Os Heróis de Giz
Por André Codea*
São 6 horas da manhã quando a professora Maria sai de casa em Bangu rumo à escola municipal na Tijuca. Duas horas de trajeto, três ônibus e a certeza de que encontrará pela frente muito mais que ensinar português ou matemática. Na cidade do Rio de Janeiro, os 45 mil professores da rede pública municipal e estadual carregam sobre os ombros não apenas a educação de 1,2 milhão de estudantes, mas também a esperança de transformação de uma cidade marcada por contrastes sociais extremos. Mas esses números não param por aqui: há ainda toda a população de professores das escolas particulares que também fazem parte desta realidade.
Maria pode ser qualquer um de nós. Pode ser Carla, uma professora com mais de 20 anos no ensino público, e que, apesar do baixo salário, ainda encontra satisfação em topar com um ex-aluno na rua e descobrir que este mudou de vida para melhor.
Seja de que forma for, com Marias, Carlas ou Márcios e Fábios, ser professor nos dias atuais significa viver cotidianamente envolto em desafios. Questões que vão desde o baixo salário, que, segundo o Sepe-RJ, obriga os professores a trabalhar em mais de uma escola para complementar renda, até a imprevisível jornada para o trabalho, que pode ser tranquila ou eivada de ocorrências desagradáveis. Ou ainda o fato de que o professor seja, cada vez mais, obrigado a gastar seu tempo com atividades burocráticas, que tiram o foco do pedagógico, a verdadeira atividade-fim da Educação.
A lista seria potencialmente interminável. Pais e alunos agressivos – e muitas vezes agressores –, turmas superlotadas com um número crescente de estudantes com necessidades específicas (conhecidos como alunos da Educação Especial, que exigem uma carga extra de tempo e esforço, em sala e extraclasse, para cumprir suas funções), além de ter que trabalhar em escolas que estão situadas em áreas conflagradas, com as não desejadas interrupções de aulas por conta de violência local e a enorme tensão e medo que acompanham essa realidade.
Essas situações pouco agradáveis se acumulam não raro no mesmo profissional do ensino, causando estresse, burnout e afastamentos do trabalho que trazem prejuízos para a própria saúde do profissional, seu bem-estar e de sua família, reduzindo sua qualidade de vida. Um contexto extremamente difícil, tanto quanto ignorado por boa parte da população, que muitas vezes culpabiliza o professor por qualquer tipo de fracasso de seus filhos e netos, desconhecendo a rotina extenuante e perigosa a que ele está exposto.
É o verdadeiro teste vocacional. É preciso muita resiliência, resistência física e mental e uma boa dose de crença em dias melhores para permanecer atuando nessas condições. E, felizmente para nossa combalida Educação, a maioria de nós, professores, possui tais qualidades. Apesar de todos os obstáculos e dificuldades impostas, os profissionais do ensino conseguem avanços, muitas vezes pequenos e tímidos, mas avanços. Não podemos permitir a estagnação.
Ao assumir a responsabilidade de educar alunos em uma cidade com realidades tão díspares como o Rio de Janeiro, nosso valoroso corpo de professores, a despeito de tudo o que é contrário a uma educação de qualidade – como pregam os textos das leis –, dá o seu melhor para que os sonhos continuem vivos, os sonhos de uma vida melhor, de sucesso profissional ou mesmo de uma vida longe das violências comuns que infelizmente existem em uma cidade grande.
Confesso que tive que refletir bastante para escrever este artigo. Como tentar passar uma realidade tão complexa de modo que não desestimule – e mesmo desonre – quem trabalha na Educação, ao mesmo tempo sendo capaz de mostrar uma certa realidade como a retratada atualmente pelos meios de comunicação, e ainda apresentar o lado bom de ser professor, com todas as maravilhas e conquistas que existem por aí? Como fazer isso sem ser piegas, sem romantizar e fantasiar, ou mesmo ser excessivamente duro? E ainda assim, dada a extrema complexidade deste assunto, corro o risco de cometer esta ou aquela falha.
O que é inegável é que precisamos de um olhar e atitudes mais empáticos da população com os professores. Com as múltiplas dificuldades relatadas aqui – sem mencionar várias outras que tornariam esse texto excessivamente longo – já teríamos um quadro desesperador para a maioria das pessoas. Ou mesmo impossível.
É preciso que se entenda que a atividade que é realizada dentro de uma escola vai muito além da simples instrução: é um trabalho para a vida. Uma tarefa silenciosa e pouco valorizada, pois boa parte de seus resultados nos alunos não é imediata ou mensurável por simples estatísticas de rendimento, mas sim está embutida em variáveis difíceis de identificar, como bom caráter, habilidades empáticas, competências emocionais, uma positiva visão de mundo, capacidade crítica e resiliência perante as dificuldades, entre várias tantas outras.
Cada professor desta cidade carrega consigo uma responsabilidade única: educar em uma das cidades mais desafiadoras do Brasil, tanto econômica quanto socialmente. São eles que oferecem aos alunos da Rocinha, de Santa Cruz e da Cidade de Deus a primeira – e às vezes única – oportunidade de sonhar além das fronteiras de sua realidade.
Portanto, precisamos sim celebrar. Celebrar os outrora “heróis de giz”, atuais heróis de quadro branco, esses guerreiros da educação que atravessam a cidade, enfrentam adversidades e transformam vidas com a força de sua vocação e de seu ideal. Eles são a prova de que o Rio de Janeiro, apesar de todos os problemas, ainda acredita no poder transformador da Educação. Portanto, sim, parabéns! Pelo Dia Nacional dos Profissionais da Educação, que acontece em 6 de agosto, e por todos os dias, por serem heróis que constroem o amanhã em todas as salas de aula deste país!
* André Codea é Mestre em Ciência da Motricidade Humana, professor da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, Pós-graduado em Gestão Escolar e em Liderança e Gestão Escolar.
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