Com dinheiro não se brinca, se estuda! A importância da educação financeira


Com a inserção da educação financeira na base curricular, saiba o que especialistas sugerem que seja abordado e como professores estão aplicando a temática em sala de aula

Certamente, em algum momento da vida, você já deve ter relembrado o seu tempo de escola e se questionado: “Por que não ensinavam sobre dinheiro nos ensinos Fundamental e Médio?”. O que era apenas uma hipótese se tornou realidade a partir do decreto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o documento normativo que estabelece referências para os currículos escolares no País. Afinal, aprender sobre educação financeira dentro da sala de aula é fundamental para o fortalecimento da cidadania, pois, ao estar ambientado com o assunto, o aluno se torna mais consciente sobre a importância de tomar decisões assertivas sobre finanças e consumo.

Com essa homologação que abrange os ensinos Fundamental e Médio, o Brasil inicia uma nova era, em que há o objetivo de promover a educação financeira, bem como o aumento da capacidade do cidadão de realizar escolhas conscientes sobre a administração dos seus recursos. A Revista Appai Educar conversou com especialistas para falar sobre essas questões e mostrar como começar desde já a inserir essa disciplina em sala de aula. Afinal, investir nessas temáticas desde a Educação Infantil pode ser primordial para ações a longo prazo.

Constantemente associada à Matemática, a educação financeira carrega nas costas a “fama” de difícil por estar atrelada à dificuldade de resolução comumente atribuída à área de exatas. É o que revela Adenias Gonçalves Filho, Consultor em Gestão Empresarial e Finanças Pessoais, segundo o qual “as pessoas acabam não detendo a devida atenção para com o dinheiro, ignorando aspectos relevantes em seu comportamento de gastos no dia a dia”.

Mas por estar inserida no campo comportamental, a educação financeira pode ser aplicada de forma interdisciplinar, já que, além dos livros tradicionais, os conteúdos possibilitam sua utilização em forma de jogos ou outras dinâmicas. Essas ações diferenciadas podem contribuir para que a educação financeira deixe de ser vista como o “lobo mau” e possa ser vislumbrada como uma nova forma de projetar o futuro.

A falta de controle de gastos afeta muitas famílias e é um mal que pode ser evitado através do conhecimento. De acordo com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), indivíduos com mais acesso à informação buscam melhores condições de financiamento e planejam mais como aplicar o dinheiro. Em contrapartida, o órgão ainda revela que, de 2012 a 2018, 16% dos jovens de 18 a 24 anos que obtiveram pela primeira vez um cartão de crédito entraram na restrição do crédito após 3 meses de uso, por falta de experiência financeira.

Diante deste cenário, é fundamental que esse assunto seja trabalhado ao longo da escolaridade básica de forma contextualizada, de modo a ajudar o aluno a conhecer e a intervir na realidade social.

 

PROMOVENDO O CONSUMO CONSCIENTE

De acordo com a psicopedagoga Cristiane Guedes, estudar a temática na escola propicia ao educando estratégias mais saudáveis de lidar com a realidade que se apresenta. “É fato que a responsabilidade de gerenciar uma casa restringe-se aos pais. A criança deve ser influenciada pelo que realmente é fundamental para seu desenvolvimento. O investimento nessa temática tem como fator principal a constituição de gerações conscientes, sustentáveis, entendendo com nitidez seu comportamento com relação ao uso correto do dinheiro”, explica Cristiane.

A relação equilibrada no uso do dinheiro, inegavelmente, favorece à criança compreender sobre o consumo sustentável e sobre a grande influência do mundo e das mídias em suas vidas. Para a especialista, “devemos entender que hoje a sociedade adoece e a questão fundamental é o valor que se estabelece através do dinheiro. Muitos são os distúrbios que acometem atualmente a nossa sociedade. Ansiedade, impulsividade, depressão, dentre outros, que por vezes têm como disparador a saúde financeira. Tais questões, segundo pesquisas, estão diretamente ligadas à desorganização com as finanças, causando o desconforto e, até mesmo, crises mais efetivas na família. Se o dinheiro for bem empregado, para uma sustentabilidade na vida prática, talvez se minimizem em grande parte as doenças mentais adquiridas”, comenta a psicopedagoga.

Segundo Adenias, é nos primeiros anos de vida da criança que ela constrói o modelo mental que vai impactar os comportamentos que terá ao longo da vida. E dentre eles o consumo, com significativos reflexos em sua saúde financeira. “A criança que possui e é orientada para comportamentos conscientes nessa área, com certeza, será um adulto saudável financeiramente e saberá como administrar seus recursos tanto os financeiros como os não financeiros”, pondera o especialista.

Para Reinaldo Domingos, Presidente da Abefin (Associação Brasileira de Educadores Financeiros), autor de diversos livros e criador da Metodologia DSOP (Diagnosticar, Sonhar, Orçar e Poupar) de Educação Financeira, a resolução da BNCC mostra um avanço no reconhecimento dessa disciplina e indica a importância de saber lidar com o dinheiro desde cedo. “Ela vai na direção da mudança de hábitos e comportamentos, pois engloba diversos conceitos que não estão ligados diretamente ao dinheiro, como o consumo consciente”, destaca Domingos.

 

ESCOLA E FAMÍLIA LADO A LADO

É extremamente importante o alinhamento entre o aprendizado de educação financeira na escola e as atitudes e comportamentos que a família mantém no lar com relação a consumo e gastos dos recursos econômicos. “A meta é evitar incongruência entre a teoria e a prática, o que poderá gerar riscos em desvios comportamentais sobre a importância do “ter” sobre o “ser”. Hoje encontramos instituições voltadas para criar conteúdo de Educação Financeira em diferentes níveis do Ensino, com destaque para o Programa DSOP, que contempla não apenas a formação dos alunos, mas também dos professores e famílias. Disponibilizando livros, cursos de educação a distância, palestras e assessorias pedagógicas durante o ano todo”, garante Adenias.

 

APRENDENDO NOVOS HÁBITOS

Qualquer hábito, saudável ou não, é apreendido pela criança a partir das primeiras interações que ela faz com quem cuida e, consequentemente, das crenças adotadas pelo núcleo familiar. De acordo com Cristiane Guedes, a criança inserida em sociedade vai se adequar nos grupos de convívio a partir do que compreende na família, ou seja, a partir do que é importante ou significante nesse meio. “São suas referências iniciais. Sendo assim, é muito provável que ela apreenda novos hábitos através da interferência positiva do adulto. Se vivemos em uma sociedade contaminada pelas mídias onde se estabelece como verdade que o importante é “ter” e não “ser”, com certeza a criança estabelecerá esses hábitos que não são saudáveis inclusive em suas relações pessoais”, esclarece a psicopedagoga.

Para ela, é de fundamental importância que os pais compreendam que saciar um desejo imediato, sem um planejamento, propicia para a criança aprender hábitos imediatistas e sem uma possível compreensão do que realmente é necessário para que ela possa interagir em sociedade, de forma saudável. “Tão logo a mudança de práticas seja adquirida pelos adultos responsáveis pela educação da criança ou do adolescente, eles aprenderão e repetirão o hábito saudável observado”, explica Cristiane.

 

A criança aprende os hábitos dos grupos de convívio, por isso a importância de práticas positivas na família

 

EXISTE DIFERENÇA ENTRE A CRIANÇA QUE APRENDEU DESDE CEDO A ADMINISTRAR O DINHEIRO PARA OUTRA QUE NÃO TEVE ESSA EXPERIÊNCIA?

Cristiane Guedes explica que, do ponto de vista psicopedagógico, a criança que teve um aprendizado sobre a temática se diferencia sim de outra que não aprendeu. Para ela, qualquer vivência que seja realmente significativa para os pequenos a diferenciará do mundo que a cerca. “Os princípios da educação visam formar cidadãos críticos, autônomos e capazes de idealizar e realizar projetos individuais que possam ser úteis a sua vida. Uma educação consciente deve ser capaz de fornecer ferramentas culturais para que o indivíduo possa constituir-se de maneira saudável para construir sua vida com planejamento, com relações que o ajudem em seus objetivos efetivos. No cenário econômico contemporâneo, é fundamental que se aprendam novas formas de investimento e de existência para que se adquiram práticas mais conscientes, menos consumistas e menos impulsivas com relação aos gastos”, garante a psicopedagoga.

 

É PRECISO FACILITAR A METODOLOGIA E APLICAR À REALIDADE DOS ALUNOS

Há inúmeras maneiras de abordar o consumo com os alunos. Existem projetos pedagógicos que o analisam por perspectivas, como a influência da publicidade em nossas vidas, a cultura imposta pela economia capitalista, as relações com o mercado de trabalho e até mesmo com o meio ambiente. Com conteúdo lúdico e dinâmico, separados de acordo com cada faixa de idade, os estudantes podem entender como é viver num sistema movido pela questão financeira e ao mesmo tempo aprender a ter um contato saudável com o dinheiro.

Para Catarina Iavelberg, assessora psicoeducacional da Nova Escola, ações formativas que lidam com aspectos financeiros cotidianos podem alterar a organização do orçamento doméstico dos estudantes e de suas famílias. “É possível ampliar a consciência sobre isso de diversas maneiras. Um caminho é, por exemplo, realizar, com o auxílio do professor de Matemática, uma pesquisa com os alunos e seus familiares para identificar o perfil deles como consumidores. Os dados são fundamentais para planejar as aulas sobre o assunto. Se o levantamento indicar que muitas famílias estão endividadas, pode-se estudar o mecanismo de juros e investigar como utilizar crédito de modo consciente. Se revelar que boa parte do orçamento é destinada ao pagamento de faturas, como contas de água, luz e internet, há a opção de procurar meios para aumentar o controle desses gastos. Outra possibilidade é elaborar uma cartilha sobre orçamento doméstico e distribuí-la para os familiares”, sugere Iavelberg.

Sandra Tiné, presidente do grupo de apoio pedagógico do Comitê Nacional de Educação Financeira (Conef) e assessora técnica da Secretaria de Educação Básica do MEC, chama atenção sobre a falta de conhecimento sobre o que é ser financeiramente educado, como gerir finanças, planejamentos e projetar sonhos. “Se olharmos as últimas pesquisas, vemos que ainda somos um país de pessoas superendividadas, e isso compromete o nosso desenvolvimento. Queremos e precisamos ser uma nação de poupadores”, ratifica Tiné.

 

O DESAFIO INTERDISCIPLINAR DO EDUCADOR

Para Adenias Gonçalves Filho, o grande desafio da educação brasileira é levar a formação em Educação Financeira para todos os profissionais docentes, visto que estes não tiveram em nenhum momento de sua formação conteúdos referentes a este tema e a grande maioria não sabe lidar com o dinheiro e nem consumir com consciência. “Por isso, eles precisam se educar financeiramente. Necessitam realizar cursos que contemplem conteúdos que levem à mudança de comportamento, o que somente será possível se estiverem embasados em uma metodologia com comprovação científica, como o Método DSOP”, explica.

Existem organizações não governamentais (ONG) que têm como missão a promoção da Educação Financeira em escolas públicas e privadas, como a associação Junior Achievement. Um de seus programas busca propiciar formação em economia pessoal para alunos dos anos finais do Ensino Fundamental. E o Ministério de Educação (MEC) também distribui, gratuitamente, por meio do site vidaedinheiro.gov.br, informações que as escolas podem utilizar.

Há inúmeras opções para as instituições de ensino contribuírem com a Educação Financeira dos pequenos alunos. É preciso levar em conta que, hoje em dia, os estudantes têm um forte poder de persuasão diante dos pais. Se todos adquirirem uma formação apropriada e se engajarem nessa ação, é possível que a informação absorvida possibilite mudanças expressivas no comportamento financeiro tanto dos jovens como dos adultos. O importante é crescer consciente financeiramente.


Por Jéssica Almeida e Richard Günter
Fontes: Ministério da Educação | Infomoney | Exame | SPC

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