelândia. “Comuniquei a todos que faria os bonecos da logomarca da prova criarem vida. Ninguém nos deu atenção. Meu irmão, que sempre me apoia nas minhas ‘loucuras’, aceitou ser o meu par. Assim, começamos a pesquisar: costura daqui, costura de lá e tudo foi tomando corpo”, afirma Patrícia, que assume que em sua casa tem um cômodo exclusivo para as dezenas de fantasias.

A associada comentou que sua mãe de 88 anos, que às vezes participa das caminhadas, ajuda frequentemente na confecção do figurino das personagens. A professora relatou ainda que, ao longo do trajeto de 5 km, competidores e espectadores cumprimentavam a dupla com muita simpatia, e que a boa repercussão se estendeu até as redes sociais.

Patrícia Von Abel trabalha na rede pública do Rio de Janeiro e leciona artes plásticas em escolas municipais. Desde o início de 2012, participa dos eventos de caminhadas e corridas da Appai e ressalta ter perdido 10 kg, o que fez com que sentisse uma grande e positiva mudança em sua vida. Ela revela ainda que, ao final das corridas, outros participantes chegam a fazer fila para registrar fotograficamente o momento.

Mônica Abel conta que sua primeira fantasia numa corrida foi de pipoca. E que depois disso foi despertando o interesse em dar continuidade à ideia. Para se ter uma noção, só em 2017, as irmãs participaram de mais de 25 corridas inclusive fora do Rio, como a São Silvestre em São Paulo. “Nós fomos aprimorando os looks, confeccionando com materiais de fácil acesso, como cola, jornal, rolinho de papel higiênico… Com resto de tecidos faço milagre”, conta Mônica aos risos.

As irmãs chamam tanto a atenção que já concederam entrevistas a diversos jornais e emissoras de rádio em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. “Nosso objetivo nas corridas é levar arte, alegria, união e força para que todos possam terminar a prova”, comenta Mônica.

Márcia Von Abel é considerada a irmã da logística, pois é a responsável pelas inscrições nos eventos e pelo transporte. É ela também que fica atenta ao site da Appai e aos calendários com os eventos a serem realizados. Sobre a corrida Rio Antigo, Márcia enaltece: “Essa [corrida] é uma atração a mais porque o look é de época, e as pessoas ficam encantadas com tudo. São milhares de fotos, de elogios, de sorrisos. É uma delícia completar o trajeto com uma fantasia tão linda. É uma festa, mas sem esquecer da corrida em si. Nós seguramos o vestido e corremos normalmente”, revela curiosamente Márcia.

Ela ainda acrescenta que percorrer pelas ruas de história do Rio faz com que o visual do circuito se torne um passeio pela memória do povo carioca. “Amamos correr e admiramos a Appai. Temos muito orgulho da Gigante das Corridas, a maior equipe de corredores de rua do mundo”, enfatiza Márcia.

Além do Rio Antigo

Mas engana-se quem pensa que as caracterizações se restringem ao Circuito Rio Antigo. As irmãs, que foram carinhosamente batizadas de “Misses Appai”, se engajam em diversas provas e eventos promovidos pela Associação, como as corridas Liga da Justiça, Mulher Maravilha, Circuito das Estações, e acontecimentos como Feijoada do Bem Appai, Arraiá da Appai, entre outras. “A cultura, a história e a arte estão correndo em nossas veias desde crianças. Nosso saudoso pai sempre nos proporcionou este conhecimento e agora é nossa vez de repassar. A cada evento uma nova inspiração”, revela Mônica Abel.

Se você ainda não cruzou com elas por aí, fique ligado, pois as “Misses Appai” já avisaram que nas próximas edições vão trazer novidades.

Circuito Rio Antigo

Este tradicional circuito é composto por 4 etapas anuais, que são realizadas no Largo da Carioca, Cinelândia, Arcos da Lapa e Porto Maravilha. Neste ano completou sua décima edição e continua com premiação também na faixa etária.

Com opções de corrida e caminhada de 5 e de corrida de 10 km, os inscritos têm a chance de contemplar, durante o percurso, monumentos e prédios históricos, como o Theatro Municipal, a Catedral Metropolitana e o Museu Nacional de Belas Artes.

Por ruas de história

O sucesso do circuito Rio Antigo desencadeou uma websérie realizada pelo setor de Comunicação da Appai. Com duas temporadas no ar, os 9 episódios retratam curiosidades sobre pontos importantíssimos da história da Cidade Maravilhosa que estão relacionados aos trajetos. Como a Cinelândia, espaço batizado por conter como atrativo principal a Sétima Arte, e o famoso Cine Odeon, que trouxe diversas personalidades do cinema nacional e internacional, proporcionando a proximidade com o público brasileiro no início do século XX.

Os episódios completos da websérie podem ser conferidos em: youtube.com/appairj

 

Aprendendo com o Centro do Rio

Fazer turismo na cidade do Rio é maravilhoso, até mesmo para quem já é residente. Mas mais fantástico que isso é saber a história por trás dos diversos lugares conhecidos, o que torna a jornada muito mais atrativa, além de uma verdadeira viagem no tempo.

O Centro do Rio de Janeiro é uma região de grande importância para a história da cidade. Nele encontramos diversos prédios, ruas e monumentos que traduzem a trajetória enquanto colônia e depois como país independente. Ou seja, é de fundamental importância que educadores incluam em seus planejamentos visitas a esta área de nosso município. Ou melhor dizendo, no plural, visitas. A riqueza é tão grande que é possível construir diferentes roteiros para cada uma das séries do ensino básico.

Para o Doutor em História Paulo Debom, é essencial que os professores insiram em seus planejamentos o estudo de espaços fora das escolas. “Este tipo de atividade é uma forma de sensibilizar os alunos diante de novas realidades, de repensar o cotidiano, de apurar o olhar sobre as relações entre o passado e o presente, de ampliar os conhecimentos e de deparar-se com a alteridade. O estudo in loco abre possibilidades para discussões teóricas e práticas sobre o que são fontes históricas, o papel dos monumentos, a preservação dos sítios arqueológicos, a manutenção das tradições, entre outros elementos”, ratifica.

Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé

Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé

Outro ponto importantíssimo destacado pelo historiador é que essas atividades não sejam vistas como passeios, mas sim como trabalhos de campo que servem para construir o processo de aprendizagem. “Ao falarmos em passeio, esvaziamos o potencial pedagógico. Ao frisarmos que se trata de uma aula de campo, enfatizamos o papel educativo da atividade. Visitar e estudar o Centro do Rio de Janeiro possibilita aos alunos a reflexão sobre conceitos como identidade, cultura, gênero, memória etc. Permite o contato com realidades muito diferentes, de maneira a estimular o desenvolvimento do diálogo intercultural e a formação cidadã”, enaltece Debom sobre projetos pedagógicos que envolvem o Rio Antigo.

Indagado sobre o que o professor vai encontrar no Centro do Rio ao promover uma saída de campo com os alunos, Paulo Debom explica. “Ao caminharmos pela rua Primeiro de Março encontramos igrejas que remetem ao período colonial, como por exemplo a Santa Cruz dos Militares e a Nossa Senhora do Carmo, ambas do século XVIII. Bem pertinho, na Praça XV, há o Paço Imperial (edificado também no século XVIII), espaço significativo onde fatos marcantes da História do Brasil ocorreram, como o Dia do Fico e a assinatura da Lei Áurea. Naquela região também encontramos a Igreja da Candelária e o Espaço Cultural da Marinha (de onde parte uma visita genial até a Ilha Fiscal, palco do último baile do Império). Na região da Cinelândia encontram-se, praticamente na mesma quadra, o Theatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu Nacional de Belas Artes. Cada um desses locais rende uma aula inteira. No outro lado do Centro, encontramos o Cais do Valongo, a Pedra do Sal e o Instituto dos Pretos Novos, espaços essenciais para o resgate e a conscientização sobre a presença da cultura afro-brasileira na nossa trajetória. Estes são apenas alguns dos muitos recantos que o Centro do Rio nos proporciona”, finaliza.

Museu Nacional de Belas Artes

Museu Nacional de Belas Artes

Vale ressaltar que a história da cidade se inicia dois anos depois do próprio nascimento do Brasil. Em janeiro de 1502 chegou aqui a primeira expedição portuguesa, pela Baía de Guanabara. Os navegadores lusitanos, achando que estavam na foz de um grande rio, batizaram a cidade com o nome de Rio de Janeiro. A fundação da cidade ocorreu décadas mais tarde, em 1565, por Estácio de Sá, rebatizando de “São Sebastião do Rio de Janeiro” em homenagem a D. Sebastião, rei de Portugal. De 1763 a 1960, a cidade foi a capital do Brasil, sendo então transferida para Brasília.

No benefício Passeio Cultural da Appai, alguns roteiros perpassam os caminhos do Rio Antigo, como são os casos do 06 (Santo Antonio e São Bento, as colinas do Rio Antigo), 08 (Da Catedral a Praça Tiradentes, o novo Rio Antigo), 17 (Museu de Belas Artes e história da Cinelândia), entre outros. Eles têm a proposta de passar por pontos conhecidos do centro da cidade, contando um pouco mais sobre o início do Rio de Janeiro.

 

Papo de História

Similar ao que fazemos na Appai, através do Passeio Cultural, o professor e coordenador de História da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, Roberto Antunes, criou o projeto Papo de História. A ideia é realizar rodas de conversa pela Cidade Maravilhosa com temas essenciais dessa disciplina sendo levados para os educadores.

“A Ancestralidade Africana para o Protagonismo na Educação” foi tema do primeiro encontro realizado em maio desse ano. Já o segundo, que ocorreu em julho, tratou da ludicidade nas aulas de História, em como tornar a aprendizagem mais prazerosa e significativa para os discentes. O terceiro e último encontro do ano mostrou os projetos da rede que fazem das ruas e circuitos da cidade a nossa sala de aula. “Atividades que, em diversos bairros da cidade, trazem pertencimento, cidadania e a valorização dos espaços públicos por parte de alunos e professores. Conhecer a cidade é fundamental para amá-la e valorizá-la”, garante Roberto.

dança no museu

Os encontros acontecem, preferencialmente, em espaços culturais da cidade, entre eles o Museu Histórico Nacional e o Museu de Arte do Rio (MAR), e são voltados para os professores da Rede Municipal do Rio de Janeiro. “O legal é que talvez o professor não conheça esses lugares, de modo que eles surgem como uma grande oportunidade”, explica o coordenador.

As inscrições e informações ficam a cargo de circulares expedidas pelas gerências regionais e pelas redes sociais da Prefeitura. Fique de olho por lá!

 

Tour pelos grafites do Porto Maravilha

Não é só nas aulas de história que a temática pode ser trabalhada, em Artes também! É o que mostra Janilda Nascimento, do Colégio Estadual Padre Anchieta, localizado em Duque de Caxias. Como parte do projeto De mãos dadas, que visa parcerias com a finalidade de enriquecer e ampliar os conhecimentos dos alunos, a escola realizou um passeio, em conjunto com o Sesc Caxias, com os alunos da turma 802, para o Boulevard Olímpico.

A ideia é fazer com que os alunos conheçam os muros grafitados da cidade, seus criadores e história. Entre os roteiros visitados estão o Porto Maravilha na Praça Mauá e o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, na Gamboa. Já em sala de aula, a educadora buscou incentivá-los para a criação dos próprios desenhos artísticos. O diretor Renan Oliveira explica que a oportunidade de passeios como este é uma maneira prática dos alunos reconhecerem a importância do estado para a história do país. “Além de ser de extrema importância despertar nos discentes o gosto pela criação artística”, completa.

Pinturas na parede

Arte na parede

 

História contada por objetos

De quantas formas é possível contar a trajetória da Cidade Maravilhosa? Inúmeras, como já mostramos ao longo dessa matéria! Movidos pela ideia de que a memória da cidade está inclusive onde ninguém espera, três historiadores destrincharam em um livro a história do município através de 45 peças de museus, distribuídas por 31 instituições pela cidade.

A inspiração veio de um projeto do British Museum, feito em parceria com a rede britânica BBC, mas as páginas não poderiam ser mais cariocas. Traves da forca de Tiradentes, pedaço do Elevado da Perimetral e roleta do jogo do bicho são alguns dos itens retratados no “História do Rio em 45 objetos”, lançado pela editora FGV.

Para mais informações ou para comprar o livro, acesse o site da editora FGV (https://editora.fgv.br/).


Por Jéssica Almeida e Richard Günter

 


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