A poética da natureza (Meio Ambiente)


As nuvens de umidade liberadas pela floresta formam os rios voadores.
As nuvens de umidade liberadas pela floresta formam os rios voadores.

Com a ascensão das questões referentes ao meio ambiente nas últimas décadas, passaram a ser conhecidas muitas terminologias que antes eram usadas apenas por quem possuía conhecimentos acadêmicos sobre o tema. Algumas delas, como sustentabilidade, aquecimento global e camada de ozônio, hoje praticamente fazem parte de um domínio público, principalmente porque esses termos são hoje largamente abordados no sistema educacional pelo mundo a fora.

Um dos indicativos de que terminologias “caíram no gosto” da população é o fato de elas servirem para expressar conceitos complexos, que são apresentados de modo a que a maior parte das pessoas possa compreender, mesmo sem dispor conhecimentos específicos. O vocabulário das questões ambientais e tecnológicas está atualmente repleto delas, às vezes de forma bastante poética e lúdica.

Uma desses conceitos é o de “florestas zumbis” e está relacionado a algo que infelizmente vem causando muitos problemas ao meio ambiente. Trata-se do que acontece em certas áreas verdes que, depois de desmatadas (ou desmadeiradas), passam por um aparente processo de recuperação. A intensa atividade extrativista deixa de ocorrer, seja por esgotamento dos recursos ou por ação do estado ou de organismos aplicados em combater os abusos contra os bens naturais.

Depois de alguns anos a aparência daquela floresta sugere a recuperação do ecossistema, com o tapete verde voltando a se estender e as frondes das árvores tornando a surgir, viçosas e radiantes. No entanto, os prejuízos causados ao longo de décadas de exploração desenfreada ainda persistem através de uma realidade que pouco aparece aos olhares de superfície.

São solos destruídos por queimadas, cursos d’água que não ressuscitaram, espécies locais que se perderam até sabe-se lá quando. Uma floresta que é na aparência aquilo que está muito longe de voltar a ser no que se refere a suas maiores riquezas: vida, fertilidade, diversidade. Está viva e ao mesmo tempo já morreu!

Outro conceito interessante é o de “Amazônia Azul”. Nesse caso a poética fica a cargo da Marinha do Brasil, a quem cabe fiscalizar a enorme faixa do Oceano Atlântico que se situa na costa leste do país. Ao contrário do que normalmente se pensa, as “terras” brasileiras não se detêm nos muitos pontos do nosso vastíssimo (e belíssimo) litoral. Elas prosseguem mar a dentro, em diferentes níveis de inclinação, até um limite máximo de 350 milhas, “a contar da linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial”, segundo informa a Marinha. Isso corresponde a uma extensão de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente à superfície da Floresta Amazônica, que por sua vez compreende mais da metade do “continente” brasileiro.

Se olharmos pelo lado das possibilidades de exploração econômica, a Amazônia Azul nada deve a sua congênere verde. Apesar de não haver ainda uma estimativa detalhada da presença dos recursos minerais no fundo do oceano brasileiro, as expectativas são de que haja ali muita riqueza a ser extraída em recursos minerais, isso somado ao que já se conhece de lucros obtidos com outros usos das águas nacionais com atividades como o turismo e a pesca.

Mas assim como ocorre na Amazônia, a grande riqueza a ser conhecida (e, espera-se, protegida) é a da exuberante vida que ali se desenvolve através da fauna e da flora marítimas. Além disso, a gigantesca faixa de mar sob nossa responsabilidade representa em termos globais uma substancial contribuição para a vida tal qual nós conhecemos, já que a atuação dos oceanos é fundamental para controlar o clima e a temperatura média do planeta, capturar o CO2 da atmosfera – participando assim do ciclo do carbono – e garantir a sobrevivência de todas as formas de vida.

Por fim, um outro termo tão poético quanto complexo: os “rios voadores”. Não se trata de nenhuma imagem mágica de uma obra de Saramago ou García Marquez. No máximo, de uma prosopopeia (figura de linguagem em que são atribuídas qualidades ou atitudes a seres inanimados, objetos, fenômenos da natureza etc.). Se refere na verdade à existência de “cursos d’água invisíveis”, que circulam pela atmosfera gerados pela atividade de áreas florestais muito intensas como as que ocorrem na Floresta Amazônica.

Nesse fenômeno, as árvores da mata liberam de volta para a atmosfera as águas das chuvas através da “evapotranspiração”, uma espécie de “suor vegetal” que espalha umidade dando origem a novas precipitações. Trata-se de algo tão importante para o equilíbrio planetário, que está relacionado à formação das nascentes que formam os principais cursos d’água do continente sul-americano. E não para por aí. Na verdade, todo o clima global é afetado, inclusive o regime das chuvas em outros lugares muito distantes da região amazônica.

Estima-se que uma quantidade de água equivalente à do maior rio do mundo, o Amazonas, fique vagando pelos céus do Brasil, alimentando a vida e os seres de um modo geral. Por isso é importante impor limites à fronteira agrícola do país, para que a grande floresta não deixe de realizar a sua tarefa, por si só poética, independente dos nomes criativos empregados pelos seres humanos.

Leia também: “Humano, popular e profano: como foi construída a universalidade do teatro”.


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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