Clube da Esquina, e nada mais foi como antes na Música Brasileira


A partir da esquerda, Lô Borges, Fernando Brandt, ex-presidente Juscelino Kubitschek, Márcio Borges e Milton Nascimento.

Belo Horizonte, década de 1960, esquina das ruas Divinópolis com Paraisópolis, bairro de Santa Teresa. É nessa época e lugar que começa a história de um dos capítulos mais ricos da música brasileira. O nome Clube da Esquina é uma brincadeira irônica com os muitos clubes de classe média alta da capital mineira. Foi a escolha dos jovens músicos e peladeiros, que de maneira totalmente informal inventaram uma maneira nova de fazer música.

É verdade que uma geração de vários artistas de personalidade já se delineava no cenário belo-horizontino, mas a coisa começa a tomar forma quando um dos mais talentosos, um certo Milton Nascimento, se aproxima da família Borges que vivia no bairro. Ali tem início uma parceria de muitas e belas canções entre o jovem recém-chegado de Três Pontas e um dos irmãos, Márcio. Com o mano mais novo, Lô, além de outras grandes parcerias, arranjos ousados, combinando inovações harmônicas e rítmicas com o peso das guitarras que começavam a seduzir os garotos através da beatlemania.

As intervenções harmônicas, aliás, seriam a grande novidade da música que os mineiros apresentavam ao Brasil. Se de início os acordes seguiam comportados os rumos indicados pelas gerações influenciados pela bossa-nova, não tardaram a assumir um estilo próprio na criatividade de artistas como Wagner Tiso e Toninho Horta, além do próprio Milton, que também deixava o seu timbre de instrumentista ao explorar a percussividade das cordas de seu violão, destoando do que até então se fazia na MPB.

Apesar de não ser o primeiro de Milton, o disco que levava o nome da nova escola, Clube da Esquina, lançado em 1972, seria um importante cartão de visitas da proposta musical dos mineiros e ficaria marcado como um dos mais importantes álbuns da história musical brasileira. Antes dele, em 1970, já havia saído o disco Milton, que apoiado pela banda Som Imaginário já trazia a influência do rock, além de outra importante característica, a utilização da percussão ocupando espaço de destaque no arranjo, e não apenas se limitando a acompanhar a melodia principal.

Nesse disco, aparecia também a figura marcante do talentoso percussionista Naná Vasconcellos, mais tarde saudado com um dos grandes músicos do planeta.
Com uma sequência de grandes álbuns, vários artistas ganharam o cenário nacional, levando o selo da nova música mineira para todo o país, como foram os casos de gente como Beto Guedes, de Lô Borges e da banda 14 Bis. Por outro lado, grandes parcerias iriam se solidificar, ao se aproximarem do movimento letristas excepcionais, como Fernando Brant – que formaria com Milton uma das mais fantásticas parcerias de compositores do Brasil – e o carioca Ronaldo Bastos.

A poética das canções do Clube da Esquina não ficaria atrás em novas contribuições para a música brasileira. Diferentemente das letras experimentais e carregadas de conteúdo e sentido que marcavam os compositores da Tropicália, por exemplo, os mineiros apostavam em letras repletas de metáforas, onde muitas vezes era difícil vislumbrar um sentido ou uma finalidade. A situação política complicada em que vivia o país, mergulhado numa ditadura militar, acabaria também deixando suas marcas nas produções dos artistas mineiros. Muitas letras seriam censuradas, algumas delas pela total incapacidade dos censores de compreender uma mensagem concreta.

A música dos mineiros se espalha por todo o país e chega consagrada à década de 1980, trazendo para o cenário musical referências muito novas, como a de uma africanidade mineira, resgatando ritmos como os congados e moçambiques, em oposição a uma musicalidade negra calcada no samba ou nos batuques do candomblé. Também se destaca a forte influência de elementos musicais latino-americanos, que acabariam por abrir uma importante via de diálogo musical com vários artistas do continente.

Em breve o som do Clube da Esquina chegaria à Europa e aos Estados Unidos, fazendo a cabeça de músicos consagrados, como o guitarrista Pat Metheny, que se apaixonaria principalmente pela música de Milton, de quem se tornaria amigo e parceiro em muitas apresentações. Reza a lenda que Pat teria certa vez incumbido um músico amigo seu que fora tocar em Belo Horizonte de visitar a esquina onde tudo teria começado. O músico estadunidense queria saber o que havia no lugar para ter motivado uma música tão especial. Aliás também por aqui a sonoridade dos mineiros produziria seus encantos, e o exemplo mais eloquente seria Elis Regina, cuja voz imortalizaria grandes composições, como “Maria Maria” e “Nada será como antes”.

Com os rumos tomados depois da abertura política, a música do Clube da Esquina foi se afastando um pouco das raízes originais e derramando sua arte de excelência pelo cenário da MPB como um todo. Mas a espontaneidade do som mineiro e a informalidade que o tornava menos um movimento musical do que uma “roda de velhos amigos” permaneceria eternizada na história da arte e da cultura brasileiras.

A Rádio Appai, sempre atenta ao que há de melhor na canção brasileira, não deixa de brindar você, professor, com os sucessos desse momento áureo da nossa história musical. Assim, através da nossa programação você pode relembrar os grandes artistas de Minas Gerais e suas criações inesquecíveis. E além disso, ajudando as novas gerações a conhecer a melhor tradição da nossa música. Fique ligado!


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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