O primeiro “tipo exportação” do Brasil (pau-brasil)


O pau-brasil, ibirapitanga para os indígenas de língua tupi, é um dos mais significativos símbolos brasileiros, apesar de não constar oficialmente na simbologia nacional. Com ele já representamos movimentos culturais importantes de releitura da cultura brasileira como a que foi levada adiante pelo modernismo de um Oswald de Andrade. Para não irmos tão longe devemos à espécie endêmica da flora brasileira o próprio nome do nosso país e até o gentílico (brasileiro é inicialmente o nome dado aos que trabalhavam nas feitorias destinadas a explorar a madeira). Em função disso, conhecer a trajetória do pau-brasil ao longo da nossa história é uma das formas de apreender alguns aspectos ainda hoje presentes na cultura brasileira.

O pau-brasil foi na verdade o primeiro elemento a colocar o país no mapa do mundo. Consta que a tinta extraída da árvore já era conhecida e utilizada pelos europeus desde o século XIII, só que provinda do Oriente, em condições que tornavam a aquisição do material muito custosa. Assim como aconteceu com o açúcar, de início só os muito abastados podiam consumir os tecidos tingidos pelo pó extraído da casca da árvore.

Por esse motivo, não espanta que Cristóvão Colombo, nas suas primeiras incursões pela América, tivesse logo escrito aos reis católicos relatando uma possível fonte de lucros a ser extraída das praias caribenhas repletas de pau-brasil. A distância da América para a Europa, muito menor do que desta para as Índias e o oriente, levaria a um maior acesso na aquisição do produto.

Com a posse dos portugueses das terras na América, a exploração da madeira não tardou a atingir números bem expressivos. Calcula-se que no primeiro século de atividades algo em torno de dois milhões de árvores tenham sido derrubadas, uma verdadeira gênese dos processos de desmatamento que ainda hoje estão por trás de grandes problemas brasileiros. Mais ou menos na metade do século XVI esse ritmo alucinante de exploração já deixava suas consequências: já era necessário aos empreendedores se afastar várias léguas do litoral em direção ao interior para achar bons exemplares do vegetal.

E no bojo desse tipo de depredação da natureza não faltaria também o extermínio da fauna (peles de onça, por exemplo, em grandes quantidades) e o ainda presente tráfico de animais, como papagaios e tartarugas, que também iam para o Velho Mundo acomodados nos navios entre as toras do pau-brasil.

As providências tomadas pela coroa portuguesa para frear esse processo seriam tão eficazes quantas as que se tenta hoje para impedir o desmatamento levado a cabo por madeireiros e traficantes. Criou uma guarda especialmente voltada para coibir os excessos cometidos na extração do pau-brasil ao longo do imenso litoral brasileiro. Nem a deliberação de pena de morte para a exploração ilegal teria o efeito desejado sobre a proteção das riquezas naturais, naquele Brasil do século XVII.

Num dado muito pouco difundido na historiografia nacional, o pau-brasil também estaria em torno do que na prática foi a primeira capitania do Brasil, bem antes daquelas já conhecidas, dos donatários. Em 1503 a coroa portuguesa cria um monopólio sobre a exploração da madeira e arrenda a um consórcio de empreendedores liderado por um certo Fernão de Noronha o direito de exclusividade sobre as árvores situadas na bela ilha que hoje leva o seu nome. Um empreendimento, como se vê, bem anterior à chegada ao Brasil dos primeiros elementos que caracterizariam a ocupação dos europeus, como os nobres donatários, a igreja e os primeiros povoadores direcionados pelo estado, como os degredados, por exemplo.

As primeiras relações ocorridas no território brasileiro, além das já existentes com as muitas etnias indígenas nativas, se devem ao pau-brasil e à atração que exerceu sobre os primeiros ocupantes europeus e outros povos, como os franceses, desde cedo grandes visitantes trazidos pela sede de ganhos com a árvore. Foram muitas as tentativas de corsários e piratas de explorar primeiramente e depois de se assenhorear de terras repletas de pau-brasil, inclusive com a intenção, malograda, de criar aqui protetorados como os que chegaram a se esboçar em cidades como Rio de Janeiro e São Luiz.

Episódios que, devidamente rechaçados pelos “donos” portugueses, entrariam para a história brasileira como os nossos primeiros grandes conflitos por posse. E que inauguraram também contextos de mobilização dos indígenas para causas muito diferentes daquelas para as quais lutavam normalmente. O que não pode ser tomado simplesmente à conta de desvantagens para os nativos, que em muitas ocasiões souberam habilmente tirar partido de acordos e alianças, principalmente para suas lutas com grupos rivais.

Os indígenas, aliás, através do processo extrativista do pau-brasil começariam a tomar contato com as transformações que haveriam de inviabilizar para sempre a continuidade dos povos nativos e suas tradições. Como era fundamental a sua mão de obra para a atividade extrativa, os da terra foram desde o início cooptados pelos europeus, que os seduziam com o fornecimento de objetos que lhes pareciam úteis para a prática de suas atividades.

Muitos tiveram ainda que experimentar a escravidão, que os obrigaria à estafante e rude tarefa de carregar as pesadíssimas toras às vezes por muitos quilômetros das matas aos pontos de embarque no litoral, como se pode constatar em escritos de viajantes como os do missionário calvinista Jean de Léry.

O pau-brasil perderia o seu trono no final do século XIX, quando a invenção de corantes sintéticos para o tingimento de tecidos praticamente inviabilizaria a planta como produto de exportação. Coube porém à árvore a tarefa talvez mais nobre de servir de matéria para a confecção de instrumentos musicais, como o violino. Muito tempo depois, em 1978, o pau-brasil seria definitivamente reconhecido no seu maior valor atual, o histórico, com a decretação pelo estado brasileiro de sua condição de árvore nacional do Brasil.

Um emprego certamente bem mais agradável do que aqueles que no passado brasileiro serviram de base para as atividades em sua maioria destruidoras, tanto do meio ambiente quanto das estruturas sociais, quase sempre deixados em segundo plano em relação aos objetivos mercantilistas que marcaram o encontro cultural entre nós.

Leia também: “A resistência – esquecida na memória nacional – dos nativos do semiárido brasileiro”


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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