Cresce a discussão: manter ou não o “Dia das Mães” diante do trauma em crianças órfãs?


Nos últimos tempos essa discussão já vinha surgindo à tona todo ano, sempre ao se aproximar a data. O apelo é em torno do questionamento se vale a pena comemorar o “Dia das Mães” diante do efeito colateral considerado por um segmento como excludente e traumatizante principalmente para crianças órfãs ou de paternidade desconhecida. Movimento que a cada ano ganha mais força, mas que agora surge atomizado pelas mídias sociais. Algumas postagens até fazem uso da expressão “tormento” como no blog da jornalista Rita Lisauskas no Jornal “O Estado de SP”, um dos que teve o conteúdo viralizado pela internet. Ela dá voz a essa discussão sobre os efeitos considerados perversos. Por sua vez, um dos contrapontos que reverberou foi da também jornalista Fernanda Rosito, em resposta à proposta de eliminar essa comemoração do calendário escolar, que revelou seu sonho de ser homenageada no primeiro ano do filho matriculado.

Defesa da Tradição

O evento ainda faz parte efetiva da programação oficial da maioria dos colégios e está no calendário afetivo de boa parte da população que foi criada num ambiente familiar tradicional, já que essa comemoração vem sendo intensificada de forma pedagógica desde os anos 40. Junto com a festa, quase sempre há uma semana de atividades pedagógicas atreladas, como trabalhos artesanais feitos pelos alunos para servirem de presentes, ensaios de números de dança, teatro ou declamações para comporem a atração do evento.

Mas como ficam as crianças órfãs?

Se já não bastassem todas as restrições que podem sofrer pela ausência dessa figura, as crianças ainda têm que lidar com essa situação social… Esse é o principal argumento dos que defendem a extinção. Isso sem falar nas que não se enquadram no estereótipo tradicional dos pais ou ainda as chamadas “novas famílias” com suas variações parentais. Paralelo a essa lacuna da ausência da figura materna ainda tem as que estão em viagem, doentes, que possuem filhos em escolas distintas com comemorações simultâneas ou que, por atividade profissional, não conseguem comparecer às festividades.

Isso piora ainda mais com as que trabalham no comércio já que, ironicamente, é a segunda data que mais movimenta o setor e, por isso, dificilmente conseguem a liberação do patrão. Ressaltando que, geralmente, essas festinhas ainda ocorrem num dia útil e no turno da aula, obviamente manhã ou tarde. Algumas instituições de ensino até tentaram diminuir o problema transferindo para sábado ou domingo. Mas essa medida é de pouca valia, já que cada vez mais pessoas trabalham nos finais de semana.

É claro que situação semelhante acontece com o “Dia dos Pais”, porém o impacto emocional e as discussões acabam sendo menores por uma questão cultural. Até a cobrança da presença paterna costuma ser mais relativizada socialmente e pela criança do que a ausência materna nos eventos.

Especialistas ouvidos pela Appai também se dividem

Para a ex-secretária de Educação do município do Rio, Cláudia Costin, não podemos fingir que não existe essa forte data cultural mesmo que seja para não chocar uma criança. “É uma boa oportunidade para o educador trabalhar o sentido da festa antes do evento e ressaltar que há pessoas que substituem a figura. Há ainda as que se foram e podem ser lembradas com saudade e carinho… É também um momento de celebrar tanto a mãe que já não está mais aqui, como a que não pode criar por algum motivo ou a ‘adquirida’”.

A professora Thaiz Barros de Miranda, que trabalha com ensino infantil numa escola bilíngue, disse à reportagem da Appai que defende a ampliação da estratégia usada na sua escola e em outras instituições de ensino: “Para que todas as crianças sejam acolhidas nós optamos por realizar a festa da família… Agente sempre fala com elas, durante a preparação do evento, que também estenderemos a homenagem ao papai, à vovó e a quem estiver junto”.

Escolas já aboliram as datas

Essa tática na verdade já vem sendo aplicada nos últimos anos por várias escolas do país tanto privadas como públicas. Aqui no Rio esse movimento começou há cerca de uma década. Já as redes municipal e estadual de São Paulo vêm desde 2015 orientando os colégios a agirem com cautela com esse tipo de evento, tanto que em vários a data já foi substituída. Essa discussão chegou até os plenários das casas legislativas com mobilização de alas mais conservadores que temem que a extinção resulte no enfraquecimento da instituição familiar.

Outros colégios ocuparam essa lacuna com a criação do “Dia da Família”. Outras preferiram o “Dia do Cuidador ou Responsável”, comemorado em uma data fora das convencionais para total desvinculação dessa cultura. A tese é a de que, generalizando-se os graus de parentesco, dificilmente haveria exclusão, pois a quase totalidade teria um responsável para ser celebrado. Algumas já estão mais além nos questionamentos e avaliam a manutenção de comemorações vinculadas a dias religiosos, como Natal e Páscoa, já que não atendem as crenças da totalidade de alunos.

Origem da Data

Sempre no segundo domingo de maio, o “Dia das Mães” não foi introduzido no Brasil por uma questão cultural, mas por decreto federal expedido em 1932 pelo presidente Getúlio Vargas. Teve influência da cultura norte-americana graças a Ann Reeves Jarvis, que organizava grupos buscando melhorar as condições das mulheres. No entanto o costume vem desde a Antiguidade. Existem registros de que os gregos homenageavam a mãe dos deuses – Reia. Isso sem esquecer do forte apelo da Igreja Católica com o mês de Maria, a mãe de Jesus Cristo.

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Porém a tendência é que essas discussões não fiquem restritas às salas de aula. Os comerciais nas mídias também assumem formatos semelhantes aos das escolas não incluindo as crianças que não se encaixam no modelo familiar tradicional ou “completo”. Fora isso, muitos pais consideram a publicidade, mesmo sob regras diferenciadas ao se referirem a criança-consumidor, muito apelativos e exageradamente mercantilistas. Várias marcas usam como estratégia para fugir da restrição aplicada às crianças o não direcionamento de seus produtos do dia das mães para o público infantil, mas o fato é que no fundo ele é o mais influenciado.

 

Fontes:

http://emais.estadao.com.br/blogs/ser-mae/acabem-com-o-tormento-das-festas-de-dia-das-maes-da-escola/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2018/05/dia-das-maes-ou-dia-da-familia-uma-discussao-nas-escolas-cjgvg9ji102vt01pagnfx9h6c.html?utm_source=facebook&utm_medium=gzh&utm_content=comportamento

*Colaboração: Antônia Lucia Figueiredo – editora da Revista Appai Educar.


Por Luiz André Ferreira | Jornalista, professor, apresentador da Rádio Appai e Mestre em Projetos Socioambientais e Bens Culturais.


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