A história do cristianismo


As estatísticas apontam que os cristãos formam um terço da humanidade, o que faz da religião nascida há mais de dois milênios a mais praticada em termos de número de seguidores. Mesmo não sendo o credo de dois terços dos habitantes do planeta, o seu fundador, um certo Jesus, é figura conhecida mesmo onde o cristianismo não é praticado, fato que não se repete com relação a outros líderes religiosos, já que fora do ambiente próprio não se sabe muito sobre figuras proeminentes da religiosidade universal, como Maomé, Buda ou Zoroastro.

Presente em todos os continentes, o que raramente acontece com outros credos, a ascendência universal do cristianismo, bem como seu percurso histórico, criaram a condição de a doutrina ensinada por Jesus ser também uma das mais diversificadas. Nem a existência de uma instituição milenar e sólida como a igreja cristã de Roma, naturalmente influente na hora de apontar os caminhos e sentidos do cristianismo, conseguiu impedir que a crença nos ensinamentos de Jesus fosse praticada das maneiras mais variadas. Isso faz da religião um dos maiores acervos culturais da história da humanidade, sobretudo pela pluralidade de manifestações. Um bom exemplo são as próprias igrejas cristãs que estiveram em atividade nos primeiros séculos seguintes à crucificação de Jesus, e que formam o chamado cristianismo primitivo, anterior à hegemonia do catolicismo a partir do século IV.

Dentre essas podemos registrar o cristianismo copta, a igreja que teria sido formada por egípcios que estiveram em Jerusalém para a festa de Pentecostes e se seduziram pelas palavras de Jesus. Com suas escrituras na língua antiga do Egito, mas utilizando basicamente caracteres gregos (a língua copta), esses cristãos se orgulham de manter parentesco cultural com seus ancestrais que construíram as pirâmides. Os cristãos copta elegeram Marcos, autor de um dos quatro evangelhos canônicos, como seu patriarca maior. São ainda muito presentes no Egito, apesar de o Islamismo ser hoje no país a religião dominante.

A Igreja da Etiópia é outra grande relíquia da religiosidade cristã. Primeiro estado no mundo a adotar oficialmente o cristianismo, os etíopes oferecem uma das mais celebrações mais belas do mundo cristão, com a sua Lalibela, uma cidade fundada com o objetivo de ser a sucessora de Jerusalém, quando esta passa a ser dominada por povos muçulmanos, situação que impedia que os cristãos de então levassem a cabo o hábito de visitar a Cidade Santa pelo menos uma vez ao ano, como hoje fazem os fiéis islâmicos com a sua Meca. Em Lalibela estão belíssimas manifestações da fé cristã, com suas incríveis igrejas escavadas em pedras. Esses cristãos africanos se mantêm ainda hoje fiéis a certos ritos litúrgicos de igrejas do Oriente ao lado de muitas manifestações de arte, fé e cultura.

Encravada no Oriente Médio uma outra bela expressão de religiosidade é o chamado cristianismo maronita, praticado no Líbano. O nome vem de Maron, um monge do século IV, que difundiu a doutrina de Jesus pelo país. Mesmo seguindo ritos da igreja do Oriente e mantendo suas próprias escrituras no idioma siríaco-aramaico (que afirmam ser a língua usada por Jesus), os maronitas atestam que jamais deixaram de reconhecer a autoridade de Roma, inclusive a legitimidade do Papa. Em retribuição a isso os chefes da igreja maronita desfrutam do status de cardeal, estando presentes em todas as decisões da igreja católica, incluindo os concílios e conclaves. A unidade apesar da diversidade! E contrariamente ao que pensam muitos entre nós, a maioria da imensa população de libaneses que formam e vivem no Brasil são maronitas e não muçulmanos.

O cristianismo da Antiguidade ainda tem manifestações de fé que se mantiveram em oposição à igreja do Ocidente. O caso talvez mais emblemático seja o da Igreja Ortodoxa, também chamada de Bizantina, e que era a religião praticada na porção oriental do Império Romano. Mantendo a forte influência das ideias cristãs desenvolvidas a partir do pensamento filosófico grego, os ortodoxos romperam definitivamente com a igreja católica no século XI, no chamado Cisma do Oriente, e se firmaram como a instituição hegemônica do cristianismo em países como a Turquia, a Armênia e várias nações de cultura eslava. Recentemente, já no pontificado do papa Francisco, houve uma importante reaproximação entre as duas igrejas que um dia compuseram a religiosidade da antiga caput do mundo, como se definiam os romanos durante os seis séculos em que reinaram soberanos sobre as porções conhecidas do planeta.

A chegada do século XVI traz a modernidade, período que tem como um dos principais acontecimentos a cisão da cristandade ocidental com a chamada Reforma Protestante. As nações europeias se dividiram quanto à maneira de compreender e cultuar a figura de Jesus, mas permaneceram em relativa identidade com relação a seus propósitos expansionistas, o que equivale a dizer que a história e os ensinos cristãos foram levados em larga escala para outras latitudes do planeta. Um perfil histórico que seria preponderante para definir o cristianismo como um dos pilares em nações como a brasileira.

Um quadro que dá origem a muitas formas diferentes de conceber Jesus segundo as muitas crenças que se abrigaram entre nós. A base mais sólida e mais extensa naturalmente ficou a cargo de nossos ancestrais portugueses através de sua profunda identificação com o catolicismo. A igreja, com suas várias ordens, desempenharia um papel unificador e civilizador ao se expandir pelos quatro cantos do país, deixando a visão cristã de mundo como um traço indissolúvel de nossa personalidade. Supremacia que não impediu que também o cristianismo reformado tivesse seu papel na formação nacional, como se pode comparar no passado, com a presença de calvinistas e reformados em várias regiões e atualmente através da popularidade cada vez maior de igrejas evangélicas entre nós.

A força da presença de Jesus no Brasil não ficaria restrita às tradições eclesiásticas europeias. Outras visões do cristianismo temperadas por filosofias menos comuns no ocidente também aqui conseguiram criar raízes, como é o caso do Espiritismo, implantado no século XIX em torno da comunidade científica da Europa, e que aqui encontraria grande ressonância, praticamente transferindo para cá as atividades de uma religião que procura compreender o pensamento e a presença de Jesus a partir de teorias muito comuns no pensamento das religiões orientais, como a reencarnação, a pluralidade de mundos habitados e a comunicação com os mortos. Religião que se fortaleceria com o advento de médiuns (pessoas supostamente capazes de servir de intermediários entre o mundo físico e o espiritual) que se tornariam conhecidos em todo o planeta, como Chico Xavier e Divaldo Franco.

E no panteão de cores do cristianismo brasileiro não se pode esquecer aquela que é com certeza a mais brasileira das religiões, por ter de fato se originado aqui. Falamos da Umbanda, erradamente veiculada por alguns como um credo de “matriz afro”. Isso porque a crença nos orixás haurida na religiosidade iorubá e o culto aos antepassados, de inspiração no pensamento místico “negro-africano”, são apenas alguns dos elementos que compõem a crença umbandista. Eles creem também nos poderes mágicos da natureza, base das religiões das muitas etnias indígenas brasileiras, e, obviamente, na visão cristã de mundo, com os ensinamentos deixados por Jesus e outros traços tipicamente católicos, como o culto aos santos e a devoção a Maria, sua mãe.

Todas essas muitas formas de expressão que mostramos até aqui são apenas algumas das muitas manifestações da força histórica de Jesus e seu impacto nas culturas humanas de todo o planeta. Essas muitas diferenças de crença, culto e cultura revelam a importância que acabou sendo atribuída ao humilde carpinteiro judeu naquela Palestina de pouco mais de dois milênios atrás. E nos permite concluir que, independentemente do tipo de fé ou forma de cultuar que se mantenha, Jesus é de todos, de todos os povos, de todo o planeta, e até mesmo daqueles que dizem em nada crer, mas talvez lembrem dele em momentos de aperto.

Que o exemplo de liberdade, diversidade e tolerância que é oferecido pelas muitas manifestações de apreço a Jesus em todo o mundo possa estar presente no coração e na mente de todos nesses dias de festas em que se recupera a memória desse momento crucial para a humanidade. Esse foi o exemplo deixado pelo próprio personagem nos breves anos em que teria estado entre nós. E assim me sirvo dessa coluna para desejar a você nesse natal momentos de muita paz, tranquilidade e harmonia.

*Na ilustração, cena da montagem brasileira da peça “Jesus Cristo Superstar”.


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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