Qualificação e docência para o desenvolvimento


Muitos são os papéis desempenhados por professores e professoras. Além de mediar conhecimentos, a sociedade coloca uma série de expectativas sobre esses profissionais. À tarefa docente cabe mediar conflitos, orientar condutas éticas, pôr em questão diversos saberes e, sobretudo, despertar o interesse sobre o conhecimento científico. Além disso, por serem dotados de conhecimentos especializados, muitas vezes professores e professoras também são chamados a refletir e contribuir com intervenções a respeito de questões enfrentadas pela sociedade. Tal situação é recorrente no contexto das Ciências Agrárias e, especialmente, para profissionais que se dedicam à temática do desenvolvimento.

O objetivo principal colocado aos profissionais das Ciências Agrárias (Agronomia, Engenharia Florestal, Veterinária, Zootecnia, entre outros) frequentemente é entendido como o desenvolvimento e difusão de tecnologias que venham a solucionar problemas enfrentados nos processos produtivos do meio rural. No entanto, nem sempre a implementação de novas tecnologias soluciona questões enfrentadas pelas populações rurais, a exemplo dos problemas mercadológicos, sanitários, sociais, de infraestrutura e de serviços públicos em geral. Nesse contexto, cabe a esses profissionais observar problemas para além da limitação técnica e tecnológica, associadas muitas vezes a questões históricas, políticas e socioculturais.

Ao mesmo tempo, ao docente que atue nessa área cabe o desafio de despertar o olhar dos estudantes para essas problemáticas e trabalhar conhecimentos que auxiliem a compreensão dos fenômenos constatados e orientem intervenções com embasamento científico. Nesse âmbito, o objetivo final da atuação docente deve ser a formação de agentes de desenvolvimento, necessitando a instrumentalização dos estudantes para promoção de uma ação de extensão rural crítica e contextualizada.

Nesse contexto, para dar conta de tais abordagens e compreender fenômenos sociais, recorre-se às teorias das Ciências Econômicas e das Ciências Sociais, pois não poderiam ser entendidos, por exemplo, de maneira qualificada no âmbito das Ciências Naturais. Mas, para acessar essas teorias de maneira aprofundada, é preciso se especializar, pois nas Ciências Agrárias essas questões são abordadas de maneira limitada em disciplinas como Sociologia Rural, Extensão Rural, Economia Rural e Desenvolvimento Rural. Foi nesse sentido que busquei seguir meus estudos no curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que há mais de 40 anos trabalha neste campo de estudos. A especialização de profissionais das Ciências Agrárias nessa área, que envolve conhecimento em Sociologia e Economia, também contribui para suprir uma carência de atenção às questões do meio rural por profissionais formados nessas áreas do conhecimento – carência, aliás, também presente nas áreas da Saúde e das demais Engenharias.

No âmbito dessa pós-graduação, discutem-se as diferentes noções de desenvolvimento, buscando principalmente afastar a ideia de desenvolvimento de sua associação com o mero crescimento econômico. Desde da década de 1970, por exemplo, sabe-se que é possível ocorrer aumento da pobreza em um contexto de crescimento econômico – o “milagre econômico” brasileiro daquele período é frequentemente usado como exemplo para isso. Na década de 1990, a noção de desenvolvimento ganhou novas dimensões, incluindo-se a questão ambiental e consolidando-se a relevância das questões sociais. Indicadores de distribuição de renda, mortalidade infantil, expectativa de vida, poluição e acesso a serviços de saúde e educação passaram a se tornar relevantes para analisar o bem-estar e qualidade de vida de uma população e guiar ações públicas para o desenvolvimento. Hoje, por exemplo, a partir da experiência de diversos países, já foi demonstrado que o incremento no investimento per capita e qualificação dos serviços de saúde pública é imprescindível para o aumento da expectativa de vida. Ao mesmo tempo, o aumento da instrução da população e a disseminação de conhecimentos sobre questões sanitárias contribui para o controle de epidemias e doenças infecciosas, sendo também a educação uma dimensão fundamental para a qualidade de vida de uma população.

Outra questão relevante, principalmente no contexto rural brasileiro, é o enfrentamento à pobreza. O Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apontou que 25% da população do campo se encontrava em situação de extrema pobreza – enquanto na área urbana esse percentual era de 5%. Para pensar ações junto a essas populações, é preciso, em primeiro lugar, identificá-las e contatá-las, necessitando-se recorrer a estratégias e metodologias para diagnóstico e mobilização social utilizadas no âmbito da extensão rural. O desafio é grande no contexto das populações extremamente pobres por serem frequentemente invisíveis ao poder público, o que dificulta o planejamento e execução de ações que visem ampliar a oportunidade de renda e melhoria do acesso a serviços públicos básicos.

Em minha breve experiência docente em nível superior e médio abordando tais temáticas, pareceu-me impossível trabalhar tais questões de maneira descolada do contexto regional. Em uma das experiências mais relevantes, estudantes de um curso técnico em Agropecuária foram corresponsabilizados pela realização do diagnóstico da situação de famílias rurais de municípios vizinhos ao curso em que atuei. A partir da parceria com organizações que já atuavam com essas famílias, os estudantes aplicaram questionários e tiveram oportunidade de conversar a respeito das principais questões que enfrentavam. Assim, eles puderam ter melhor compreensão sobre o processo produtivo, a organização do trabalho nos estabelecimentos rurais e contextualizar com outras disciplinas cursadas. Depois desse processo, as turmas envolvidas também foram responsabilizadas pela produção da síntese e sistematização do diagnóstico. A partir de uma discussão coletiva, foram identificados os principais problemas mesmo sem análise dos dados quantitativos (levantados a partir dos questionários), e ações futuras foram indicadas para os projetos já em andamento junto a essas famílias. Essa abordagem pedagógica exige conhecimentos e um saber-fazer enquanto profissional da educação e do campo do desenvolvimento, sendo imprescindível o domínio dos conteúdos específicos, ficando demonstrada a importância da qualificação permanente.

No Brasil, o desafio de construir ações para o desenvolvimento e o enfrentamento da pobreza permanece em aberto e demanda esforço individual e público de qualificação para a atuação nesse campo. É importante sempre ter em vista que, mais que inspirar a formação de estudantes de maneira global, também é possível conciliar o processo educativo com contribuições para mudanças sociais significativas. Todo objetivo de ensino ainda deve se preocupar com o objetivo maior de todo o sistema educacional: proporcionar meios para a formação de um ser humano crítico, criativo e autônomo, capaz de refletir sobre seu contexto social para sua atuação.


Por Marcelo Artur Rauber é bacharel em Engenharia Florestal, Licenciado para Educação Profissional e doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ.


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