A reforma do Ensino Médio – Mudanças para além do papel: é preciso olhar clínico


O Ensino Médio está em fase terminal?

Que a proposta da reforma do Ensino Médio pretende gerar mudanças na estrutura do sistema atual, que não vai nada bem das pernas, ninguém duvida. Porém o tema apresenta aspectos que necessitam ser avaliados com mais atenção, e é esse o objetivo com o texto de hoje.

Para facilitar a leitura e as ponderações posteriores, apresentamos um quadro que compara alguns aspectos de como está organizado o Ensino Médio atualmente e mostra o formato estrutural aprovado para ser colocado em funcionamento num futuro (próximo), por conta da Medida Provisória nº 746/2016:

 

Como está (presente) Como deverá ficar (futuro)
Ensino Médio de tempo regular

(800 horas/ano)

Ensino Médio de tempo integral

(1.400 horas/ano)

Ensino de língua estrangeira obrigatório, com a opção de escolher a língua estrangeira. Ensino de língua inglesa obrigatório, com a opção de aprender uma segunda língua (preferencialmente o espanhol).
Professor graduado, com licenciatura específica para ministrar aulas da respectiva área de conhecimento. Profissionais com “notório saber”, sem um diploma específico.
As disciplinas obrigatórias são: artes, educação física, filosofia, sociologia, matemática, língua portuguesa, uma língua estrangeira, física, química, geografia, história, biologia. As disciplinas obrigatórias nos três anos de Ensino Médio serão língua portuguesa e matemática.

O restante do tempo será dedicado ao aprofundamento acadêmico em ÁREAS ELETIVAS OU CURSOS TÉCNICOS:

I – linguagens e suas tecnologias;

II – matemática e suas tecnologias;

III – ciências da natureza e suas tecnologias;

IV – ciências humanas e sociais aplicadas;

V – formação técnica e profissional.

 

TERMINA A OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DE ARTE E DA PRÁTICA DE EDUCAÇÃO FÍSICA.

 

DIFICULDADES DE ORDEM ESTRUTURAL

Algumas das proposições da MP são excelentes nas suas intenções, porém nos deparamos com algumas dificuldades de ordem estrutural a serem compreendidas na hora em que o conteúdo da proposta deixa o papel e vai ser colocado em prática. Observe que as ideias pensadas para a reforma são inspiradas em projetos pedagógicos de outros países que são referência em educação. Até aí, tudo certo, são de fato países inspiradores quando o assunto é educar, desenvolver pessoas. O problema é que esses países, tais como França e Finlândia, têm estruturas econômica, política e cultural diferentes das nossas, e são elas que fazem toda a diferença no dia a dia da educação.

Bem, com os “pés no chão” podemos citar alguns exemplos dessas diferenças: um aluno de Ensino Médio na França ou na Finlândia tem respaldo pleno do governo para estudar, sem precisar se preocupar se a família terá ou não condições financeiras para custear seus estudos. Na Finlândia, por exemplo, os jovens estudantes recebem do governo toda a infraestrutura financeira para se dedicar aos estudos. Quando entram na universidade, são orientados a morar em sua própria residência (paga pelo governo) sem os pais, para exercitar a autonomia. Há cobertura de saúde, preocupação e estímulo para que tenham acesso aos bens culturais (teatro, cinema…). Já a realidade brasileira é muito diferente, pois muitos jovens trabalham enquanto cursam o Ensino Médio para compor os custos da família e estudam com muita dificuldade, pois não têm nem mesmo um transporte público razoável que os leve e traga. Sem falar em cultura…

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Outro aspecto a ser analisado diz respeito à formação de professores para exercer sua função. Aqui cabe uma observação: as discussões para a Reforma do Ensino Médio se iniciaram em 2013 (Projeto de Lei), porém ficaram de certa forma “adormecidas” durante um bom tempo, em que prevaleceu uma crise econômica e política (2014), essa última marcada, por sua vez, por um processo eleitoral complicado. Como desfecho de tudo isso, a reforma tão necessária não teve tempo de discussão suficiente, não tomou os rumos de processo a ser maturado. Houve menos discussões do que de fato seria necessário. O curioso é que tramitou também durante esse período o Plano Nacional de Educação, que foi aprovado e apresenta pontos contraditórios aos mesmos pontos presentes na MP. Exemplo disso, o PNE salienta que a formação do professor deve ser composta por uma graduação com licenciatura, resguardando assim o notório saber daquele que se graduou para ministrar aulas dentro de uma formação mais aprofundada e didática. Além disso, o Plano Nacional de Educação também enfatiza que o professor, antes de entrar em sala de aula, antes de concluir a sua formação, deve passar por uma espécie de estágio supervisionado em que possa ter contato com a realidade das salas de aula, conferindo-lhe uma habilidade em formação para ministrar aulas posteriormente.

Pela proposta da MP, está aberta a possibilidade de que um profissional não licenciado, que não necessariamente tenha didática, ministre aulas, o que contradiz as orientações do PNE.

A CARGA HORÁRIA EXPANDIDA X ENCAMINHAMENTO

Se de um lado temos clareza da necessidade de maior número de horas para se realizar um trabalho de qualidade com os alunos, de outro sabemos que, sem um bom projeto pedagógico, sem estratégias e encaminhamentos bem delineados, sem capacitação de professores, corremos sérios riscos de piorar o processo. A maioria dos alunos reclama muito dos encaminhamentos que os professores dão às aulas, e até já corre uma máxima de que a escola está no século 19; o professor, no século 20; e o aluno, no século 21.

Não se pode taxar como regra, mas pesquisas demonstram que a máxima tem sentido para um número grande de alunos. Portanto, a reforma para a formação de professores deveria anteceder qualquer outra reforma. Os professores devem ser valorizados tanto moral quanto pecuniariamente, estimulados a buscar novas formas de gerar aprendizagens significativas e a encontrar boas condições de trabalho, para que dessa forma possam exercer seu papel de curadores dentro da educação brasileira.

CONCLUSÃO

As mudanças e implementações são bem-vindas quando o assunto é educação. Porém, no caso da reforma do Ensino Médio, deixou a desejar e muito, pois educação exige um tempo de debate, de amadurecimento, e esse tempo e processos não foram respeitados, as propostas estavam verdes e foram assim colhidas. Isso me faz lembrar a história da borboleta no casulo. Ela precisava de um tempo que era dela, da sua natureza, mas quando alguém tentou abrir o casulo e retirá-la de lá, sem o amadurecimento necessário, foi trágico, ela saiu do casulo se arrastando e morreu.

Por Andréa Schoch | Mestre em educação, especializada em formação de professores e consultora Appai por meio da EAD.


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