Docência e formação continuada podem caminhar separadas?

Saiba como articular estratégias metodológicas para construir seu material didático atualizado


Num primeiro momento a resposta parece simples e direta. Entretanto, no mundo atual a informação e o conhecimento são compartilhados de maneira muito rápida, em grande volume e diversas vezes quase que instantaneamente. Por isso, se manter atualizado é requisito indispensável para qualquer profissional. Mas é importante ressaltar que a informação só se torna conhecimento de fato quando é associada a algum sentido. Isso significa que cabe à escola possibilitar a construção do conhecimento dos alunos, já que os livros e a internet, por exemplo, disponibilizam apenas informações.

Por isso, a formação continuada de professores tem muito a oferecer nesse processo, pois ajuda a melhorar cada vez mais suas práticas pedagógicas e com isso apoiar os alunos na construção de conhecimentos e não apenas no acúmulo de informações. Essa formação tem sido entendida hoje como um processo permanente e constante de aperfeiçoamento dos saberes necessários à atividade dos educadores. Geralmente é realizada após a formação inicial e tem como objetivo assegurar um ensino de qualidade cada vez maior aos alunos.

Para o professor e Mestre em Ciências Jurídicas e Empresariais Ricardo Soares, a docência e a formação continuada são inseparáveis e caminham de mãos dadas. “Aquele que ensina é o referencial em que o educando se espelha para o seu desenvolvimento, e o discurso do docente sobre a formação continuada serve de inspiração, mas o que realmente arrasta o estudante nesta jornada que deve ser uma história sem fim é o exemplo”, explica.

Ao falar sobre o tema, a professora e mestranda Priscila Cruz lembra Paulo Freire, que chama a atenção da comunidade escolar para a dodiscência, que é justamente a questão de aprender e ensinar como uma via de mão dupla entre essas duas práticas. “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”, pontua Freire. De acordo com Priscila a formação continuada está presente no dia a dia do trabalho docente.

“A cada projeto pensado com e para os estudantes, a cada troca com os pares sobre as experiências de ensino, a cada estudo e leitura que se acrescentam na formação do professor e que dialogam com sua prática. Ou seja, ser professor é estar em constante qualificação. É estar movendo todos os saberes da formação docente desde a formação acadêmica ao dia a dia da prática do professor. Valorizar tudo isso como formação continuada é compreender que a escola é um espaço de formação constante, tanto para o docente quanto para o discente”, assegura Cruz.

 

A importância da formação continuada no processo de desenvolvimento profissional

Mais do que nunca, o educador deve se manter atualizado e bem informado não apenas em relação aos fatos e acontecimentos, mas, principalmente, no que tange à evolução das práticas pedagógicas e às novas tendências educacionais. A formação continuada tem muito a contribuir nesse processo, uma vez que permite que o professor agregue conhecimento capaz de gerar transformação e impacto nos contextos profissional e escolar.

Quando o docente busca se aprimorar, ele abre caminho para novas práticas educacionais e com isso dá um novo significado ao espaço escolar. O educador que busca a evolução constante das suas competências desenvolve, por exemplo, didáticas de aulas mais dinâmicas na transmissão do conteúdo das disciplinas e um maior engajamento dos alunos em atividades de aprendizagem. Além de ter mais facilidade em detectar as dificuldades dos estudantes e de construir novas estratégias para contorná-las.

Ricardo Sores ressalta que num ambiente instável e mutável, onde uma avalanche de informações nos é lançada todos os dias, o conhecimento sofre uma obsolescência muito rápida. “Mais do que saber, precisamos aprender a desaprender e reaprender todo o tempo. Repetir conceitos embolorados como mantras eternos distancia o docente dos educandos na mesma proporção que o afasta da realidade. A contrário disso, profissional da docência precisa usar a formação continuada como uma maneira de estreitar as relações com os educandos e com o próprio mundo”, pontua o especialista.

 

Os desafios da formação continuada

Falta de tempo para realizar as atividades propostas, dificuldade em estabelecer vínculos com a família e a escola, diversidade dos alunos na sala de aula, falta de apoio da gestão escolar frente às demandas constantes e infraestrutura defasada são alguns dos obstáculos encontrados por muitos educadores no processo de capacitação. Para Ricardo Soares, o maior desafio certamente está na ruptura do status quo, do entendimento de que a escola deve formar o cidadão e o profissional de agora e do futuro, onde novas práticas, ferramentas e tecnologias devem ser incorporadas ao ambiente educacional.

De acordo com o especialista, o desafio deve envolver as escolas, professores, alunos, família, comunidade e demais partes interessadas num processo de construção do conhecimento que seja significativo para sua adequada inserção na sociedade e no mundo do trabalho. “Uma proposta pedagógica significativa e inovadora em que, principalmente, os educadores e educandos caminhem de mãos dadas numa proposição de educação inclusiva, continuada e que promova uma criação real de valor”, explica Ricardo.

 

Formação continuada compõe-se apenas de cursos de curta duração, simpósios e reuniões?

Para o especialista, os cursos de curta duração, os simpósios e as reuniões têm um papel importante e que contribuem sim para a formação continuada do educador, porém ela não se resume a isso. “É importante investir em uma qualificação mais sólida como programas de MBAs, de mestrado e de doutorado para que a evolução na carreira docente ganhe maior expressão, exposição e robustez! Cada vez que, de forma continuada, nos aprofundamos em nossos estudos, enxergamos o quanto limitado é o nosso conhecimento e a vastidão que abrange a nossa ignorância! Quando estaremos prontos? Espero que nunca! E podemos fazer dessa esperança a motivação para que estejamos comprometidos numa jornada de educação continuada”, destaca Ricardo.

 

Aprendizagens diferentes

Aparentemente quando falamos de docência temos a inclinação de pensar que a formação é igual em todo canto do mundo. Podemos até dizer que no que se refere à base do conteúdo teórico acadêmico, sim, mas não podemos esquecer da entrada de um elemento que pode mudar completamente a forma como a docência se apresenta e se mantém. Entre esses fatores, destacam-se a cultura de cada país e seus hábitos.

Essa diversidade impacta diretamente os resultados na aprendizagem dos alunos. É o que explica Priscila Cruz. “Em cada situação temos uma demanda diferente. A docência precisa dialogar com esta realidade. Temos cenários variados e alunos com processos de aprendizagem diferentes, e compreender isso é direcionar a educação para atender as demandas necessárias para um ensino de qualidade”, frisa Priscila.

 

Atualização: um processo contínuo

Sabemos que a formação continuada não se esgota somente em um curso de atualização, mas deve ser encarada como um processo constante e contínuo. No entanto, observa-se que, para muitos professores, isso se dá geralmente com cursinhos de curta duração, simpósios, reuniões.

Para a professora Priscila os mecanismos de ensino continuado sempre servirão tanto para o professor como para os alunos. “Ao participar de cursos, simpósios, congressos de educação, entre outras coisas, o docente pode levar para a sala de aula esta formação para atender as demandas do cotidiano da escola, dos alunos e também refletir sobre a própria prática docente. Por exemplo, há cinco anos criei o projeto De conto em conto, que acontece na Escola Municipal D João VI, em Higienópolis. É uma atividade de ensino interdisciplinar que incentiva a leitura dos estudantes e que tem várias turmas envolvidas. Então, a cada ano de edição do projeto a gente aprende muito, alunos e professores evoluindo no dia a dia dos trabalhos, além da troca de experiências de ensino entre os próprios docentes”, ressalta Priscila Cruz.

 

Priscila é idealizadora do Projeto De Conto em Conto

 

Quando o ambiente externo ensina

“O meio e os agentes externos têm seu papel na contribuição da formação docente e discente”, garante Cruz. “Aprendemos muito com essa qualificação fora da escola, pois enriquece a nossa prática docente e permite fazermos uma reflexão constante sobre as demandas do espaço escolar e adequar as propostas de ensino de acordo com elas”, pontua a idealizadora do projeto De conto em conto demonstrando o quanto trabalhar com essa proposta tem sido uma experiência formadora e gratificante.

“Compartilhar o que acontece na sala de aula com os pares também é formação continuada. E os projetos que nascem no ‘chão da escola’, como o De conto em conto, que surgiu de acordo com a demanda dos alunos em melhorar a interpretação, leitura e escrita, são trabalhos que instigam a autonomia dos estudantes e professores na medida em que eles criam, pesquisam e trilham caminhos formativos diversos. Foi gratificante ver os alunos lendo pelos corredores da escola, compartilhando sobre os livros, pedindo outros na biblioteca para ler em casa… Se o objetivo do projeto era despertar o gosto pela leitura – e era –, ficamos felizes em saber que ele foi alcançado, pois isso era visível de diversas formas. Uma atividade criada com e para os estudantes de acordo com suas demandas. Deu e está dando certo”, avalia Priscila.

 

Formação continuada através das secretarias de educação

Os maiores incentivadores para continuar formando os professores certamente são as secretarias de educação municipal e estadual. A partir delas, estratégias são formadas de acordo com as necessidades de cada unidade escolar e alunos. O melhor, são cursos totalmente gratuitos vinculados ao Ministério da Educação (MEC).

A Formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, por exemplo, é um curso presencial de 2 anos para os professores alfabetizadores, com carga horária de 120 horas por ano. A metodologia propõe estudos e atividades práticas. Os encontros com os professores alfabetizadores são conduzidos por orientadores de estudo. Estes são docentes das redes, que estão fazendo um curso específico, com 200 horas de duração por ano, em universidades públicas.

Essa iniciativa é desenvolvida através de ações que contribuem para o debate acerca dos direitos de aprendizagem das crianças do ciclo de alfabetização, processos de avaliação e acompanhamento do ensino, com alto planejamento e análise das situações didáticas e o uso dos materiais distribuídos pelo MEC, voltados para a melhoria da qualidade escolar no ciclo de alfabetização.

Tem também o ProInfantil, um curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal que é destinado aos profissionais que atuam em sala de aula da educação infantil, nas creches e pré-escolas das redes públicas e privada, sem fins lucrativos, que não possuem a formação específica para o magistério.

Para os níveis posteriores, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) é a melhor escolha. O projeto induz e fomenta a oferta de educação superior, gratuita e de qualidade, para docentes em exercício na rede pública de educação básica, para que estes profissionais possam obter a formação exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e contribuam para a melhoria da qualidade do ensino básico no país.

Já o Pró-letramento é um programa de formação continuada de professores para a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática nos anos/séries iniciais do Ensino Fundamental. O programa é realizado em parceria com universidades que integram a Rede Nacional de Formação Continuada e com adesão dos estados e municípios.

Além deles, tem o Gestar II, um programa de gestão da aprendizagem escolar que oferece formação continuada em língua portuguesa e matemática aos professores dos anos finais (do sexto ao nono ano) do Ensino Fundamental em exercício nas escolas públicas. A qualificação contém carga horária de 300 horas, sendo 120 presenciais e 180 a distância (estudos individuais) para cada área temática. O projeto inclui discussões sobre questões prático-teóricas e busca contribuir para o aperfeiçoamento da autonomia do professor em sala de aula.

Para ter acesso aos cursos, digite: portal.mec.gov.br/formacao e solicite a adesão com a sua direção escolar.

 

Volta Redonda capacita professores, supervisores e orientadores

No início desse ano, quando os professores retornaram ao módulo presencial, a Secretaria de Educação de Volta Redonda realizou uma série de capacitações para eles, bem como para supervisores e orientadores da rede de ensino do município. A maratona de formação continuada teve por objetivo garantir um trabalho de excelência dentro e fora das salas de aula e manter os profissionais da educação atualizados.

De forma abrangente, eles tiveram encontros diários no auditório da secretaria e contaram com a presença de professores a partir do 3° ano de escolaridade, para os quais foi promovida uma aula inaugural do curso “Volta Redonda de volta ao ensino presencial”, e uma palestra com o tema “Como incentivar os alunos a recuperar o conteúdo perdido”.

De acordo com a secretária municipal de Educação Renata Andrade, a formação continuada é um meio de criar uma dinâmica de troca de experiências, onde se aprende e discute, contribuindo-se assim para a geração de um ambiente de confiança e aprendizado para nossos alunos.

Para a professora Laís Barbosa, que leciona português no Ensino Fundamental II, o projeto atualizou a forma de lidar com a volta presencial. “Quando entramos na pandemia nos obrigamos a aprender de uma hora pra outra e a lidar com a tecnologia de forma remota. Lembrando que nós não tínhamos nenhuma experiência com esse tipo de módulo. Aprendemos na garra. Apesar de toda a vida termos tido aulas presenciais, o retorno precisou ser diferente. Então essa capacitação veio a calhar, pois ainda estamos enfrentando uma adaptação, seja de aluno que perdeu boa parte dos conteúdos por não ter acesso à internet, seja por outros que não conseguiram se adaptar a esse módulo. Agora retornamos cientes de que os estudantes precisam do nosso apoio para conseguirem avançar nos estudos com qualidade e recuperarem o tempo que por ventura perderam”, enfatiza a professora.

De acordo com a SME de Volta Redonda, o projeto de formação continuada é um meio de criar uma dinâmica de troca de experiências entre os colaboradores das instituições educacionais do município

 

A formação continuada está aqui!

De acordo com a especialista Priscila Cruz, tem muitos professores da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro fazendo trabalhos belíssimos e que dialogam com a realidade de seus alunos. “Não é necessário ir em outro país buscar uma prática de lá e tentar encaixar aqui. É preciso olhar para o que está acontecendo nas escolas, o que os educadores estão fazendo, trazer essas práticas para discussões e formação continuada do grupo de professores da rede. Esse é um processo formador e que precisa ser valorizado pelo sistema de ensino. Lindas práticas aparecerão. É preciso democratizá-las para que outros professores tenham acesso e compartilhem também as suas em um processo formador e constante”, garante Priscila.

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Por Antônia Lúcia, Jéssica Almeida e Richard Günter
Ricardo Soares
é doutorando em Educação, mestre em Ciências Jurídicas e Empresariais e professor universitário. Possui mais de 20 anos de experiência em consultoria em estratégia e desenvolvimento gerencial. Contato: rbsoares2000@gmail.com / @ricardoabsoares.
Priscila Cruz é formada em Pedagogia pela FE/UFRJ, mestranda no PPGEB – CAp/Uerj, possui especialização em Gestão dos Processos Educativos na Escola – Administração e Supervisão Escolar pela Uerj/FEBF. É também professora e idealizadora do projeto de leitura De conto em conto. Autora dos livros “Ouvi chover poesias” e “Luana, a menina que sabia voar”. Contato: priscilagcruz@yahoo.com.br
Fotos: Banco de imagens gratuitas do Freepik.
Fontes: Portal MEC e Somos Par.
Imagens: https://url.gratis/FGKG2I

 


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