Ainda tem mais nas entrelinhas e além das linhas? A diversidade étnico-racial


 

No texto de hoje, serão apresentados outros tipos de preconceito e discriminação, relatos sobre como esses julgamentos étnico-raciais são expressos e de que forma pais e professores podem trabalhar em casa e na escola para ajudar as crianças, os jovens e os adultos a pensar um mundo mais humanitário e solidário, em que todos convivam em harmonia e se acolham.

Alguns tipos de preconceito e discriminação

 

O preconceito e a discriminação estão para além da cor da pele. Observe nas imagens a seguir alguns exemplos:

 

Xenofobia é um tipo de preconceito caracterizado pela aversão, hostilidade, repúdio ou ódio aos estrangeiros, que pode estar fundamentado em diversos fatores históricos, culturais, religiosos, dentre outros. Como exemplo, a xenofobia ou racismo emergente nos países europeus contra os imigrantes africanos e árabes.

Skinheads(cabeças raspadas) – movimento formado por jovens de origem operária que surgiu no Reino Unido, ligado ao neonazismo. Há inúmeras derivações, e quem tiver interesse poderá pesquisar e aprofundar o conhecimento.

Antissemitismo é o preconceito ou a hostilidade contra judeus baseados em ódio contra seu histórico étnico, cultural e/ou religioso. Na Segunda Guerra, esse movimento liquidou milhões de judeus e incluiu também ciganos.

Apartheid (1948) – O termo “apartheid” se refere a uma política racial implantada na África do Sul. De acordo com esse regime, a minoria branca, os únicos com direito a voto, detinha todo o poder político e econômico no país, enquanto à imensa maioria negra restava a obrigação de obedecer rigorosamente à legislação separatista.

Os exemplos apresentados servem para demonstrar que o preconceito e a discriminação existem em diferentes formatos e com motivações variadas, porém é certo que a falta de conhecimento genuíno sobre o tema fortalece o preconceito.

O foco de nossa discussão hoje é a problemática étnico-racial, a compreensão de como se expressa na prática e os reflexos disso no nosso cotidiano.

“Se um negro e um judeu se apresentarem na porta de um local onde ambos são indesejados, o judeu poderá entrar, caso não haja suspeita de que ele é judeu, mas o negro será barrado na porta, por causa da geografia de seu corpo”. Exemplo dado pelo filósofo Jean-Paul Sartre, mencionado pelo professor doutor Kabengele Munanga durante uma aula a que assisti.

Relatos sobre como o preconceito e a discriminação étnico-raciais são expressos

Joca (nome fictício adotado para resguardar a identidade da criança), 10 anos, brasileiro

Apresentei ao Joca a imagem de duas crianças, Claudia (negra) e Marta (branca e de olhos claros). Perguntei: Qual é a mais bonita?; Qual é a mais inteligente?; Qual é a mais bondosa? Fiz uma pergunta por vez, dando a ele a oportunidade de refletir.

Para as três perguntas a resposta foi a mesma: a branca.

Então perguntei o porquê de suas respostas, e ele disse: “Eu acho que o ‘preto’ é sempre do mal.”

Elza Soares, 85, cantora

“Eu era uma criança, não tinha nem dez anos, mas já ajudava a minha mãe, que lavava roupa para fora. Como era comum naquela época (início dos anos 1940), não podíamos usar o elevador social dos prédios, só o de serviço. Uma coisa estúpida. Mas naquele dia, que eu nunca esqueci, o elevador de serviço estava dando defeito. Com uma trouxa de roupa nos braços, minha mãe não viu que a cabine estava em outro andar quando abriu a porta e se esborrachou no fosso. Foi uma cena desumana. O porteiro não avisou sobre o defeito e tampouco nos deixou usar o elevador social. Empregados, quase sempre negros, não podiam. Minha mãe se machucou bastante, mas mesmo assim ninguém foi solidário com ela. Teve que sair pelos fundos, para não incomodar os moradores. Só muitos anos depois, já adulta, é que consegui processar essa imagem.”

Frei David Raimundo dos Santos, 63 anos, frade, fundador da ONG Educafro

“Foi quando eu era seminarista no interior de São Paulo. Era 13 de maio de 1966 e os meus colegas de seminário, quase todos descendentes de italianos ou alemães, resolveram homenagear o dia da abolição dos escravos com um almoço. Nós, os poucos negros ou pardos da turma, fomos convidados a sentar na mesa central do refeitório, decorada com as palavras ‘Navio Negreiro’. Quando vi aquilo me recusei e sentei numa mesa lateral, com todos os outros colegas. Pois os organizadores daquilo me pegaram à força, me arrastaram e me fizeram sentar na marra junto aos outros negros, no que considerei uma ofensa gravíssima. Arrumei as malas para ir embora, mas fui convencido a ficar pelo padre do local. Ele me recomendou que deixasse o ódio passar e que tomasse aquele episódio como bandeira de luta para um mundo melhor. E, de fato, aquele episódio alterou radicalmente a direção da minha vida. Foi a partir de então que tirei a foto do meu pai, que era negro, do fundo da minha mala e coloquei-a ao lado da fotografia da minha mãe, branca, com os meus objetos pessoais.”

De que forma os pais e professores podem trabalhar em casa e na sala de aula?

Pais e professores precisam, em primeiro lugar, revisar os próprios conceitos, compreender se, até mesmo de forma inconsciente, há “pré”-conceito arraigado. Se a resposta para isso for afirmativa, é preciso buscar mais informações sobre o tema e criar uma boa base para situar seus conceitos e seu conhecimento. E é exatamente nesse ponto que uma teoria razoável precisa ser apresentada para que haja, inclusive, coerência ao orientar os alunos quanto a essa questão a ser desmistificada. Que teoria indicamos para explicar a diversidade humana para crianças, jovens e adultos?

A resposta foi dada pelo professor doutor Kabengele Munanga, que indica a teoria da seleção natural (Darwin). Ela explica que os organismos vivos evoluíram gradativamente a partir de uma origem comum e se diversificaram no tempo e no espaço, adaptando-se aos meios ambientes hostis, que também estavam em transformação. Assim, as diversificações e sobrevivência da espécie ocorreram influenciadas por fatores genéticos (menor percentual), mas também e muito fortemente pelas diferentes temperaturas, umidade, solo, radiação, pressão, todos os fatores ambientais, incluindo também outros aspectos, tais como: predadores da espécie, fontes de alimentos e por aí a fora.

Estudos e pesquisas confirmam que os primeiros seres humanos evoluíram em ambientes com muita concentração de raios UV na África Equatorial, isso há dois milhões de anos. Esses humanos tinham pele rica em melanina, cujas principais funções são a pigmentação e a proteção contra a radiação solar. Deles somos todos herdeiros, sendo essa nossa origem comum.

Acontece que migramos “n” vezes, e alguns de nossos antepassados viveram em lugares cujas condições ambientais eram mais frias (com menor concentração de UV), diferente do clima na África Equatorial, portanto não potencializaram a melanina. Como consequência (de forma simplificada), perderam um tanto da concentração da pigmentação.

Assim, sem classificações complicadas e preconceituosas, compreendemos e explicamos a diversidade étnico-racial. Compreendendo que não há inferioridade ou superioridade entre as etnias, devemos trabalhar com as crianças, os jovens e os adultos, em casa ou na escola, que o respeito e o acolhimento entre as pessoas marca uma qualidade fundamental entre os seres humanos, e é esse valor que nos aproxima, nos torna humanitários e dignos desse presente que é viver.

Diga não à discriminação étnico-racial e a qualquer outro tipo de discriminação. Pais, professores, educadores e cidadãos, precisamos lutar contra o que nos foi incutido, contra aquilo que está além das linhas.

 *Depoimentos de Elza Soares e de Frei David disponíveis em: www.educafro.org.br/site/relatos-de-racismo.


Por Andréa Schoch | Mestre em educação, especializada em formação de professores e consultora Appai por meio da EAD.


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