Entre quadras e corredores, a força da Educação Física

Mesmo sem estrutura ideal, a disciplina resiste e se reinventa, revelando sua potência como espaço de aprendizado, inclusão e transformação


De vilas olímpicas a corredores de escola, a Educação Física mostra que o aprendizado acontece onde há vontade de se mover e ensinar. Mesmo diante da ausência de quadras, materiais e espaços adequados, muitas escolas brasileiras têm transformado limitações em potência criativa. Professores e professoras reinventam suas práticas, fazendo de cada metro quadrado um território de descobertas, convivência e superação e, cada vez mais, de inclusão e letramento digital. 

 A Educação Física, nesse contexto, vai além do movimento: torna-se espaço de construção de valores éticos, de respeito às diferenças e de uso crítico das tecnologias. Seja com jogos adaptados, recursos digitais simples ou metodologias ativas, o corpo em movimento também aprende a pensar, sentir e conviver. 

Para ilustrar essa força que nasce da criatividade docente, a Revista Appai Educar ouviu três educadoras que fazem da prática corporal um instrumento de transformação: Elaine Sutero de Souza, professora da E Mz 478 – Ciep Odilon Bernardes, em Itaboraí, Rio de Janeiro; Renata Pine, docente da rede municipal do Rio de Janeiro; e Adriana Barbosa Machado, professora da Vila Olímpica Félix Mielli Venerando, em Honório Gurgel, Zona Norte do Rio. 

 

Transformando espaços pequenos em grandes aventuras

Na escola Ciep 478 Odilon Bernardes, em Itaboraí, a professora Elaine Sutero de Souza aprendeu a transformar o que parecia limitação em potência. “Eu tento utilizar o espaço em que eu consiga transformar a vida do aluno de forma lúdica, para que ele se movimente e se sinta livre e feliz para brincar”, explica. Mesmo em ambientes reduzidos, Elaine cria dinâmicas que resgatam a alegria do movimento. 

O segredo, segundo ela, está na criatividade. “Muitas vezes o espaço é pequeno e não temos material, mas eu levo o que posso e também uso o que há ao redor. Já fizemos o Dia da Pipa, com sacolas plásticas recicladas que viraram pipas, e foi só alegria. Todos amaram”. A atividade, além de estimular o corpo, também ensina sobre sustentabilidade e reaproveitamento de materiais, uma lição que vai além da quadra e alcança o cotidiano dos alunos. 

 

Quando o corpo aprende, a escola também se reinventa

Essa capacidade de adaptação é partilhada por outros docentes, como Renata Pine, que leciona para turmas da Educação Infantil e Fundamental I. Ela ressalta que o planejamento começa sempre a partir da realidade do aluno. “As estratégias são construídas coletivamente, com rodas de conversa e escuta ativa. Assim, a criança entende o propósito de cada atividade e se envolve mais”. 

Sua prática é marcada por metodologias inovadoras, como o projeto que une leitura e movimento. Inspirada pelo Instituto Esporte Educação, Renata utiliza livros infantis e infantojuvenis como ponto de partida para atividades corporais que envolvem dramatização, criação de cenários e uso de materiais recicláveis. “Através da leitura, identificamos os movimentos das narrativas e os levamos para a quadra ou para o pátio. Criamos cenários, materiais recicláveis e até fantasias”, conta. 

Entre as experiências mais marcantes, ela destaca a adaptação do clássico “Os três porquinhos”, em que os pequenos exploraram deslocamentos, o sopro do lobo e a dança da alegria ao final da história. “As crianças se envolvem, dramatizam e aprendem o movimento com significado”, afirma. 

O projeto nasceu após uma formação em parceria com o Instituto Esporte Educação. “Foi uma capacitação nos moldes de uma pós-graduação, e tive a chance de aplicar o que aprendi em sala. O resultado foi tão inspirador que o projeto virou tema de um documentário sobre as melhores metodologias do país”.  A experiência pode ser conferida no youtube, que mostra as crianças em ação durante as aulas. Já os princípios da metodologia que inspirou o trabalho de Renata estão detalhados no site esporteeducacao.org.br. A experiência reforça a importância da formação continuada como motor de inovação pedagógica, permitindo que os professores ampliem repertórios e transformem suas práticas. 

 

Movimento que fortalece emoções

Se por um lado Renata aposta na potência da linguagem para mover o corpo, Elaine Sutero destaca como o movimento pode transformar emoções. Em sua prática cotidiana, ela observa como pequenas conquistas físicas, como arremessar um objeto ou completar uma corrida, reverberam em grandes avanços emocionais. “Quando o aluno lança uma bola ou corre, ele vence um medo. Ele percebe que é capaz, e isso muda tudo. A Educação Física transforma a autoestima e ajuda o estudante a acreditar em si mesmo”, afirma, reforçando o papel da disciplina na construção da autoconfiança e no enfrentamento de barreiras internas. 

Ela também chama atenção para os desafios enfrentados pelos profissionais da área. “Hoje está cada dia mais difícil, principalmente nas escolas. É uma luta diária para mostrar a importância da Educação Física Escolar. Ainda há quem ache que qualquer um pode dar aula, mesmo sem formação. Precisamos reafirmar nosso papel o tempo todo, para alunos, colegas e até gestores”. Sua fala ecoa uma realidade comum a muitos educadores: a necessidade constante de defender a relevância da disciplina em um cenário de escassez de recursos e reconhecimento. 

 

O esporte como elo social

Na interseção entre educação, cidadania e inclusão, o trabalho da professora Adriana Barbosa Machado nas vilas olímpicas do Rio de Janeiro revela como o esporte pode ser um poderoso articulador de vínculos e oportunidades. Atuando em territórios marcados por vulnerabilidades, ela observa diariamente o impacto que a prática esportiva tem na vida de crianças e adolescentes. “As vilas dão oportunidade para muitos que estão em situação de vulnerabilidade. Elas promovem saúde física e mental, ensinam valores, disciplina e ajudam até no rendimento escolar”, afirma. 

Mais do que espaços de treino, elas se consolidam como ambientes de pertencimento e acolhimento. “A procura tem crescido muito. Acho que é porque são espaços públicos, abertos, onde o jovem se sente pertencente”, explica Adriana, destacando o papel das políticas públicas no acesso ao esporte de qualidade.

Ela também chama atenção para o protagonismo dos educadores nesse processo: “As vilas utilizam o esporte como ferramenta pedagógica, e os professores de Educação Física são fundamentais nesse processo. São eles que inspiram e incentivam o aluno a continuar, dentro e fora da escola”. Além disso, Adriana destaca a importância da articulação entre as vilas e as escolas, criando uma rede de apoio que amplia o alcance da prática esportiva e fortalece o vínculo entre educação formal e não formal. 

 

Quando o corpo aprende, a vida se transforma

Três professoras, três territórios de atuação, uma mesma missão: fazer da Educação Física uma experiência de autoconhecimento, pertencimento e cidadania. Em contextos diversos, da escola pública à vila olímpica, elas mostram que o movimento é mais do que gesto técnico: é linguagem, é vínculo, é potência de transformação. 

Renata revela como o corpo pode ler o mundo e dar vida às histórias, unindo literatura e expressão corporal em práticas criativas e significativas. Elaine reforça que cada conquista física é também uma vitória emocional, capaz de fortalecer a autoestima e abrir caminhos para o aprendizado. Já Adriana mostra que o esporte, quando acessível e acolhedor, se torna elo social e ferramenta de inclusão, promovendo saúde, disciplina e esperança em territórios vulneráveis. 

Como resume Renata, “é com boas aulas e estudo contínuo que mostramos o quanto a Educação Física é essencial”. Elaine completa: “Nosso trabalho é diário, uma luta constante para provar nossa importância”. E Adriana arremata com a certeza de quem vive o impacto do esporte todos os dias: “Esses espaços melhoram a saúde, a qualidade de vida e promovem inclusão social”.  Entre quadras improvisadas, pipas recicladas e livros que ganham corpo, a Educação Física segue cumprindo seu papel maior: mover pessoas, por dentro e por fora. 


Por Antônia Figueiredo

 

E Mz 478 Odilon Bernardes 

Ciep – Centros Integrados de Educação Pública (Escola Pública Municipal) 

Rua Um – Planalto Marambaia – Itaboraí/RJ 

CEP: 24859-408 

Tel.: (21) 3310-0995 

E-mail para contato: e.m.odilon.bernardes@itaborai.rj.gov.br  

Professora: Elaine Sutero de Souza 

Fotos cedidas pela escola 

 

Vila Olímpica Felix Mieli Venerando 

Rua Ururaí, s/nº – Honório Gurgel – Rio de Janeiro/RJ 

CEP: 28605-020  

Tel.: (21) 3373-0411 

Professora: Adriana Barbosa Machado 

 

Get Josué de Sousa Montello 

Endereço: Campo de São Cristóvão 115 – RJ 

Cep: 20.921 440 

São Cristóvão- Rio de Janeiro 

Tel : 2233 5666 

21 97686 9324 ( WhatsApp) 

E-mail escola : emmontello@rioeduca.net 

Professora Renata Pine, e-mail: renatapini@rioeduca.net 

 

Fotos do banco de imagens GettyImages