Educação para a democracia


Aline Regina Cardozo de Brito

 

Pensemos simplesmente em democracia como forma de liberdade e em todas as liberdades às quais o povo tem direito: a de expressão, a de ir e vir etc. Em seu “Educação é um direito”, Anísio Teixeira pontua que as liberdades estão todas interconectadas à educação: sendo esta, então, requisito fundamental para formar a inteligência tornando o sujeito consciente da sua participação social.

O chão da escola e o que se encontra dentro dos muros desta instituição ainda é o lugar exclusivamente ocupado pelo ato de educar, todos que lá estão trabalham com e para a educação direta ou indiretamente. Vale lembrar que educar vem do latim educere (conduzir para fora), logo é a escola que ainda prepara o indivíduo “para fora”, ou seja, para o mundo – dando aos alunos condições de se tornarem atores críticos dentro de suas comunidades, de alcançarem algum nível de letramento político enquanto cidadãos e de, constantemente, se perceberem no papel do outro com o objetivo de entenderem e tolerarem as diferenças.

Assim, claramente, as práticas educativas devem ser fundamentadas em valores como o bem comum e a justiça social, que criarão uma nação cada vez mais antiautoritária e livre (independente de classe, religião e etnia) cujo fim é, de fato, permitir que o povo exerça sua soberania. O objetivo de educar de maneira democrática é isentar-nos de uma série de “pré-conceitos” buscando (re)criar um mundo mais digno e análogo com intuito de enfraquecer um sistema que vem por décadas dizimando a educação pública igualitária. Todavia, colocar esta educação em prática requer tempo, trabalho e boa vontade.

Onde está nossa capacidade de espanto e indignação? Questionaria Boaventura Sousa Santos, defensor da pedagogia do conflito, diante do apartheid global/nacional vivido atualmente. É improtelável um projeto educativo emancipatório para repensar a escola, recuperar a vontade de mudar e, principalmente, libertar. E a verdade é que, para avançar, o professor tem que encarar a luta! Tem que correr o risco! Boaventura defende ainda que não existem opções predeterminadas pois “a pedagogia do conflito é uma pedagogia de alto risco contra o qual não há apólices de seguro. (…) a luta é desigual entre uma forma de conhecimento dominante – o conhecimento-como-regulação – e uma forma de conhecimento dominada, marginalizada, suprimida – o conhecimento-como-emancipação (…) O reconhecimento desta assimetria é, contudo, constitutiva da experiência pedagógica e a partir dele podem-se imaginar estratégias para reduzir, no campo pedagógico, essa assimetria. Trata-se de inventar exercícios retrospectivos e exercícios prospectivos que nos permitam imaginar o campo de possibilidades que seria aberto a nossa subjetividade e nossa sociabilidade (…)”. (SANTOS, 1996, p.25).

Ao tomar como base esta descrição do autor lusitano, existe a possibilidade de desenvolvermos inúmeras potencialidades em nossas práticas pedagógicas. O primeiro passo é a leitura feita através do olhar discente: pode parecer lugar-comum, mas muitos profissionais da educação, ainda hoje, entendem que o bom aluno é aquele que se assemelha, em inteligência e comportamento, aos privilegiados dos ditos bons colégios frequentados pelas classes dominantes.

Esquecem os mestres que o público mais necessitado é justamente aquele, em sua maioria, alocado nas salas de aula das escolas públicas. É através da cultura que estes aprendentes carregam, da valorização de seu background e de muita conversa que conseguiremos fazer com que eles se entendam como parte da sociedade e queiram dela efetivamente participar. Trabalhar se propondo a ouvi-los já é uma excelente forma de ensino – desenvolver sua capacidade de pesquisa e fala crítica enquanto, por trás dos bastidores, eles vão se tornando autores de suas próprias histórias. Uma alternativa viável seria, por exemplo, fazer uso do cinema e do bate-papo na escola. E que essas discussões possam enaltecer o potencial desses estudantes que frequentam os espaços públicos de aprendizagem.

Obviamente, nada é fácil. As práticas pedagógicas estão obviamente carregadas de pontos negativos, pois nosso trabalho está atravessado pelos problemas sociais atuais. Violência, descaso, desinteresse, falta de material, falta de tecnologia, falta de ar-condicionado etc. Os anos letivos são sempre carregados de faltas. Isso, muitas vezes, contamina e deteriora a nossa prática e nem percebemos. Esta é a razão pela qual devemos repensar essas práticas concomitantemente com a ideia do que seria a educação ideal para aquele determinado público. E, a partir disso, melhorarmos o processo de ensino-aprendizagem nas salas de aula, sempre evocando uma das máximas freireanas: a docência, sem discência, não existe.

É o bom relacionamento docente-discente que facilita o processo ensino-aprendizagem. Paulo Freire também considerava que a criação cultural não é individualizada, mas sim um processo coletivo, que é justamente a alma da escola – é aprender a trabalhar com o outro, a respeitar a instituição pública como sua ao invés de maldizê-la, a ouvir a opinião dos variados sujeitos mesmo que dela discorde, a entender a organização mundial de forma crítica para poder viver melhor em busca de seus direitos, é aprender a tolerar a diferença daqueles que partilham o mesmo espaço, dentre tantas outras questões importantes.

Aproveitando o ano eleitoral como pano de fundo, destaca-se a necessidade de relembrar (quaisquer que sejam as disciplinas com as quais atuemos) que cidadão não é só aquele que vota, mas, sim, aquele que participa. Dialogar com os alunos do ensino médio e levá-los a perceber a importância de sua participação e acompanhamento da vida política do país é fundamental para o início de uma transformação democrática. É como se tentássemos inverter o jogo desta cultura nacional onde as pessoas se classificam como seres “apolíticos”; porém sabe-se que isso é impossível uma vez que fazemos política até quando decidimos não participar.

A política é uma forma de pertencer e estar presente no mundo, cooperando e transformando a ordem social. A coisa pública é de todos! Um caminho simples, que pode ser feito por qualquer professor, é usar uma cidade como um micromodelo. Tomemos somente o município do Rio de Janeiro como exemplo: o que é a câmara dos vereadores? Como ela funciona? Que canais posso utilizar para saber quem são os vereadores e quais são os projetos da câmara? Depois, aumenta-se a dimensão: assembleia legislativa, câmara dos deputados e outros órgãos, sempre incentivando a discussão.

De acordo com Robert Dahl, teórico da democracia, é pressuposto básico que todos os cidadãos são iguais e devem participar das decisões sobre o que é público. Eleições livres e liberdade de expressão são essenciais para uma democracia e, para lutar por isso, precisamos de alunos críticos que percebam as camadas políticas que envolvem o país. A escola pública também tem condições e deve mostrar caminhos aos seus estudantes, para que haja luta pelos direitos dentro da sociedade/comunidade em que estes corpos se inserem, cumprindo suas obrigações perante seu país e o mundo, além de exigir um modelo político satisfatório e respeitoso perante a população brasileira.

Finalmente, é este processo que faz surgir em cada um a busca pela melhoria social coletiva e, no que tange aos horrores e discrepâncias das sociedades atuais, não é mais possível um educar que não seja para a democracia.


 


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