Salve a nossa bandeira, respeite o nosso pavilhão
Valorizando o samba, o território e os saberes afro-brasileiros na Educação Infantil
A bandeira não é apenas um pedaço de tecido colorido preso a um mastro. Ela é um símbolo vivo de pertencimento e memória. Representa a alma de um povo, a trajetória de uma nação, a paixão de uma torcida, o orgulho de uma escola de samba, a identidade de uma comunidade. Quando hasteada, uma bandeira fala sem palavras. Ela celebra conquistas, preserva histórias, reúne sonhos e afirma valores.
Nas escolas de samba, o pavilhão é reverenciado com tanta devoção quanto um símbolo de profundo respeito coletivo. É conduzido com elegância pelo casal de mestre-sala e porta-bandeira, que o protege e o exibe como um tesouro da comunidade. Em ambientes educativos, a bandeira pode se transformar em ponto de partida para diálogos significativos sobre cultura, cidadania, diversidade e respeito às raízes.
Foi com essa compreensão da potência simbólica e educativa que uma bandeira carrega que nasceu o projeto Salve a nossa bandeira, respeite o nosso pavilhão, idealizado pela professora Viviane Penha Prado dos Santos, no Espaço de Desenvolvimento Infantil Pedro Moacyr, no Rio de Janeiro. O projeto promoveu a valorização da cultura afro-brasileira, a integração entre escola e comunidade e a aplicação efetiva da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira na educação básica.
Samba, território e educação antirracista
A inspiração para o projeto veio do território geográfico. Ao lado do EDI Pedro Moacyr está localizada a quadra da tradicional escola de samba Unidos de Padre Miguel, presença marcante no cotidiano das crianças. Viviane, pedagoga e educadora, enxergou nesse contexto uma oportunidade de conexão com os saberes ancestrais e com os valores que fundamentam a cultura afro-brasileira. “Entendo o samba como um espaço potente de transmissão de saberes pautados nos valores afro-brasileiros para a Educação Infantil, conforme propõe a professora Azoilda Trindade”, afirma a educadora.
O projeto envolveu todas as 16 turmas do EDI, com destaque para a EI-48, que realizou etapas específicas. Entre os principais objetivos estavam o de ampliar o conhecimento sobre a cultura afro-brasileira, valorizar o território e os saberes da comunidade, promover o diálogo com as famílias e reconhecer o samba como patrimônio cultural e educativo. “Como foi realizado na Educação Infantil, o projeto percorreu os seguintes campos de experiência: O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Escuta, fala, pensamento e imaginação e Traços, sons, cores e formas,” esclarece Viviane.
A bandeira como símbolo de identidade
As atividades foram construídas a partir da observação do bairro e da presença do samba na vida das crianças. Os professores elaboraram um pavilhão coletivo da unidade escolar e, em seguida, cada turma criou seu próprio pavilhão. A escola também firmou uma parceria com o Departamento Social da Unidos de Padre Miguel, que acompanhou o projeto durante todo o período de aplicação.
Foram realizadas oficinas sobre o simbolismo das bandeiras, além de ações de integração do samba na rotina escolar. A turma EI-48 desenvolveu um projeto específico a partir do vídeo “Trem do Samba”, em parceria com a professora regente Vanessa Prado e o professor de Literatura nas Infâncias Felipe Silva. A proposta resultou em uma aula-passeio até a Estação Ferroviária de Deodoro, reforçando o vínculo das crianças com o território e a mobilidade urbana.
Arte, cultura e reconhecimento
O projeto também promoveu ações de arte urbana, como a execução de um grafite no muro externo da escola, com o logo do enredo da Unidos de Padre Miguel para 2025, feito pelo próprio professor de Literatura e grafiteiro Felipe Silva. Como reconhecimento, o projeto foi vencedor na categoria “Desenho” do Prêmio Comdedine 2025, e os professores receberam uma menção honrosa pelo plano coletivo de aula.
A culminância: o samba dentro da escola
A culminância do projeto foi um momento de grande emoção e aprendizagem coletiva. A comunidade escolar recebeu, com entusiasmo, os segmentos da Unidos de Padre Miguel: o casal de mestre-sala e porta-bandeira apresentou o pavilhão oficial da escola de samba, e a bateria, acompanhada de passistas e baianas, tomou o espaço com cadência e alegria. “As crianças ficaram encantadas. Era a ancestralidade entrando pela porta da escola, sendo reverenciada e reconhecida como parte do nosso fazer pedagógico”, relembra Viviane.
Educação com identidade e memória
Além da participação direta no desenvolvimento da atividade do “Trem do Samba”, a professora Vanessa Prado, regente da EI-48, compartilhou como o projeto Salve a nossa bandeira, respeite o nosso pavilhão, fortaleceu o sentimento de pertencimento nas crianças. “Elas cantavam os sambas da comunidade, especialmente o da Unidos de Padre Miguel, “O boi vermelho”, que se tornou uma espécie de identidade. A partir da leitura do livro “Da Minha Janela”, de Otávio Júnior, incentivamos as crianças a observarem seu entorno e a registrarem o que viam. “As famílias enviaram fotos da infância das crianças, que viraram pequenos livros de memória compartilhada”, conta ela emocionada, lembrando também da visita pelo território que os levou à estação de Padre Miguel com destino a Deodoro, onde as crianças interagiram com os passageiros e distribuíram o Sonhocard, um cartão de passagem colorido por elas. De volta, receberam mensagens de afeto.
O professor Felipe Silva, por sua vez, destacou a potência do projeto em sua formação como educador e artista. “Eu participei em dois momentos: a aula-passeio a partir da construção do Sonhocard e a feitura de um grafite no muro do EDI.
A ocasião da visita à estação de trem foi muito significativa e marcante por fazer parte da entrega dos “sonhos” aos usuários desse meio de transporte fundamental para a população periférica e pelo compartilhamento com as famílias. Sou um grafiteiro que trabalha com a técnica do stêncil e construí a pintura do logo do enredo de 2025 como marco do projeto. Foi um dia muito feliz ao ver a escola de samba dentro das escolas, ver a felicidade das crianças e o cotidiano sendo acolhido pelo ensino formal”, revela.
Um projeto que transforma
Salve a nossa bandeira, respeite o nosso pavilhão é um exemplo de como é possível transformar símbolos culturais em ferramentas pedagógicas de grande impacto. Mais do que saber mais sobre o samba, as crianças aprenderam a reconhecer a si mesmas, suas histórias, seus territórios e suas raízes. Um trabalho que honra a potência da educação infantil e reafirma que a escola também é lugar de memória, de identidade e, sobretudo, de pertencimento.
Por Antônia Figueiredo
Espaço de Desenvolvimento Infantil Pedro Moacyr
Rua F Iapi, 102 – Padre Miguel – Rio de Janeiro/RJ
CEP: 21875-220
Telefone do EDI: (21) 3333-1158
Professora idealizadora do Projeto: Viviane Penha Prado dos Santos
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