Direitos Humanos na Educação

Um debate que falta na escola e se faz necessário para se entender as diferenças sociais, o cotidiano escolar e outras questões importantes a serem debatidas


Você sabe o que são os Direitos Humanos? Sabe a importância deles na educação e como abordar a temática em sala de aula? A equipe da Revista Appai Educar reuniu diversas dicas e vai mostrar a relevância de abordar essa questão na escola ou através do ensino remoto. Também exemplificaremos com projetos pedagógicos desenvolvidos por outros educadores e vamos trazer muitas opções de conteúdos para você entender a importância desse assunto. Confira!

Educação em Direitos Humanos: uma lição plural

Ainda bastante invisível aos olhos do cidadão e à luz do entendimento do que se trata, a Educação em Direitos Humanos move-se na permanência, continuidade e globalidade da educação, a fim de atingir valores essenciais que perpassem a teoria e sejam transformados em práticas.

No Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Educação em Direitos Humanos começa a ganhar força, espaço e reconhecimento nas práticas do sistema de ensino brasileiro, nas mais variadas propostas educacionais pautadas nesses valores universais.

Na década de 1990, surgem as versões iniciais do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Mas é em 2003 que o documento apresenta a versão PNDH-3 pautando de maneira direta uma trilha de orientação, cujo conteúdo versa a promoção e garantia da Educação e Cultura em Direitos Humanos. Saiba mais em Conselho Nacional de Educação.

 

Armandinho e a Declaração Universal dos Direitos Humanos

 

Uma aula em andamento

Contudo, assim como ao redor do mundo, ainda há muito para se aprender pela sociedade e comunidade escolar, uma vez que todo esse conhecimento e aplicabilidade deve abranger, igualmente, educadores e educandos, como sempre relatou Paulo Freire.

Nesse espiral, ainda muito envolto nas enraizadas violações dos Direitos Humanos, compete à educação, através da escola e seus sistemas de ensino, assumir o papel formal de reposicionar esse aqueduto histórico dos permanentes ataques a esses direitos nas esferas geográfica, social, política e econômica junto à sociedade brasileira.

Essa compreensão de que a cultura dos Direitos Humanos é um dos alicerces para a mudança social é parte fundamental dessa narrativa da Educação mundial. A colaboração de professores, gestores, pais, alunos, comunidades e meios de comunicação – seja através da realização de projetos pedagógicos ou da divulgação de seus resultados formatados nas atividades, debates, reuniões e diálogos com a sociedade – deverá não somente aprofundar e ampliar o olhar de todos acerca do tema, mas, sobretudo, sustentar e vivificar a cultura de direitos democráticos entre todos os cidadãos.

 

Alunos e professores: protagonistas desse desafio

Para a professora Priscila Cruz, da Escola Municipal Dom João VI, falar sobre Educação em Direitos Humanos é dar voz à cidadania. “Quando me debruço sobre esse assunto, penso logo em cidadania, que também me faz lembrar da Educação. Venho trabalhando com projeto interdisciplinar na escola há 4 anos e cada passo que damos é na direção de desenvolver nos pequenos o gosto pela leitura. E isso tem tudo a ver com cidadania, pois crianças que gostam de ler compreendem o que está sendo lido, o passado, o presente e ficam atentas ao futuro”, pontua a professora.

Ao opinar sobre o assunto, o professor de História George de Melo, que leciona no curso pré-vestibular EDUCAFRO, ressalta que uma educação baseada nos Direitos Humanos já é algo previsto em diversos lugares, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e a Base Nacional Comum Curricular, homologada em 2018. “São conceitos básicos que norteiam todos os componentes curriculares da educação; básicos, mas necessários na construção e formação de qualquer cidadão. Quando analiso dentro da área de História, entendo que nós professores temos o dever de formar cidadãos críticos para a sociedade, que atuem o tempo inteiro na construção de um mundo melhor. Temos vivido tempos sombrios, onde a negação da ciência e das informações verdadeiras tem sido frequente, a pós-verdade é o novo padrão do mundo virtualizado”, enfatiza George.

 

Um posicionamento de luta e respeito

Fazer fluir e praticar uma educação não discriminatória e democrática exige mais que posicionamentos, uma vez que não se pode colocar debaixo do tapete a latente edificação de uma cultura brasileira validada por privilégios, desigualdades, discriminações, preconceitos e desrespeitos.

Para tanto, essa mudança de um legado “sombrio” necessita de políticas educacionais voltadas para a democracia, com a efetivação e a adoção de Diretrizes Nacionais para a Educação, que contribuam para a promoção de uma formação que contemple a universalização da Educação Básica, bem como o livre acesso ao ensino superior a todos.

Acerca das mudanças na política educacional, o professor George alerta para o grave problema que são as desinformações. “As fake news e perfis fake são destaques nas redes sociais, contribuindo de forma negativa para o bem-estar geral. Todas essas falsas informações vão contra diretamente os direitos humanos básicos, de respeito ao próximo, pregações de censura e do fim de liberdades individuais para incentivo da dignidade humana. Neste caso, é papel da escola incentivar seus alunos a estarem sempre antenados e combaterem junto com os educadores essa disseminação de conteúdos falsos e danosos.

Ao falar sobre a importância e compromisso da Educação Básica, a professora Priscila acentua a necessidade de se estar pensando nisso o tempo todo. “O acesso à escola básica também faz parte da garantia desses direitos. Uma educação que estimule o aluno a pensar, pesquisar, refletir, questionar, compreender e contextualizar a realidade em que vive e poder fazer conexões com o passado e vislumbrar um melhor futuro por meio das ações e transformações que essas iniciativas podem pautar”, avalia a docente.

O professor da praça, Silvério Moron, acredita que a evasão escolar é um canal de escoamento que precisa ser sanado, fechado, haja vista que não somente a comunidade escolar, mas sobretudo, a escola tem esse papel, uma vez que educação é um pilar central dos Direitos humanos. “ O aluno tem que chegar na escola, tomar seu café reforçado, almoçar e depois o café da tarde. Isso é um ponto primordial para o aluno, pois quem tem fome não aprende. Já em relação aos professores, de todos os níveis e segmentos, penso que eles precisão ser valorizados, ter plano de carreira e um salário motivador, aliado ás políticas voltadas à educação, essas questões não podem estar isoladas, pois é esse somatório que resulta em uma educação qualitativa e promissora. ”, ressalta o professor da Praça Silvério da Silva Moron.

 

Fundamentos para a vida

Essa transformação se faz urgente nesse novo ambiente educacional em que as velocidades da propagação da informação caminham lado a lado com as novas metodologias de ensino-aprendizagem. Pois, se essa sinergia não acontece, alguém fica para trás, sendo excluído do direito à educação e ainda de outros, como, por exemplo, o de ser reconhecido como uma pessoa de direitos e não apenas de deveres.

É sabido que nessa curva educacional a escola formal tem o papel de disseminar o conceito de uma educação para a democracia. Mas, frente às vivências diárias, como tratar/falar da violação desses direitos com os alunos sem desestimular a importância desse processo em nosso cotidiano?

“Ser educador é lutar constantemente contra a disseminação de ódio e fake news. Estamos na sala de aula, com alunos que são bombardeados o tempo inteiro por este tipo de conteúdo, seja pelas redes sociais, seja através dos pais. O que podemos fazer é criar meios para contornar isso, incentivando o uso das tecnologias e o compartilhamento de notícias de forma consciente, mostrar e difundir páginas e sites que fazem a checagem destes conteúdos etc. Toda ação é válida para estimular estudantes e responsáveis a se esclarecerem quanto ao mal que é passar adiante esse tipo de notícia”, sintetiza o professor George Mello.

 

Um direito com direitos invioláveis

Para os especialistas, as constantes violações desses direitos criam nas crianças e jovens um desalento, um descrédito quanto a sua eficácia. De acordo com Priscila Cruz, os alunos, sobretudo os das comunidades, vivem a situação de perder garantias legais e sabem, sentem, o que é isso na pele. “Muitos são os pontos nos quais eles não são respeitados. Por isso é importante que conheçam os direitos humanos que devem ser preservados, para que compreendam formas e meios de lutar por eles”, afirma.

Com mais de três décadas em sala de aula, o professor Araújo é categórico em afirmar que o que se escuta nas escolas, quando o assunto é direitos humanos, é o som da total desesperança na mudança. “Ouvimos crianças questionando a veracidade desses direitos por vivenciarem, em suas comunidades, a presença diária do autoritarismo e do desrespeito por parte daqueles que, na vida real, deveriam prover as garantias e a segurança desses jovens e de suas famílias”, relata.

 

Projetos que apontam para uma educação pautada em direitos

Envolvidos e compromissados com uma educação que faça a diferença na vida dos seus alunos, os professores, gestores e atores desse cenário têm buscado novas metodologias para alcançar esse ideal de vivência paralelo a esses direitos.

“É importante aproveitarmos datas e eventos importantes, como períodos eleitorais ou feriados comemorativos, para criar campanhas de conscientização, que podem ser feitas inclusive pelos próprios alunos, incentivando ainda mais para que eles aprendam na prática a importância disso. É necessário este tipo de ação, para, além de despertar este senso crítico, criar uma consciência do coletivo, mostrar a importância de cumprir os deveres e recolher os benefícios dos direitos. Dessa forma se poderia evitar muitos conflitos e problemas futuros que uma notícia falsa pode acarretar em sala de aula. Isso pode ser trabalhado desde uma fofoca entre alunos sobre um coleguinha, até questões maiores, como as ligadas ao governo ou à saúde, aproveitando o momento atual de pandemia”, ressalta George.

Dentro desse movimento a professora Priscila Cruz garante que um tripé se faz necessário neste processo de formação: alunos protagonistas, aprendizagem significativa e autonomia. “Se temos estudantes que leem, temos outros que questionam, que criam possibilidades, que pesquisam e de fato aprendem. O projeto De conto em conto é anual, interdisciplinar e nele são trabalhadas diversas questões. Iniciamos com a leitura de um clássico da literatura brasileira, enquanto os alunos vão traçando pesquisas de temas de interesses que têm a ver tanto com o livro quanto com os conteúdos da BNCC. Nossa! E temos muitas histórias pra contar”, argumenta Priscila que recentemente lançou o livro infantil “Luana, a menina que sabia voar”, cuja temática central aborda a preservação ambiental, o respeito às diferenças, além de promover uma reflexão sobre violência urbana, respeito à vida e o empoderamento feminino.

Como afirma Maria Victoria Benevides, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e membro da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos, “o educador nessa área, ao atuar na escola, sabe que não terá de pronto os resultados no final do ano. O que for ensinado como matéria será completado à medida que o conjunto daquele programa for bem entendido e avaliado pelos alunos. Trata-se de uma educação permanente e global, complexa e difícil, mas não impossível”.

 

Por aqui o tema também foi pauta!

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Ícone das causas humanitárias
Um dos mais importantes sujeitos políticos atuantes contra o processo de discriminação instaurado pelo Apartheid, na África do Sul, Nelson Mandela é, sem dúvida, uma personalidade que precisa ser estudada. Um colégio em Araruama sentiu a necessidade de abordar temas contemporâneos que afetam a vida humana e com isso promoveu um projeto que estimula o respeito às diferenças e o diálogo intercultural entre os alunos.

 

Cadê a igualdade que estava aqui?
É essencial que adultos e educadores compreendam que a criança está sempre em desenvolvimento, e qualquer questão relacionada à igualdade, inclusão ou mesmo preconceito será apreendida positiva ou negativamente. Assim, compete à escola e à família oferecerem instrumentos acadêmicos e cotidianos para que os alunos possam entender mais claramente a forma como a igualdade move a vida de todos nós.

 

Saiba mais sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)

Desde de sua criação, o artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) revela toda a sua relevância educacional, funcionando como eixo para inclusões de dispositivos que visam a proteção e promoção do bem-estar social do indivíduo na busca por justiça e paz independente de sua diversidade.

Criada na década de 1940, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), elaborada por uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU), só começou a vigorar em 1948 numa Assembleia Geral da ONU, sendo composta por cerca de 30 artigos que determinam os direitos básicos que todo ser humano deve possuir, independentemente da raça, religião, posição social, gênero etc.

Redigida a partir de uma contextualização advinda de todo o horror explicitado ao homem, pelo próprio homem, como a Segunda Guerra, o Holocausto e o uso das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, a premissa do DUDH está diretamente ligada à seguridade da vida em todas as suas nuances fundamentais para a continuidade do humano.

Contraditórios em sua teoria e prática, os artigos da Declaração dos Direitos Humanos nasceram e continuam crescendo à sombra de seu maior desafio: fazer-se valer em toda a sua autenticidade. Para tanto, desde a sua criação incontáveis ações vêm sendo realizadas ao longo do planeta Terra, a fim de fortalecer e promover a igualdade plena dos cidadãos, alicerçadas no desafio de viver juntos democraticamente.

 

Sugestões de livros para compreender os Direitos Humanos

Além de todo o conteúdo abordado ao longo da matéria, você pode se aprofundar mais sobre o assunto através de livros sobre a temática. Reunimos algumas sugestões para você, leitor da Revista Appai Educar. Confira!

Direitos humanos e educação libertadora: gestão democrática da educação
Uma reunião de escritos e falas de Paulo Freire, sob um ponto de vista inédito, a experiência do educador como secretário de Educação. Além desses textos, outros escritos por alguns daqueles que compartilharam com ele o sonho de reinventar a escola da rede municipal e democratizar a educação pública de qualidade.

Eu sou Malala
A história de uma família exilada pelo terrorismo global, da luta pelo direito à educação feminina e dos obstáculos à valorização da mulher em uma sociedade que privilegia os homens.
Educação e Direitos Humanos: percepções sobre a escola justa
Apresenta uma pesquisa para articular a discussão sobre a redução/tratamento da violência no ambiente escolar com a temática dos Direitos Humanos, tendo como foco a construção de uma escola justa.

Educação em direitos humanos e formação de professores(as)
O livro analisa as principais dimensões e implicações da integração da Educação em Direitos Humanos nos processos de formação inicial e continuada de professores. Apresenta aspectos teórico-metodológicos e assinala desafios atuais que os educadores estão chamados a enfrentar.

E você, professor, tem alguma sugestão para a nossa equipe ou já desenvolveu um projeto sobre os Direitos Humanos? Envie o material para o e-mail redacao@appai.org.br. Vamos adorar conhecer a forma com que você trabalhou esse assunto tão importante!


Por Antônia Lúcia e Jéssica Almeida
Fontes: Portal MEC, International Approaches in Human Rights
Education, Brasil Escola e Estante Virtual.


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