A origem do carnaval brasileiro

“Cena de Carnaval”, de Jean Baptiste Debret

O carnaval brasileiro é sem dúvida uma das mais conhecidas festas do planeta, cuja fama superou em muito as celebrações carnavalescas do passado, como as celebrações dionisíacas da Antiguidade e as da Europa medieval. E talvez o grande diferencial da festa entre nós esteja na forte influência da cultura africana, que introduziu várias manifestações na comemoração do carnaval, que se tornariam célebres, como os batuques, as danças e, é claro, o samba. Por esse motivo não falta quem pense que o carnaval é uma festa tipicamente africana.

No entanto, um passeio pelas origens do carnaval brasileiro no final do século XIX nos revelará um quadro diferente.A celebração do carnaval, independente de seu caráter de festividade popular que incluía as classes menos abastadas, estava também relacionada aos objetivos das elites em se aproximar de hábitos e costumes europeus. Ainda em meados do século XIX são criadas sociedades carnavalescas, como “O congresso das sumidades carnavalescas” e “União veneziana”, destinadas à prática da festa em modelos inspirados nas comemorações europeias, trazendo o luxo e a polidez como características da celebração entre as classes mais abastadas, que dispunham de recursos para sustentar tais costumes. Era, em suma, uma das estratégias distintivas das elites da Belle Époque.

Além dessas figuras das classes altas, também as elites intelectuais participavam ativamente dos festejos. Gente como o conservador Carlos de Laet e o republicano ferrenho João Ribeiro, por exemplo, que travavam verdadeiras batalhas ideológicas nas páginas de periódicos da capital, apareciam lado a lado nesses cordões carnavalescos. As próprias revistas e jornais para os quais esses intelectuais colaboravam participavam da festa, realizando coberturas e até publicando letras de canções que seriam entoadas nos desfiles.

Há quem afirme na Revolução Francesa uma possível raiz do carnaval tal como comemorado no Brasil. Os vitoriosos teriam idealizado uma espécie de desfile, dedicado à “deusa do paganismo iluminista”, para ostentar para a população os novos princípios sociais que seriam estabelecidos após a queda da monarquia. Ao assumir o poder, Napoleão teria mantido a celebração, mas introduziu a presença de elementos da nobreza, que os antigos revolucionários tinham se esforçado para apagar do imaginário popular. Artistas, pintores e coreógrafos foram recrutados para embelezar o evento, o que teria influenciado uma geração de artistas plásticos franceses, inclusive muitos dos que, poucos anos depois, viriam para o Brasil como integrantes da missão francesa que acompanhou a família real portuguesa. Debret então teria revolucionado os desfiles carnavalescos realizados no Rio de Janeiro, ao introduzir adereços como perucas, gravatas e joias na vestimenta dos carnavalescos.

Uma outra provável referência do carnaval é a Festa do Divino Espírito Santo, tradicionalíssima em Portugal, que entre o final do século XVIII e início do XIX era a mais popular festividade em terras brasileiras. Ali, além da combinação de desfile e procissão, havia o componente ainda hoje muito presente no carnaval da inversão mágica de papéis. Assim como hoje, quando os brincantes se fantasiam e por quatro dias assumem as mais variadas facetas, a celebração lusitana era marcada por uma suspensão da ordem habitual, que fazia com que as crianças assumissem o poder, os doentes isolados retomassem o convívio com os sãos e os presos por delito fossem colocados em liberdade. A Festa do Divino, celebrada em Portugal desde o século XIII, é apontada por muitos como o embrião do carnaval no Brasil.

As duas introduções, a francesa e a ibérica, tiveram a circunstância de seduzir profundamente a grande população afrodescendente no país, levando-os a participar ativamente dos festejos. Mal sabiam que no futuro a festa seria atribuída principalmente à forte influência da presença africana na cultura brasileira. A partir dos anos próximos à Abolição da escravatura o quadro começa a se alterar, pois os afrodescendentes, misturando-se à população livre mas pobre que ia às ruas para a festa, se encarregariam de trazer uma série de novidades que tornariam os festejos muito mais empolgantes e divertidos, com seus tambores regendo a livre expressão do corpo na dança e os capoeiras, com seus malabarismos, empolgando a massa de foliões de então.

O carnaval se configurava assim cada vez mais como uma festa popular e inclusiva. As ruas são tomadas por pessoas de todas as classes, raças e culturas, que durante aqueles dias veem suas diferenças diminuídas. Ricos, pobres, homens de letras, analfabetos, ex-escravos, portugueses, malandros e famílias, todos começam a escrever uma história que vemos hoje consolidada nas ruas do Brasil, como um dos mais importantes traços da nossa cultura.

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Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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