Como é que se aprende a escrever?


Séries iniciais

A entrevista de hoje é com Sandra Bozza, profissional com uma bagagem incrível quando o assunto envolve letramento, alfabetização, função social da escrita e por aí vai… Autora de muitas e excelentes obras, Sandra viaja por todo o Brasil e para fora também, ministrando cursos e dando consultorias. Acompanho o trabalho dela há muitos anos e me sinto muito honrada em poder compartilhar as suas preciosas ideias sobre o processo de aquisição da escrita e da leitura pelos pequenos aqui neste canal da Appai. Vamos às perguntas:

1. O que ainda precisamos melhorar em relação às técnicas e ao processo geral de alfabetização de nossas crianças?

Sandra Bozza: Em cursos e palestras, costumo citar DRUMMOND: AMAR SE APRENDE AMANDO. E eu digo, LER E ESCREVER SE APRENDE LENDO, ESCREVENDO E PENSANDO. O que muda é como a escola coloca o aluno para se relacionar com o objeto do conhecimento: A ESCRITA! É necessário UTILIZAR a escrita para SE APROPRIAR DELA. Não é apenas falando, discorrendo, discursando sobre a escrita que se vai ensinar a ler e a escrever. Ler e escrever requer reflexões constantes sobre a organização e a importância (suas funções) dessa invenção maravilhosa que organiza a nossa sociedade.

2. Por que você defende a ideia de ensinar a Língua Portuguesa a partir de textos, desde as séries iniciais?

Sandra Bozza: Boa pergunta. Se considerarmos todas as instâncias da língua escrita – letra, sílaba, palavra e texto –, nos daremos conta de que somente o texto consegue estabelecer uma relação completa entre significado (ideia) e código (conteúdo de Português), pois apenas ele é capaz de transmitir uma ideia completa, isto é, apenas ele possui a unidade de sentido que a língua requer.

Vou dar um exemplo que vai deixar tudo muito claro: analise os vocábulos “aviação” e “gato”. Não precisamos nem do auxílio do dicionário para facilmente ter a clareza de que ao longo dos tempos essas duas palavras acumularam vários significados que hoje são utilizados com bom nível de discernimento, em cada um de seus contextos, por qualquer falante de nossa língua, não é mesmo?

Assim, eu entendo que, na vida, na nossa sociedade, as relações se efetivam através da linguagem, seja oral ou escrita, e que, para nos comunicarmos, precisamos de mais do que apenas letras e sílabas, pois, sozinhas, representam sons isolados. As palavras também não possuem significado completo, mas o texto, sim, esse dá conta de comunicar, por isso é essencial ensinar a língua por meio dele, e com função. Se a palavra “gato” for utilizada em um texto, que pode ser uma frase ou mais, como, por exemplo: “Aquele rapaz é um gato!” ou “O gato subiu na janela”, a palavra se apresentará carregada de sentido e terá cumprido a missão de comunicar.

3. Sabemos que o ensino mais tradicional priorizou a alfabetização e o ensino da língua tendo como premissa o trabalho com o código. Isso foi prejudicial para a produção escrita dos alunos?

Sandra Bozza: É fato, o ensino tradicional priorizou o trabalho com o código, e isso acarretou um imenso insucesso em termos da produção escrita dos alunos. Por outro lado, é pouco veiculado que as práticas espontaneístas, que relegaram o código em favor somente do trabalho com a significação, também não garantiram a apropriação dos conteúdos de Língua Portuguesa e, consequentemente, não formaram alunos competentes no uso da língua oral e escrita.

De forma alguma se pode dar mais importância a um ou a outro isoladamente, já que é o casamento perfeito entre ambos que permite a clareza e a objetividade das ideias a serem transmitidas.

4. A propagada afirmação de que “a escrita deve ser trabalhada na sua real função social” já é extremamente conhecida por professores e profissionais da educação de modo geral, mas ainda não é isso que ocorre na prática. Você pode nos falar sobre isso?

Sandra Bozza: Temos inúmeras críticas feitas ao ensino da língua materna por grande parte das escolas do Brasil. São alunos que reclamam, pois não conseguem aprender; são pais indignados com o alto grau de retenção na disciplina de Português; são pesquisadores que analisam e apontam alternativas para mudanças no sistema de ensino; são professores que se questionam, mas não encontram o caminho.

E as perguntas são: Como alterar este quadro alarmantemente denunciado em nossa sociedade? Como modificar o ensino, eliminando as raízes tão profundas da gramática tradicional?

A gente já sabe que não basta apenas proporcionar o acesso à leitura e produção de bons textos sem que haja um trabalho intenso do professor. Na tentativa de romper com o tradicional, já foram ensaiadas muitas práticas a partir do texto, que também não alteram o quadro da efetiva apropriação da língua viva no contexto de vida. A orientação para tornar possível a mudança desse quadro é trabalhar muito nas escolas, durante as aulas de Português, para garantir a apropriação e ampliar a competência linguística dos alunos, na leitura escrita com função social. De que forma? Realizando um trabalho simultâneo entre o código e o significado, garantindo as duas pontas da corrente: a apreensão do código próprio da língua escrita (FORMA) e a garantia da utilização desse sistema, com função social (CONTEÚDO).

Obras atuais escritas por Sandra Bozza:


Por Andréa Schoch | Mestre em educação, especializada em formação de professores e consultora Appai por meio da EAD.


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