O impacto da Neuroeducação

Saiba como aplicar a ciência da aprendizagem no desenvolvimento dos seus alunos através da memória e da emoção


Neuroeducação! Com certeza você já ouviu essa palavra durante sua vida acadêmica e das duas uma: ou você se apaixonou por esse campo interdisciplinar e quis aprender maism, ou não deu a mínima por achar muito complexo ou complicado. Por isso, a Revista Appai Educar veio desmistificar essa ideia e mostrar a importância da Neuroeducação quando utilizada em sala de aula de maneira eficaz. Quer saber como? Então vamos juntos mergulhar nesse mundo e entender como aplicar esse estudo no seu dia a dia como educador!

Para isso, conversamos com a especialista em Neuroeducação, pedagoga e professora, Maura Reis, que atua nos anos iniciais do Ensino Fundamental e, durante a pandemia, utilizou as técnicas da Neuroeducação para alfabetizar uma menina com déficit de atenção. Isso mesmo! Apesar de todas as limitações relacionadas ao ensino remoto, a educadora conseguiu cumprir seu papel com muita dedicação e força de vontade de ambos os lados.

Mas antes de contar essa história, vamos explicar de maneira simplificada o que é a Neuroeducação. Segundo Maura, essa abordagem que estuda o funcionamento do cérebro associado aos processos de aprendizagem consiste basicamente na consideração da individualidade do aluno. “Suas particularidades/especificidades e o respeito ao tempo de aprendizagem de cada estudante, pois cada um aprende em momentos diferentes e de uma maneira própria. E partindo do princípio de que a aprendizagem está estreitamente ligada à memória e às emoções, além de envolver aspectos biológicos, sociais e psicológicos, entendo que a primeira ação que devemos tomar enquanto educadores é criar vínculos afetivos com nossos alunos e familiares”, explica Maura.

Ela cita ainda uma frase de Gordon Neufeld, que diz: “Crianças aprendem melhor quando gostam de seu professor e quando sabem que ele também gosta delas”. Um exemplo disso é fazer com que os pequenos acreditem que são capazes. Olhar nos olhos deles e dizer: “Eu acredito em você!” ou ainda através de palavras de incentivo e carinho. “Elogiar e destacar as habilidades das crianças. E, quando for necessário, chamar atenção, fazer isso brincando, firme, mas de maneira carinhosa e respeitosa”, afirma.

Maura ressalta que, para dar início a esse processo, é necessário ter conhecimento e boa vontade. “Quando um educador é apaixonado pelo que faz, os recursos surgem ou nós professores criamos e/ou adaptamos, de acordo com a necessidade de cada aluno e também partindo do interesse de cada criança. E quando existe o vínculo afetivo e a ludicidade, onde a aula se torna prazerosa, o ensino-aprendizagem acontece mais rapidamente”, garante a educadora.

Raissa aprendeu a ler e escrever no celular

 

Estratégias para tornar a aprendizagem mais interessante

Vamos entender a história que contamos no início da matéria? Pois bem, durante a pandemia, o docente conseguiu alfabetizar uma aluna através de técnicas utilizadas na Neuroeducação. Segundo Maura, cabe aos educadores buscar estratégias que façam com que a aprendizagem seja mais interessante e que aguce a curiosidade e atenção dos alunos, pois a aprendizagem de forma remota, sem a mediação direta do professor, se torna um grande desafio.

No ano passado a educadora criou um grupo da turma pelo WhatsApp e por lá enviava os vídeos, atividades, recados para os alunos e eles realizavam as atividades e as retornavam para as correções. “Também utilizamos um site da escola, com as crianças divididas por turmas, o que permitiu deixar de maneira organizada todos os conteúdos e atividades trabalhadas”, conta.

Maura relata ainda que também tinha um encontro on-line (através de Meet) semanalmente com toda a turma. “Me coloquei à disposição de alguns estudantes ou suas famílias para outro encontro remoto individual, aqueles com mais dificuldades de aprendizagem (laudados ou não). E duas alunas demonstraram interesse por esses eventos individuais. Como elas estavam no mesmo nível de aprendizagem, passei a atendê-las uma vez na semana, quando trabalhava com as duas a alfabetização, desde o princípio (alfabeto, vogais, consoantes, famílias silábicas), utilizando recursos concretos e lúdicos nesses nossos eventos semanais. Fizemos esses encontros durante todo o ano e pude, dessa forma, perceber a evolução na aprendizagem destas alunas”, lembra a professora.

Mesmo tendo tido apenas um mês de aula presencial, a estudante Raissa Sara dos Santos Brito, da Escola Municipal de Ensino Fundamental General Osório, se dedicou nas atividades virtuais e conseguiu alcançar o objetivo que buscava desde o 1º ano: aprender a ler e escrever, compreendendo os textos. “Estou muito feliz, agora posso ler para o meu irmãozinho”, contou ela.

A mãe, Joselene Rita Costa dos Santos Brito, começou a notar a dificuldade da filha em aprender desde que entrou no Ensino Fundamental. De lá para cá, foram muitas idas a médicos, exames, para tentar descobrir porque Raissa não conseguia acompanhar o ritmo dos colegas. Neste ano, também em meio à quarentena, veio o resultado: “A neurologista conseguiu diagnosticar déficit de atenção, o que nos ajudou como família a entender mais a Raissa e poder direcionar as estratégias para ajudá-la a superar as adversidades”, afirmou Joselene.

A dedicação e o carinho de Maura são aspectos destacados por Joselene, que afirma que, sem o auxílio da professora, Raissa não teria conseguido. “A Maura é especial, ela se dedica demais. Inclusive, criou um período de aula individual com a Raissa para dar atenção às necessidades específicas dela, foi essencial”, agradece. E não foi apenas na leitura que a menina avançou. A escrita, que era apenas cópia do que a educadora passava, agora é acompanhada da interpretação do que está escrevendo. “Sei que esse não é um mérito somente meu, foi um momento dela, a bagagem que ela tinha aprendido com os professores dos anos anteriores e minha dedicação nesse último ano. Juntos conseguimos chegar nessa conquista!”, ressalta Maura.

Criando vínculos afetivos

 

Durante a pandemia, a professora também realizou um encontro físico que chamou de “Dia do Abraço”. Devido à saudade dos alunos, ela criou uma engenhoca batizada de “abraçódromo” (uma estrutura feita de cano de PVC e revestida com plástico grosso). “Fiz o espaço para os braços e agendei com os familiares dos meus alunos, cada um com a diferença de 15 minutos para um encontro com segurança, no pátio da minha casa, próximo da escola. Com total segurança e apoio da minha família, que higienizava o plástico com álcool 70%, todos os presentes usavam máscara. Foi um momento mágico e muito emocionante!”, relembra.

 

Destacar as habilidades ao invés das dificuldades

A educadora destaca ainda uma frase em que ela acredita muito: “Não importa que uma criança aprenda devagar, o que importa é que a encorajemos a nunca desistir”. Para ela, os professores devem sempre evidenciar as habilidades ao invés das dificuldades dos alunos. Criar projetos que sejam do interesse deles, que promovam e desenvolvam as habilidades de cada um.

Esse ano, Maura pediu à direção da escola para dar continuidade ao seu trabalho com a turma. “Evoluímos de um terceiro para o quarto ano do Ensino Fundamental. E, por determinação da nossa mantenedora (a Prefeitura Municipal), esse ano as atividades de aula são postadas no Google Classroom e mantivemos o grupo do WhatsApp para recados e informações da escola. Costumo atender meus alunos e seus familiares nesse aplicativo e me manter sempre à disposição deles”, relata a docente.

 

Neuroeducação, um constante estudo do aprendizado

Proporcionar aos seus alunos uma aprendizagem cada vez mais significativa, independente do período escolar, parece ser um desafio constante para professores e pesquisadores da educação. Um desses eixos, bastante conhecido, mas ainda muito a ser explorado pelo universo acadêmico em sala de aula, é a neuroeducação.

Extraídas do “DNA” da neurociência – cujos avanços têm levado a um maior conhecimento do funcionamento do cérebro –, as técnicas educativas ofertadas pela neuroeducação trazem à luz do professorado, de acordo com o pesquisador David Souza, a importância da ativação neuronal e a necessidade do desafio para manter a atenção, além de um feedback positivo-imediato que facilite a aprendizagem eficaz.

As contribuições para que a neuroeducação seja vivenciada de maneira prática entre os educandos perpassa pela compreensão do professor de como se dá esse processo da construção do conhecimento, dentro desse arcabouço teórico, a fim de que se promovam ações que agucem o desenvolvimento cognitivo dos alunos, através das possibilidades e oportunidades da cada etapa da educação básica.

 

Mecanismo de estímulos x aprendizagem libertadora

O processo de construção de uma aprendizagem libertadora, diga-se reflexiva, passa pelos mecanismos ou ferramentas de estímulos de atenção, memória, esquecimento, linguagem, alimentação balanceada e sono de qualidade, entre outros, sem deixar de contabilizar os aspectos individuais: social, biológico, psicológico e cognitivo de cada pessoa.

Dentro desse terreno em constante construção, na busca por uma aprendizagem qualitativa, o sono e seus aspectos positivos vêm sendo um tema de altíssima relevância nessa área. É o que explica a biomédica, Mestre em Ciências pelo Departamento de Psicobiologia da Unifesp, doutora em Psicobiologia pelo Departamento de Fisiologia da UFRN, a doutora Bruna Del Vechio, ao afirmar que para aprender é necessário dormir. “Nada melhor que uma boa noite de sono para consolidar o conhecimento”, garante.

 

Um boa noite de sono pode potencializar o aprendizado

Segundo Del Vechio, a memória de curto prazo só vira memória de longo prazo após um episódio de sono. “Sabemos que há comunicação do hipocampo (que participa da memória de curto prazo) com áreas corticais, como o córtex retrosplenial (que armazenam memória de longo prazo) durante o sono. E que essa comunicação entre diferentes áreas cerebrais se reveza durante as fases do sono. Essa alternância na comunicação entre as áreas participa do processo de consolidação da memória”, explica.

A privação do sono traz muito mais prejuízos do que podemos imaginar. Isso porque, além da não fixação do conhecimento, os indivíduos privados de sono apresentam níveis de atenção em menor escala. “Essas pessoas não consolidam o conhecimento, ou seja, têm o processo de aprendizagem prejudicado. Ao mesmo tempo que indivíduos sonolentos apresentam nível de alerta e atenção baixos, o que dificulta a aquisição de informações. Uma vez que esse processo é prejudicado, dificilmente esses dados serão armazenados em qualidade suficiente para ser consolidado a longo prazo. Em outras palavras, quem não dorme não aprende”, relata a biomédica.

 

Qual o seu tempo de sono?

Nos dias atuais, não somente por conta da pandemia, mas da vida corrida e acelerada em que as pessoas estão vivendo, sobretudo os jovens, que por vezes passam madrugadas jogando, percebemos que dorme-se menos que antes. Ao perguntarmos para Bruna qual é o impacto desse posicionamento, uma vez que alguns estudos apontam para o fato de que o sono é responsável pela consolidação da memória, a mestra explicou que essa redução no tempo total de sono não é recente.

“O professor Till Ronnemberg, da Universidade de Munich, fez um trabalho sobre a diminuição do tempo total de sono ao longo das últimas décadas. Nós humanos temos reduzido cada vez mais os episódios de sono, provocando o crescimento de uma sociedade de indivíduos cronicamente privados desse recurso tão benéfico”, alerta a doutora Bruna.

Para Del Vechio, essa exposição maciça em frente às telas tem atrapalhado o nosso relógio biológico. “Estamos em um momento no qual passamos muito tempo diante de aparelhos, tanto durante o dia, quanto à noite. O fato de permitir a entrada de luz nos olhos no período noturno atrapalha o nosso sistema de temporização, sinalizando para o cérebro que ainda é dia, pois há luz. Isso prejudica a sincronização do organismo (os ritmos biológicos e sua organização) e, consequentemente, o sono. Além disso, nos sobrecarregamos de atividades e queremos estender nossos horários de trabalho, sobretudo nessa modalidade remota, em detrimento das nossas horas de descanso”, sentencia a doutora Bruna Del Vechio.

 

Sono + aprendizagem, veja o resultado

O resultado dessa equação não poderia ser mais promissor. De acordo com a doutora Bruna podemos afirmar que sono mais aprendizagem são sinônimos de uma educação de qualidade. “Boas noites de sono, nutrição suficiente, atenção, foco, motivação, emoção, tudo isso junto pode resultar numa educação de excelência”, afiança a doutora Del Vechio.

 

Uma forma de traduzir o pertencimento do estudante para o processo de autoestima na construção do aprendizado

Ensinar é descobrir o que os alunos já sabem. É uma forma de lecionar o que eles vão ter de aprender e ajudá-los a realizar as associações entre os conteúdos. Existem muitos estudos com o objetivo de compreender os processos que envolvem a aprendizagem. Jean Piaget e Lev Vygotsky tiveram grande influência no estudo da psicologia do desenvolvimento. Mas recentemente, de enorme relevância para o conhecimento da cognição humana, tem sido a colaboração dos pesquisadores no campo da neuroeducação. Para esses autores, a aprendizagem se baseia em processos cerebrais nos quais os resultados cognitivos se ampliam paralelamente ao desenvolvimento do cérebro infantil.

Quando o professor entende como o cérebro processa, reconhece, lembra e transfere informações ao nível de circuitos neurais, sinapses e neurotransmissores e, em seguida, compartilha seu conhecimento com os alunos, a capacitação para ambos enriquece a motivação, a resiliência, a memória e os sucessos da aprendizagem.

Em uma explanação exclusiva à Revista Appai Educar, Marta Relvas, doutora em Educação e especialista em Neurociência, nos explica de forma clara como funciona este processo estrutural no cérebro.

 

Sobre a importância da neurociência na educação:

“Quando a gente fala do cérebro, estamos falando de suas divisões relacionadas a processos cognitivos, emocionais e as funções vitais. Por muito tempo houve uma dicotomia entre o processo cognitivo e a emoção, separando a razão para o cérebro e a emoção para o coração. E isso perdurou por muito tempo nos campos filosóficos. Hoje a ciência vem dar como evidência que o cérebro que pensa é o mesmo que se emociona. O corpo reage à emoção e à razão na elaboração do processo cognitivo. É aí que surge o grande diálogo com a educação. É por meio do cérebro que o comportamento e a aprendizagem se estabelecem. Para acontecer o aprendizado é necessário que se tenha interesse, atenção e memória. Nós não queremos nossos estudantes memorizando “como um papagaio”, mas sim memorizando com compreensão. E a função da escola é ser a possibilidade de praticar algo importantíssimo, próprio de uma única espécie no planeta, que é a capacidade de transformar em gráfico o som e o visual, que são as letras e os números. Por isso é preciso conhecer o funcionamento do cérebro, já que não nascemos com o conhecimento específico da leitura e da escrita. Todavia, nós desenvolvemos e potencializamos esses neurônios da parte superficial do cérebro, que é o processo cognitivo, por isso se faz necessário que o educador reconheça essa funcionalidade sistêmica”.

 

Sobre praticar a neurociência na educação:

“O professor pode praticar a neurociência conhecendo, observando, promovendo a escuta, reconhecendo habilidades e, aí sim, criar metodologias com seus conteúdos regulares, acadêmicos, que possam trazer possibilidades de diversidade daquele assunto no qual ele está realmente trabalhando. No caso do ensino tradicional, o foco está no aprender. Hoje se situa na habilidade do aprendizado. Por isso o profissional da educação precisa renovar sua didática, pois na didática antiga a questão vem do professor para o aluno. Hoje não, consiste em novas possibilidades. Quando a gente reconhece como esse cérebro funciona, de que maneira se pode usar recursos pedagógicos, que sejam inerentes e coerentes, é possível traduzir um pertencimento desse estudante para um processo de autoestima na construção desse aprendizado”.

 

Quer se aprofundar no assunto?

Como sabemos, a Appai incentiva o professor a se aprimorar sempre, através das nossas lives ligadas à educação, matérias na revista, no site e, principalmente, por meio dos inúmeros cursos de formação continuada. Para saber mais acesse a página dos benefícios Educação Continuada e EAD em: www.appai.org.br. Por lá, você também encontra cursos sobre a Neuroeducação e sua aplicabilidade.

Para ser direcionado direto para o site da Appai, basta clicar aqui!

Além desses conteúdos, você pode conferir uma matéria exclusiva feita pela especialista em formação de professores e consultora da Appai Andréa Schoch. Clique aqui e confira!


Por Antônia Lúcia, Jéssica Almeida e Richard Günter.

Maura Reis
é professora, pedagoga e possui especialização em Neuroeducação, Educação Inclusiva e Atendimento Educacional Especializado. Para entrar em contato com ela, basta enviar um e-mail para mauramana@gmail.com ou buscar “Maura Reis dos Santos” no Facebook e Instagram.

Bruna Del Vechio
é biomédica, Mestre em Ciências pelo Departamento de Psicobiologia da Unifesp (2009) e, Doutora em Psicobiologia pelo Departamento de Fisiologia da UFRN (2013). Para entrar em contato com ela, basta enviar um e-mail para brunadvk@gmail.com

Fotos
cedidas pela professora e banco de imagens gratuito do Freepik.


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