Quando a arte transforma a vida


A construção do longo caminho percorrido na trilha da igualdade entre homens e mulheres tem sido erguida desde que a mulher percebeu que, assim como o homem, ela é parte integrante da civilização. Avanços, desilusões e conquistas marcam essa trajetória, entretanto ainda há muito para se fazer.

E foi a partir dessa consciência humanitária, de que o respeito é o eixo para que se tenha uma sociedade mais justa e igualitária, que a professora de Artes Visuais Geane Senra de Oliveira começou a idealizar o projeto Lugar de mulher é onde ela quiser, entre as turmas do II segmento do Fundamental da escola Municipal Mozart Lago, localizada em Osvaldo Cruz, na Zona Norte do Rio.

 

Não é não!

A observação do cotidiano escolar foi o start para que Geane saísse do que chamou de zona de conforto e iniciasse um trabalho de base entre os estudantes acerca dos direitos das mulheres. “A ideia era pontuar os problemas comportamentais de assédio existentes entre alunos e levá-los para serem discutidos em sala de aula”, enfatiza.

Mesmo sabendo que não seria uma tarefa fácil para ninguém, ainda mais se tratando de uma prática banalizada fora e dentro dos muros escolares, Geane conta que não se intimidou. “Passei a interferir conversando com os alunos sobre assédio e, ao abordarmos o tema, as meninas se sentiram protegidas para falar abertamente”, recorda a professora.

Para as mulheres no Brasil, o fato de sermos 51,6% da população – em números absolutos, 6,3 milhões a mais em relação aos homens, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2014, divulgada pelo IBGE – não altera a situação de a cultura machista ainda continuar sendo um ácido corrosivo no dia a dia feminino.

Juntos, meninas e meninos debateram temas ditos “normais” para eles, mas que na verdade são ofensivos e considerados machistas pelo público feminino

De acordo com a professora Geane, o desconhecimento de homens e mulheres acerca de seus deveres e direitos contribui para essa crescente naturalização da violência, sobretudo contra elas. Isso, segundo a docente, acaba abrindo ainda mais espaço para que situações hediondas sejam vistas como algo natural. “Antes, ninguém tinha muita consciência do que era feminismo, por exemplo, e o projeto ajudou nisso. Eu, por exemplo, tinha só uma ideia, de influências pop e de casa, mas não conseguia dividir aquilo que sentia sobre meus direitos com a minha sala”, afirma Kamilla Victória Rabe, aluna do 1º ano do Ensino Médio.

Ao final do projeto a comunidade escolar percebeu que só há avanço quando todos caminham na mesma direção

 

Mediação de conflitos: sempre um desafio

Mesmo ciente de que encarar conflitos é algo com que todos nós, em algum momento da vida, teremos que lidar, Geane diz que um dos maiores desafios encontrados foi realizar essa mediação. “Em sala surgiram situações em que alguns meninos justificavam, por exemplo, que mexer com menina na rua era um elogio”, relembra a professora pontuando que essa visão banalizadora é na verdade a configuração de um preconceito estrutural.

Em outros momentos, conta a educadora, alguns meninos disseram que o fato de uma menina ou mulher usar um short mais curto abre um espaço para que seja assediada. “Para muitas alunas, ouvir isso foi uma afronta, uma vez que a roupa que a mulher usa não dá o direito a ninguém de assediá-la”, sentencia.

Mas o esforço tem valido muito a pena. Segundo Geane, com os trabalhos desenvolvidos através do projeto Lugar de mulher é onde ela quiser, houve uma considerável mudança entre os educandos. “Percebemos que diminuiu o assédio e, dentro de sala de aula, há mais respeito e agora ‘não é não!’”, conta ela.


Por Antônia Lúcia
Escola Municipal Mozart Lago
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