O surgimento da imprensa no Brasil

O surgimento da imprensa no Brasil
“A liberdade guiando o povo” (1830), de Eugène Delacroix.

O surgimento da imprensa no Brasil tem início com a insólita situação de seu primeiro veículo de informação ser editado muito longe daqui, na Inglaterra. Os dados históricos, porém, ajudam a desfazer o espanto inicial. Tudo começa em torno da figura do jovem Hipólito da Costa, nascido na colônia de Sacramento, atualmente pertencente ao Uruguai, mas à época (1774) uma possessão de Portugal, que muito jovem vai para a Europa para se dedicar aos estudos. Em Coimbra forma-se em direito e filosofia, mas, seguindo o percurso comum para intelectuais da época, torna-se também conhecedor de outros campos do saber, como a botânica, a física e a mineralogia.
 
Depois de formado permanece na então metrópole e logo recebe o convite para viajar a serviço do estado, chegando assim ao México e aos Estados Unidos. Neste último tem uma primeira experiência de choque cultural que, no entanto, seria fundamental para sua formação como intelectual. Como deixaria registrado em um escrito sobre o tempo que passou na América do Norte, Hipólito teria ali seus primeiros contatos com as ideias liberais e com vários assuntos a elas correlatos, como o sistema bancário e a liberdade de culto e de imprensa.
 
Também passaria por uma outra experiência que seria fundamental em sua vida: conhece e entra para a maçonaria, que seria a causa de sua prisão quando, pouco depois de voltar à Europa, é nomeado para trabalhar para a Imprensa Real e, em missão, vai para Londres. Nos três anos em que ficaria encarcerado pela Santa Inquisição, acusado de difundir a causa maçônica, Hipólito se dedicaria a importantes reflexões e produziria muitos textos, nos quais se destacam as posições críticas à visão de mundo mantida em Portugal, que considera em situação de flagrante atraso em relação ao resto da Europa.
 
É quando, em 1805, consegue sair da prisão, com o auxílio de influentes irmãos de maçonaria, que Hipólito inicia o trabalho que marcaria a sua importância para os destinos de sua terra natal. Com a invasão de Napoleão a Portugal em 1807, muitos lusitanos foram viver na Inglaterra, o que lhe fez perceber a oportunidade de editar um periódico em língua portuguesa, aproveitando o contexto de total liberdade de informação que havia nesse país. Dessa forma, era fundado em 1808 o “Correio Braziliense”, que circularia de forma semestral até 1822, aos poucos se firmando como um dos mais importantes espaços de discussão de temas que seriam fundamentais para as transformações que o Brasil experimentaria pelos anos seguintes.
 
Uma das temáticas que passaram a frequentar os números iniciais do jornal foram as muitas críticas direcionadas à administração portuguesa, questões que se relacionavam diretamente com o Brasil, à época pertencente ao domínio português. Do atraso político à ausência de espírito de liberdade do pensamento, passando pela importância exagerada que a religião ainda possuía, o “Correio Braziliense” seria desde cedo uma tribuna aberta a contestadores da condução política de Portugal, bem como a outras causas relevantes num mundo que se debatia entre algumas questões que apontavam para grandes transformações. Talvez a mais importante delas fosse o percurso de independência das nações americanas do jugo do colonizador espanhol, processo que avança de forma muito intensa naqueles primeiros anos do século XIX. Hipólito seria não só um dos mais assíduos interlocutores de nomes importantes, como Simón Bolívar, o “libertador” da América, e seu predecessor Francisco de Miranda, como também as páginas do “Correio Braziliense” estariam sempre abertas para divulgar o pensamento dos que propunham a autonomia das até então colônias ibéricas.
 
O periódico fundado por Hipólito era publicado em formato de livro e trazia como subtítulo a inscrição “Armazém Literário”, já sugerindo sua predileção por um conteúdo mais crítico e analítico em detrimento do caráter noticioso. Em alguns pontos demonstrava um jornalismo muito avançado em relação a periódicos correlatos em outros países. Por exemplo, seria um dos primeiros a apresentar uma divisão por temas, antecipando o ainda atual sistema de editorias. Mesmo com apenas duas edições anuais e não contando com mais de 500 assinantes, a publicação seria sempre caracterizada por ser um espaço de veiculação de grandes ideias, principalmente aquelas voltadas para a elevação da situação do Brasil, motivo pelo qual por suas páginas seriam debatidos e defendidos temas altamente relevantes, como a Independência, a abolição da escravidão e a interiorização da capital.
 
Estudiosos da vida e da obra de Hipólito da Costa, como a historiadora Isabel Lustosa, o situam como membro de um grupo de intelectuais do século XIX que pensavam o Brasil como uma grande nação. Inicialmente como parte de um império luso-brasileiro – fora sempre um partidário da monarquia –, mas depois não hesitando em aderir à causa da independência, quando percebeu, a exemplo de figuras como José Bonifácio, que o pouco dinamismo da mentalidade política portuguesa inviabilizaria um projeto que permitisse que reformas modernizadoras chegassem ao Brasil. Mesmo depois da autonomia, não deixaria de abrir as páginas do “Correio Braziliense” para denunciar os abusos autoritários e centralizadores que marcaram os primeiros anos sob governo de D. Pedro I e mostrava-se também preocupado com a manutenção da unidade brasileira.
 
Mesmo vivendo muito tempo longe do Brasil, Hipólito dedicaria 14 anos de intensa produção jornalística e intelectual sobre o país, sendo capaz, mesmo a distância, de influenciar e formar opinião entre as cabeças pensantes da nação. Em vários de seus escritos demonstrou o desejo de voltar a sua terra natal e viver na mesma região em que passara sua infância, na atual cidade gaúcha de Pelotas, para onde sua família se mudara quando a colônia de Sacramento passara a pertencer aos domínios da Espanha após o tratado de Santo Idelfonso, assinado em 1777. Morreria em 1823, aos 49 anos, sem realizar o seu desejo de voltar ao Brasil, no qual viveria apenas 18 anos de sua vida.
 
Quando da fundação da nova (e interiorizada) capital do país, Brasília, em 1960, foi publicado o primeiro número do periódico que trazia o mesmo nome do que tinha sido fundado por Hipólito, inclusive preservando a grafia original, com a letra “z”. A marca tinha sido adquirida por Assis Chateaubriand, o grande magnata da comunicação de massa do Brasil de então, e em sua primeira página fazia o reconhecimento ao pioneirismo do fundador, ao estampar a inscrição “Londres, 1808, Hipólito José da Costa”. Em 2000, por iniciativa do Congresso Nacional, o intelectual passava a ser oficialmente considerado o patrono da imprensa no Brasil, e o dia 1º de junho, data em que o “Correio Braziliense” fora fundado na capital britânica, passou a ser celebrado como o Dia Nacional da Imprensa.
 
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