Alfabetização e analfabetismo: estabelecendo reflexões

Por Josele Teixeira*


A compreensão do valor semântico das palavras é sem sombra de dúvidas um fator determinante que influenciará a maneira pela qual nos relacionamos com determinadas temáticas, afinal “as palavras têm identidade”. Sendo assim, importa enfatizar o que estamos conceituando por alfabetização, pois sua compreensão errônea pode vir a ocasionar sérios problemas de divergências teóricas e metodológicas. A grosso modo, é comum se associar a alfabetização ao aprendizado do alfabeto e de sua utilização como código de comunicação 

Neste sentido, simplista e limitado, alfabetizado seria todo aquele que detém o conhecimento desse código, sabendo ler e escrever. Porém, contribuições recentes no campo da alfabetização e da linguagem vem chamando a atenção para essa habilidade enquanto uma categoria processual, intensificando assim as discussões sobre o que de fato é estar alfabetizado. Neste sentido, multiplicam-se as críticas a uma alfabetização que, embora ensine a ler e a escrever, não habilita os indivíduos a fazer uso da leitura e da escrita nem lhes facilita o acesso ao material escrito. 

 Partindo dessas premissas, há de se perceber a alfabetização por meio de uma palavra chave chamada “processo”, que não se resume apenas na aquisição dessas habilidades mecânicas de codificação e decodificação do ato de ler, mas na capacidade de interpretar, compreender, criticar, ressignificar e consequentemente produzir novos conhecimentos, atribuindo assim uma função social à leitura e à escrita. 

Pensar este processo de alfabetização consequentemente nos alerta para a questão do analfabetismo e suas repercussões no Brasil, cujo número de analfabetos é expressivo. Neste sentido, precisamos compreender que o analfabetismo não é um fenômeno natural, ele está diretamente relacionado aos processos históricos de negação e ineficiência da educação para a classe trabalhadora. Com isso, temos um problema estrutural (construído historicamente), que evidencia o quanto a educação se constitui em um campo de afirmação ideológica que atualmente se reflete nas disputas na luta de classes, como um “poder-saber” que contribui para o processo de alienação dos sujeitos. 

Vale então trazermos esse debate para uma análise mais abrangente, que nos revela que o analfabetismo infantil está diretamente relacionado a questões históricas e sociais. Logo, ele precisa ser compreendido a partir de sua própria lógica estrutural, com suas primeiras constatações, no século XVI, a partir da educação jesuítica. Diante do exposto, inúmeras pesquisas evidenciam que filhos de pais analfabetos têm uma maior probabilidade de ter baixo desempenho escolar, até porque, como sabemos, é incontestável que o desenvolvimento de habilidades voltadas à leitura e à escrita tem início nos anos escolares iniciais.  

A não-alfabetização das crianças em idade adequada traz prejuízos para aprendizagens futuras na medida em que, consequentemente, amplia os riscos de reprovação e evasão escolar. Seguindo esta lógica, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece que a alfabetização das crianças deverá ocorrer até o segundo ano do Ensino Fundamental, com o objetivo de garantir o direito de aprender a ler e escrever. É preciso destacar que a não-alfabetização na idade considerada ideal agrava problemas históricos da educação brasileira e pode ter danos permanentes, uma vez que a alfabetização é condição prévia para demais experiências. O que desencadeia um efeito “bola de neve” nas séries seguintes do Ensino Fundamental, gerando sérios problemas inclusive na autoestima dos alunos.  

É importante enfatizar que estar alfabetizado implica trazer uma função social para a leitura e a escrita e compreender o que foi lido, ou seja, estamos falando de uma alfabetização que vai muito além de decifrar um código. A esse respeito a BNCC destaca que: “esses conhecimentos de alfabetização até o 2º ano incluem a criança compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas, dominar as convenções gráficas, conhecer o alfabeto, compreender a natureza alfabética do nosso sistema de escrita, dominar as relações entre grafemas e fonemas, saber decodificar palavras e textos escritos, saber ler, reconhecendo globalmente as palavras, ampliar a sacada do olhar para porções maiores de texto que meras palavras, desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitura. 

Atualmente inúmeras produções acadêmicas têm voltado o seu olhar para pensar as consequências do fechamento das unidades escolares devido à Covid 19. Acredito que, durante os próximos anos, tenhamos que pensar sobre as estratégias de reinvenção para amenizar os impactos da pandemia. O fechamento das unidades escolares interfere diretamente no processo de alfabetização de nossas crianças. Com a aprendizagem interrompida os alunos têm os seus direitos de aprendizagem afetados.  

Precisamos ser realistas e admitir que o ensino remoto instituído da noite para o dia, da maneira como ocorreu, foi uma novidade para muitos e deve ser pensado como um paliativo para amenizar uma necessidade emergencial. Também devemos ressaltar que nem todos conseguiram ter acesso às tecnologias para manter o mínimo de contato com os seus professores. Atrelado a essas questões temos que relembrar que, quando as escolas são fechadas, muitas vezes os responsáveis são solicitados a ajudar na aprendizagem das crianças em casa e isso se torna ainda mais complexo para pais com nível educacional e recursos limitados. Outro aspecto tão importante quanto os que já foram pontuados refere-se ao isolamento social. Afinal, a interação com o outro é algo essencial para a aprendizagem e para o desenvolvimento dos sujeitos. 

Diante deste cenário, temos o grande desafio de fazer com que as crianças permaneçam na escola neste momento de retorno. O que não é uma tarefa fácil, se levarmos em consideração que a pandemia impactou profundamente a economia e mais crianças foram obrigadas a trabalhar e gerar renda para auxiliar suas famílias. Assim, este é um ótimo momento para repensar os currículos e as práticas pedagógicas. Porém, gostaria de destacar que mais do que nunca precisamos repensar a importância da AVALIAÇÃO EM UMA PERSPECTIVA DIAGNÓSTICA. No atual contexto precisamos, a partir dos dados obtidos com as avaliações a serem realizadas, reorientar do Plano de Ação de cada escola. Neste sentido, a avaliação é o indicador mais preciso para sinalizar as mudanças necessárias que carecem de uma intervenção objetiva no processo de aprendizagem. Em outras palavras, o resultado da avaliação diagnóstica de cada unidade é uma maneira de informar sobre o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos, o que permite investir em futuras intervenções pedagógicas. 

Mais do que nunca os professores precisam estar preparados para os diferentes níveis de aprendizado em que se encontram os alunos, e para isso é fundamental: 

ESTAR INTEGRADO COM A GESTÃO E A COMUNIDADE ESCOLAR, para que juntos eles possam se fortalecer e pensar as intervenções pedagógicas necessárias para o seu grupo. 

TER UMA VISÃO HOLÍSTICA DA CRIANÇA e compreender o estudante de forma integral, identificando suas necessidades de desenvolvimento referentes a aspectos intelectual, físico, emocional, social, cultural. 

ESTAR EM CONSTANTE FORMAÇÃO: a formação continuada tem muito a contribuir, uma vez que estamos diante de um novo contexto e consequentemente de “novos sujeitos”.  


*Josele Teixeira é pedagoga, especialista em alfabetização, integrante da Gerência de Educação Infantil da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Entre os livros lançados estão “”Avaliação Escolar: da teoria à prática” e “Alfabetização escolar: compartilhando teorias e práticas”. 


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