O que a neurociência nos tem ensinado?


Michael Jordan, o mago do basquete, exemplo de capacidade excepcional.

Nas últimas décadas tem sido notório o salto de conhecimento quando o assunto é conhecer o mais intrigante órgão do corpo humano. A partir de muitos avanços tecnológicos, com destaque para imagens obtidas através de ressonância magnética, o funcionamento do cérebro humano tem sido revelado de uma forma tão abrangente, que o resultado é que muitos dos conceitos que possuíamos a respeito de nós mesmos precisaram ser reformulados, dando lugar a uma maneira totalmente diferente de compreender os fenômenos da vida.

Algumas coisas que os estudiosos vêm conhecendo a respeito do nosso dia a dia – que nós, na maioria dos casos, sequer suspeitamos que existem – sugerem a necessidade de novamente formularmos a famosa pergunta que um dia foi feita numa das mais importantes obras de Shakespeare: “Que obra de arte é o homem?”.

A arte de improvisar

Um dos muitos temas que poderiam ser tocados é o de uma das mais emblemáticas características do ser humano, a capacidade de improvisar. É certo que em nosso dia a dia todos nós recorremos a improvisos para resolver problemas que por ventura se apresentem. Mas, inegavelmente, em alguns campos esse recurso é praticado em maior escala, sendo tomado até como um índice de excelência, como acontece em atividades como o teatro, a oratória e a música, que são importantes exemplos para se compreender como funciona em nosso cérebro a capacidade de improvisar.

Em princípio se poderia pensar que para pessoas que se dedicaram por muitos anos a estudar música, sendo capazes de ler a escrita musical, praticar ritmos, conhecer as diferentes escalas e executar peças muito sofisticadas, entre outras habilidades, seria mais fácil improvisar melodias.

Mas qualquer um grande músico sabe que as primeiras tentativas de improvisar são extremamente difíceis e até certo ponto frustrantes. Charles Limb e Allen Braun, pesquisadores do National Institutes of Health, nos Estados Unidos, após estudar pianistas de jazz executando improvisos, concluíram que, durante a atividade, o cérebro abre mão de controlar a si próprio.

Eles detectaram através de ressonância uma grande redução da atividade de uma região extensa do córtex pré-frontal lateral, que normalmente está empenhada em supervisionar nossas ações, monitorando e controlando o resto do cérebro. Ao mesmo tempo aumenta consideravelmente a ativação do polo frontal, responsável por nossa personalidade e história pessoal. E a improvisação não é outra coisa senão uma expressão altamente individual, que reflete o emocional e se relaciona com as experiências de quem a está realizando.

Dessa forma, a habilidade de improvisar vai se desenvolvendo à medida que se vai conseguindo “fugir” ao controle do córtex cerebral. Naquelas atividades praticadas a partir de muito treinamento e disciplina, o córtex atua de forma implacável, monitorando o uso de tudo o que foi apreendido através da prática. Quem improvisa, então, está conseguindo burlar um poderoso mecanismo. Em outras palavras é preciso desligar o córtex cerebral para poder liberar totalmente a criatividade, sem ser novamente “visitado” pela experiência já adquirida.

Mas não se iluda quem acha que o estudo e as técnicas são dispensáveis para quem prioriza a improvisação. As pesquisas mostram que a presença de associações que entram em cena na hora do improviso é algo fundamental para o bom desempenho, e essas são adquiridas por meio de um aprendizado longo, disciplinado e contínuo como acontece com todas as atividades praticadas em nível de excelência.

A neurociência tem mostrado o que está por trás das grandes habilidades.

Gênios do esporte

As descobertas referentes ao funcionamento das capacidades do cérebro também lançam novos focos sobre a atividade de excelência dos chamados atletas de alto nível. Quem presencia um jogador de futebol acertar no ângulo exato uma bola que realiza um incrível efeito de curva fica normalmente de queixo caído com a proeza. Afinal, o que esse atleta produz, muitas vezes sem nenhum conhecimento técnico, é algo capaz de intrigar o mais criterioso matemático tal a precisão com que a bola se utiliza de conceitos físicos, como o espaço, a massa e a resistência do ar.

O que de fato há com esses atletas que os leva a realizar feitos que os colocam entre os mais excelentes em suas atividades esportivas? Segundo um estudo publicado na revista “Nature Neuroscience”, a resposta para isso é previsibilidade. Os atletas de alto nível são provavelmente pessoas dotadas de uma incrível capacidade de antecipar acontecimentos.

Para chegar a essa constatação estudiosos realizaram alguns testes envolvendo profissionais de basquete, como jornalistas especializados e treinadores, além, é claro, atletas de excelência. Todos assistiram a lances incompletos de arremessos, isto é, a imagem se iniciava nos primeiros movimentos do jogador, mas se congelava antes de revelar o destino da bola.

A tarefa dos participantes era arriscar o palpite sobre se a bola cairia ou não. O resultado foi que, enquanto os atletas de elite acertaram quase 70% dos palpites, os demais, mesmo sendo profissionais que convivem com esportistas por muitas horas, não passavam da média de 50% de acertos, ou seja, o normal para pessoas que simplesmente dão uma opinião sem maiores embasamentos.

Os cientistas concluíram daí que os atletas eram capazes de interpretar certos movimentos dos arremessadores, alguns muito sutis, identificando padrões corporais que os predispunham a realizar a tal proeza de arremesso perfeito e que desafia os matemáticos. Aspectos como a cinética das pernas ou o movimento do dedo mínimo do atleta no momento do arremesso podiam ser “lidos” por eles com espantosa fluência.

Os participantes do experimento foram monitorados por ressonância enquanto assistiam os lances, e a constatação foi de que as fibras nervosas que ligam o córtex aos músculos ficavam mais ativas durante as jogadas, o que sugere que o córtex cerebral realize uma simulação do lance, como se fosse o próprio atleta que estivesse executando o movimento. É importante considerar também que tais reações só eram detectadas quando os lances eram do esporte em que os atletas eram especialistas. Chutes a gol, por exemplo, pouco sensibilizava os participantes.

Esse provavelmente é o motivo pelo qual os esportistas de alto nível conseguem levar vantagem sobre os demais, dentro de um jogo dinâmico, em que as decisões têm que ser tomadas em frações minúsculas de tempo. É a sua incrível capacidade de interpretar padrões corporais e previr o desfecho das jogadas que os faz serem jogadores diferenciados, concluem os cientistas.

A partir desses e outros estudos que expõem o ser humano como um produto de um órgão conhecido muito aquém de suas reais possibilidades, a vida da espécie tende a ser cada vez mais objeto da indagação filosófica. O mesmo percurso que tantos pensadores e artistas tomaram precisa ser cada vez mais revisitado à medida que a ciência sinalize com novas descobertas e mais informações sobre a vida.

Seja como for, não deixam de ter certa razão os estudiosos medievais quando acreditavam que o mau funcionamento da mente se devia à presença de uma pedra dentro do cérebro, que o impedia de atuar de maneira sana e equilibrada. Critérios de normalidade que dificilmente identificamos nos muitos gênios, como esses da música ou do esporte, que levaram a condição humana a outros patamares de existência.

A neurociência é o ramo de conhecimentos que reúne cada vez mais informações a respeito das maravilhosas qualidades do cérebro humano. Conhecimentos esses que são cada vez mais importantes para a prática educativa. Por isso a Appai oferece a seus associados mais uma oportunidade de qualificação profissional, com a I Semana de Neurociência e Educação, que de 7 a 10 de maio vai trazer os maiores especialistas nesse tema. Você que cada vez mais compreende a genialidade do mais intrigante órgão do corpo humano e entende a sua importância para a educação não pode perder essa oportunidade.

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Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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