Dia do Professor – um depoimento


Eu era adolescente ainda e um professor numa escola pública no subúrbio do Rio de Janeiro me chamou no quadro pra responder uma questão sobre língua portuguesa. Não apenas errei a pergunta como hoje vejo que passei uma verdadeira vergonha na frente de toda a turma, apesar de os meus colegas não terem percebido isso. É que se tratava de algo tão simples, que só mesmo alguém que não tinha nenhum compromisso com os estudos, como era o meu caso, podia não saber. Hoje reconheço isso tranquilamente.

Até então uma situação normal nas salas de aula do país. O ponto diferencial que me leva a contar essa história aqui foi a postura do professor que me convidara a ir ao quadro. Ele agradeceu a minha ida ali na frente da turma (como se naquela época a gente se recusasse a obedecer ao professor) e, depois de apontar meu erro, deu uma brilhante explicação sobre a questão. Ali de cima do tablado pude ver as feições dos meus colegas, todos vidrados olhando para a explicação do mestre, sem piscar, todos num movimento só, como se estivesse tudo ensaiado.

Ao voltar para minha mesa, voltei decidido a encerrar aquela fase de encarar a escola e os estudos como inimigos, como faz boa parte dos estudantes nessa faixa etária. Comecei a devorar o livro de português, contando sempre com ajuda do citado professor para aclarar o que eu não conseguia com meios próprios, isso algumas vezes depois do sinal já ter tocado! Dali pra frente fui percebendo que não só estudar língua portuguesa era um grande barato, como também o domínio do idioma que passei a ter permitiu que eu enxergasse o prazer de também ler e estudar outras disciplinas: literatura, história, geografia…tudo aquilo me abria as portas pra um universo novo. Não precisa dizer que acordei para a minha vocação para as ciências humanas, e dali veio a certeza de que esse era o meu caminho.

Dali pra frente os professores começaram a despertar o meu interesse como estudante. Percebi o quanto eram fundamentais não só para a escola, como na formação para a vida. No ensino médio minha geração viveu a experiência de ver pela primeira vez uma eleição presidencial depois de muitos anos impedidos de decidir as coisas do país. Como hoje (mas não com tanta intensidade), as pessoas estavam mobilizadas, empenhadas em defender suas posições, seus candidatos. Havia discussões e debates, e olha que tínhamos um acesso à informação que não podia se comparar ao atual! Mas o que mais me chamou a atenção durante esse período foi mais uma vez a postura de nossos docentes.

De tudo um pouco foi defendido de cima dos tablados de outra escola pública da cidade. Todo tipo de ideologia ou crença política desfilou pelas salas de aula. Gente que lamentava o fim do período que se encerrava ao lado de outros que se mostravam entusiasmados com as novas possibilidades abertas com a democracia. Mas o mais marcante foram os princípios de liberdade mantidos por todos os professores. Concordando ou discordando, nenhum, pelo menos que eu presenciasse, esboçou qualquer atitude de impedir a discussão ou cortar o ímpeto de os estudantes participarem daquele momento. Isso me ensinou muita coisa, principalmente a ter a certeza de que são eles, os nossos docentes, os grandes protagonistas de uma sociedade superior, de valores nobres.

Desse tempo pra cá, a vida me jogou para outros desafios além da sala de aula. Fui apresentado ao mundo dos livros, dos debates acadêmicos, da formação de opinião, da comunicação em meios digitais. Como cereja do bolo vim trabalhar nessa associação, que me permitiu ter contato diário com as questões envolvendo a educação, o professor, as metodologias de ensino. Escrever semanalmente pra vocês, participar de acontecimentos como a Bienal e o Encontro de Educação, organizar eventos como a Semana de Língua Portuguesa, enfim, tudo isso tem sido um verdadeiro complemento da minha formação como ser humano.

Por isso, na data em que mais uma vez comemoramos o Dia do Professor, falo sobretudo como um aluno e aproveito para dar esse depoimento que envolve a formação de um sujeito. Esse agradecimento pelo despertar de um caminho de vida. Esse reconhecimento do quão fundamentais vocês são para a vida e para a sociedade. E completo com uma convicção: num mundo tão cheio de incertezas e ameaças como esse em que vivemos, a única certeza é que, sem os professores e sua sempre presente dedicação ao ensinar, nada pode ser construído que dignifique a presença humana nesse planeta. Eu só espero que tenha propiciado a meus alunos pelo menos um pouco das lições de vida que recebi de vocês. Muito obrigado!

Pra concluir, se você achou que eu devia ter citado o nome do professor que me ajudou a despertar para o valor da educação, saiba que eu cheguei a pensar em fazê-lo. Mas decidi que, se o fizesse, teria de agir da mesma forma com todos os outros, já que cada um tem a sua parte na minha formação. Decidi não cometer nenhuma injustiça. Ao abraçar todos vocês nessa data, tenho a certeza de que ele também se sentirá valorizado, onde quer que esteja. Quem sabe até não lhe consiga arrancar algumas lágrimas de emoção?!


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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