Síndrome de Down – a história da mãe educadora – parte 2


Acompanhe a segunda parte da entrevista (leia a primeira parte da entrevista aqui) com Alessandra Vargas, a mãe de Raphael, um garoto muito amoroso e inteligente que nasceu com a Síndrome de Down, e que, contrariando todas as previsões, vem se desenvolvendo de maneira surpreendente, pois conta com um trabalho incansável e de dedicação a qualquer custo da sua mãe-educadora.

Entrevista – Parte 2

O Raphael tem hoje (2018) quantos anos? Como você o estimulou nos primeiros anos de vida? O que você fez de diferente?

O Raphael tem 8 anos, completou no dia 29 de março. Eu comecei a realizar algumas terapias com ele aos 28 dias de vida. Fazíamos terapia ocupacional, fonoaudiologia e fisioterapia. Eram duas sessões de cada terapia semanalmente. Junto com elas, tínhamos o acompanhamento mensal com pediatra, neuropediatra, nutricionista, enfermeira, cardiologista. Depois de alguns meses, entraram a odontopediatria, a gastroenterologia e a endocrinologia. Era uma rotina suada, somada às atribuições de casa mais os cuidados com a filha mais velha, que na época tinha 10 anos.

O que eu fiz de diferente foi ACREDITAR. Acreditei que tudo o que os profissionais me passavam tinha uma razão para melhorar o desenvolvimento dele, então todo exercício que passavam na sessão eu repetia diariamente, 3 vezes. Sim, todos os dias! Eu não me permitia falhar, mesmo que fosse sábado, domingo, feriado, dia santo. Eu me comprometi comigo mesma a fazer a minha parte. Caso ele não alcançasse, seria por limitação dele enquanto indivíduo e não por falta de estímulo.

Um fato que mostra bem a necessidade de submeter a criança a estímulos conforme orientação do profissional é o rosto do Rapha. Chamamos de fenótipos algumas características físicas que são imediatamente identificadas nas pessoas com a SD. Por exemplo: os olhos puxadinhos e a língua protrusa. A fonoaudióloga me ensinou exercícios que poderiam minimizar essas características, e assim eu fiz. Queria que as pessoas primeiro conhecessem meu filho para depois tirar conclusões. Num mundo preconceituoso como o que vivemos, se as características são evidentes, as pessoas já concluem antes de qualquer coisa. Ouço constantemente comentários do tipo: “Nossa, nem parece que ele tem”, “Ah, mas o grau é bem fraquinho, né?”.

Como surgiu em você o desejo de estudar Pedagogia? Logo que você iniciou o curso já começou a usar esses conhecimentos para estimular o Raphael? Conte um pouco dessa história…

Optei por estudar Pedagogia porque queria estar pronta para a época de alfabetização do Raphael. Imaginava que seria necessário ter maior conhecimento para ajudá-lo no que fosse necessário. Entretanto, logo no início do curso, me apaixonei pelo estudo do desenvolvimento humano e, especialmente, infantil. Percebi que todas as terapias dele estavam relacionadas ao desenvolvimento motor e cognitivo, que influenciariam diretamente a aprendizagem. Nesse momento, passei a utilizar com ele tudo o que aprendia, e buscava nele o que era ideal para aquela idade, indiferentemente da deficiência. O que eu tinha em mente era que não havia limites e sim possibilidades. Eu proporcionaria a ele todo o meu empenho e aprendizagem; o que ele absorvesse seria para toda a vida. Tudo o que é trabalhado para estimular a criança desde o nascimento a princípio parece não ter muito sentido, mas logo se compreende que é um desenvolvimento a longo prazo. Hoje, o Raphael está no 3º ano do ensino fundamental, acompanhando a turma, dentro de sua capacidade. Nos anos iniciais, adaptamos os materiais e buscamos recursos para auxiliá-lo. Foi a base. Me apeguei muito ao Homúnculo de Penfield para desenvolver materiais, considerando sua especificidade da Síndrome de Down (ver imagem).

Conforme a representação, em crianças “típicas” a estimulação está relacionada à mão e à boca, já nas crianças com SD envolve também a visão. Ou seja, não adianta falar, falar e falar se nada tiver para mostrar. A memorização está relacionada diretamente às imagens. Hoje, com sua maturidade e autonomia, o conhecimento adquirido permite que ele faça tarefas de casa sozinho, buscando auxílio somente quando encontra alguma dificuldade. Faz leitura silabada e adora matemática. É responsável pelo cabeçalho diário no seu caderno. Trabalha apenas com a letra bastão, e eu não pretendo, por enquanto, entrar com a cursiva, pois eu foco sempre no objetivo que, neste momento, é a ampla alfabetização.

Todo o conhecimento que adquiro não guardo apenas para mim. Palestro para estudantes de Pedagogia sobre adaptação de materiais e as possibilidades de aprender e ensinar. É muito gratificante ver os estudantes de queixo caído com o que assistem, mas tenho certeza de que serão profissionais que receberão seus alunos de inclusão com outros olhos e, acima de tudo, sem medo.

Eu particularmente quero me especializar em Educação Especial. Não consigo guardar o que sei somente para o meu filho. Já vi e vejo o quanto dá certo, então nada mais justo do que permitir a tantas outras crianças que tenham um desempenho adequado. Elas conseguem tudo! Cabe a nós dar as oportunidades.

Quais as principais características que se destacam no Raphael? Ele é amoroso? É alegre?

Ele é radiante! Rapha é uma pessoa muito alegre e amorosa. Ele faz questão de demonstrar isso diariamente com beijos e abraços. Ele acorda super bem-humorado, cantando, dando beijos e desejando bom dia. Tem seus momentos de birra, como qualquer criança da idade, mas, na maioria do tempo, é calmo, tranquilo e transmite uma paz inacreditável. É aquela criança que você olha, para e pensa: como eu queria ter a pureza e alegria que ele tem! Rapha é aquele tipo de criança que chega aos lugares e dá beijos e abraços em todos que lá estão, conhecendo-os ou não. É grato. É feliz. É determinado. É muito concentrado no que faz, buscando sempre o resultado.


Por Andréa Schoch | Mestre em educação, especializada em formação de professores e consultora Appai por meio da EAD.


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