IA, sim. Celular, não: o desafio de integrar tecnologia com foco pedagógico
Seis meses após a restrição do uso de celulares em sala de aula, escolas avaliam os impactos da medida e discutem caminhos para um uso mais consciente e pedagógico das tecnologias
O avanço da inteligência artificial tem aberto novas possibilidades para a educação, despertando o interesse de professores, gestores e estudantes por ferramentas que ampliem o processo de aprendizagem. Ao mesmo tempo, cresce o debate sobre os limites do uso da tecnologia em sala, especialmente em relação aos celulares. Após seis meses da implementação de políticas que restringem o uso desses dispositivos nas escolas, educadores já observam mudanças no comportamento dos alunos, na concentração e até no rendimento. Mas como equilibrar o uso de recursos tecnológicos de forma crítica e pedagógica? A equipe da Revista Appai Educar ouviu especialistas e profissionais da educação que estão repensando o papel da tecnologia em sala de aula, em especial o contraste entre o potencial da IA e os desafios impostos pelo uso indevido dos celulares.
Esse movimento de reflexão sobre o uso consciente da tecnologia já começa a mostrar resultados concretos nas escolas. Mesmo com pouco tempo após a restrição do uso de celular nas salas de aula, muitos educadores relatam mudanças perceptíveis. Com mais de 30 anos de experiência em educação, a coordenadora educacional do Colégio Santa Marcelina do Rio de Janeiro, Fernanda Cifali, conta que os próprios estudantes relataram que melhorou a atenção em sala de aula. Da mesma forma, a comunicação e a interação entre eles, o foco nos estudos e no futuro, enquanto a cópia no caderno substituiu as fotos tiradas dos quadros.
Fernanda relata também que os professores perceberam uma mudança significativa de comportamento. “Os estudantes estão se apresentando mais empolgados e participativos nas aulas, além da melhora no rendimento, principalmente dos adolescentes a partir do 8º ano do Ensino Fundamental e séries finais e do Ensino Médio. Outro fator de destaque foi a mudança dos jogos eletrônicos durante o recreio por outros de tabuleiro e atividades envolvendo exercícios físicos, promovendo o desenvolvimento cognitivo e motor”, explica.
Como garantir o entendimento das novas regras
A comunicação clara e acessível com alunos e famílias tem sido uma das prioridades da escola desde a implementação da Lei nº 15.100/2025. A professora Simone Porfiria, do Colégio Estadual Padre Anchieta, explica que, para garantir o entendimento das novas regras, foi preciso resgatar formas tradicionais de diálogo. “Voltamos às práticas antigas que, de certa forma, sempre deram certo pra difundir informações importantes: divulgação em sala de aula, reunião de responsáveis, cartazes e, quando necessário, o bom olho no olho”, garante Simone.
No Colégio Estadual Elvídio Costa, a comunicação sobre as novas diretrizes também tem sido tratada com prioridade. A diretora-geral Penha de Fátima Pereira Zaidan destaca que a estratégia da escola foi combinar informação acessível com sensibilização direta dos estudantes. “Espalhamos pelos corredores e demais instalações cartazes sobre a nova regulamentação. Fomos às salas conversar com os alunos sobre os impactos do uso excessivo das tecnologias, que prejudicam a saúde mental e consequentemente a aprendizagem”, explica a gestora.
No C. E. João Cabral de Melo Neto – Hispano Brasileiro e no Instituto de Educação Carmela Dutra, a professora Izabela de Fátima Bellini Neves conta que a gestão apostou em uma abordagem coletiva e multicanal. “A direção promoveu reuniões com professores, alunos, pais e o grêmio para divulgar e conscientizar sobre as novas diretrizes. Além disso, foram colocados cartazes e placas nas salas e nos corredores. Houve também divulgação nas redes sociais da escola e nos grupos de WhatsApp das turmas dos pais”, relata.
Já no Ciep 424 Pedro Amorim, em Itaboraí, o diretor-adjunto Alexandre Magno de Souza Almeida revela que a gestão reuniu todo o corpo docente para alinhar as orientações com clareza. “Realizamos uma reunião de planejamento com todos os professores, em que foi estabelecida a orientação clara de não permitir o uso de celulares em sala de aula, salvo em atividades pedagógicas autorizadas. Em caso de descumprimento, os alunos são encaminhados à equipe pedagógica, garantindo que as normas sejam aplicadas com diálogo e consistência. Essa estratégia foi fundamental para que o corpo docente estivesse alinhado desde o início do ano, favorecendo a construção de um ambiente disciplinado e colaborativo”, afirma.
Reação à proibição e como essa percepção evoluiu ao longo dos 6 meses
No Colégio Santa Marcelina, a recepção à proibição do uso de celulares foi positiva, resultado de um trabalho prévio de conscientização iniciado em 2024, que preparou os estudantes para a nova realidade. Antes do início das aulas de 2025, a escola também comunicou às famílias a importância da medida, com base em recomendações da Unesco e da OMS, esclarecendo as condutas disciplinares e informando que o uso da tecnologia continuaria com os equipamentos da escola ou, em casos específicos, com o celular mediante aviso prévio. Segundo a coordenadora Fernanda Cifali, a adaptação foi tranquila para a maioria, embora alguns alunos mais dependentes de eletrônicos tenham enfrentado ansiedade e dificuldade de socialização nos primeiros meses, mas já demonstram melhor adaptação.
A experiência positiva do Colégio Santa Marcelina também se repete em outras instituições de ensino. No Colégio Estadual Padre Anchieta, a professora Cláudia da Silva afirma que, após a restrição do uso de celulares em sala, houve uma melhora significativa na interação entre os alunos e na realização das tarefas diárias. O professor Carlos Magno Oliveira Muniz complementa dizendo que os estudantes ficaram mais focados e participativos. “O rendimento melhorou, com menos distrações e mais atenção durante as aulas. No início, tentavam usar o celular escondido ou estavam um pouco dispersos. Com o tempo, foram se adaptando e hoje estão mais atentos e engajados”, relata.
Alexandre Magno de Souza Almeida, diretor-adjunto do Ciep 424 Pedro Amorim, em Itaboraí, admite que a proibição do celular no Pedro Amorim aumentou a participação dos alunos em aula, melhorando a qualidade do tempo pedagógico. “No Conselho de Classe do 1º trimestre de 2025, não houve reclamações sobre o uso indevido de celulares, evidenciando a adesão à medida. Nos intervalos, a maior oferta de jogos de mesa (futmesa, pebolim, tênis de mesa, xadrez gigante) e a valorização dos espaços ao ar livre incentivaram a socialização, reduziram a ansiedade pelo celular e promoveram o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais”, enfatiza.
Mantendo a linha de relatos positivos sobre a mudança, a diretora Penha de Fátima destaca que, nos primeiros dois meses após a retirada dos celulares, os alunos se mostraram mais atentos em sala e mais sociáveis durante o recreio. A professora Simone Porfíria também percebeu uma melhora na concentração e maior engajamento nas aulas, especialmente entre os alunos do Ensino Fundamental. Já a professora Izabela de Fátima Bellini Neves, do Estadual João Cabral de Melo Neto – Hispano Brasileiro e do Instituto de Educação Carmela Dutra, observa que, embora a ausência do celular favoreça a atenção, o uso pedagógico do aparelho continua sendo incentivado, sobretudo por se tratar de um curso de formação de professores, onde é essencial reforçar o uso consciente da tecnologia.
Maior concentração, engajamento e interação
A melhora na interação entre os alunos não se restringiu à sala de aula. De forma alinhada e sensível às necessidades dos estudantes, as escolas têm adotado diversas estratégias para apoiar aqueles que enfrentam dificuldades de adaptação à restrição do uso do celular, especialmente em relação ao tempo de tela e à nomofobia. A professora Simone Porfíria, do Colégio Padre Anchieta, observa que, curiosamente, as dificuldades começaram a surgir após a implementação da regra, exigindo um trabalho contínuo de orientação e conscientização.
Nesse mesmo sentido, a diretora Penha de Fátima Pereira Zaidan destaca a realização de rodas de conversa e diálogos com os alunos, reforçando a importância de foco e atenção no processo de aprendizagem. A professora Izabela de Fátima Bellini Neves acrescenta que a orientação educacional tem atuado de forma próxima, envolvendo inclusive os responsáveis para esclarecer a situação.
No Ciep 424 Pedro Amorim, o diretor-adjunto Alexandre Magno de Souza AlmeidA relata que a equipe pedagógica tem atuado de maneira cuidadosa e acolhedora, promovendo atendimentos individuais, atividades coletivas de socialização e rodas de conversa nas aulas de Letramento Digital. Essas ações buscam não só minimizar os impactos da ausência do aparelho, mas também desenvolver nos alunos a autonomia emocional e o uso consciente da tecnologia.
No Colégio Santa Marcelina, eles passaram a frequentar mais a biblioteca, utilizar as quadras e se envolver com jogos de tabuleiro. “Os próprios estudantes sugeriram uma lista de jogos que gostariam de ter, e o colégio providenciou, incentivando ainda mais o engajamento. A concentração melhorou, assim como a participação nas atividades. Eles estão mais ativos na aprendizagem, tiram dúvidas com os professores, estudam em grupo e fortalecem tanto os vínculos de amizade quanto o desenvolvimento pedagógico”, destaca Fernanda.
Inteligência artificial e restrição de celular
Em diferentes escolas, os professores têm buscado formas de integrar o uso pedagógico do celular conforme permitido pela Lei nº 15.100/2025, ainda que os resultados variem. Conforme relata o diretor-adjunto do Ciep 424, o uso pedagógico tem sido planejado e pontual, com intencionalidade clara. Os professores utilizam os celulares em atividades específicas como pesquisas supervisionadas, vídeos curtos, quizzes interativos e acesso a plataformas digitais, sempre com mediação docente. A infraestrutura tecnológica da escola, com chromebooks, tablets e telas interativas, complementa essa prática, permitindo um equilíbrio entre os usos individual e coletivo da tecnologia.
Com a restrição do uso de aparelhos móveis, o Colégio Santa Marcelina remodelou a utilização de tecnologia e, consequentemente, a da inteligência artificial. A equipe pedagógica tem utilizado ferramentas como o Canva para desenvolver os trabalhos avaliativos. Além disso, os professores solicitam que as pesquisas relacionadas a determinados conteúdos sejam feitas com a utilização da IA. “Essa tecnologia tem ampliado o aprendizado. Após a pesquisa, os docentes debatem as informações coletadas para avaliar junto aos estudantes as fontes e o melhor conceito encontrado”, afirma Fernanda.
Na mesma direção, a professora Izabela de Fátima Bellini Neves observa que, em sua escola, o uso pedagógico do celular já era comum e se intensificou após a pandemia, contribuindo de forma eficaz para o aprendizado. No entanto, há experiências mais cautelosas, como a da professora Simone Porfíria, que relata ter reduzido o uso após a nova legislação, já que o aparelho muitas vezes se torna um gatilho para o uso recreativo das redes sociais durante a aula.
A diretora Penha de Fátima Pereira Zaidan também aponta que, embora alguns docentes façam uso pedagógico, a distração com jogos on-line e redes sociais ainda compromete o foco de muitos alunos. Esses relatos evidenciam os desafios e avanços na busca por um uso mais consciente e produtivo da tecnologia em sala de aula.
Benefícios e riscos da IA na educação básica
Como toda tecnologia, o uso consciente e equilibrado é fundamental para não criar vícios e verdades absolutas. Para Fernanda Cifali, a inteligência artificial pode trazer agilidade na obtenção de informações, facilitar projetos pedagógicos e aproximar os alunos da tecnologia presente no mercado de trabalho. Por outro lado, os riscos incluem a limitação da criatividade, a dependência, a desumanização do ensino e a vulnerabilidade dos estudantes a conteúdos enviesados. “Esses vieses aparecem quando os algoritmos refletem preconceitos humanos, gerando resultados injustos ou discriminatórios”, alerta a coordenadora.
A educadora aponta ainda que a tecnologia no ambiente escolar deve desenvolver o papel de ferramenta pedagógica, estimulando a aprendizagem, preparando o estudante para o mercado de trabalho e desenvolvendo sua capacidade cognitiva e crítica. “Utilizamos a IA em nossa escola para uma avaliação avançada dos conteúdos e para o desenvolvimento da criatividade dos estudantes”, afirma Fernanda.
Segurança dos aparelhos x minimizar o uso indevido
Para garantir a segurança dos aparelhos e minimizar o uso indevido durante o período escolar, as escolas têm adotado estratégias variadas, combinando diálogo, orientação e medidas administrativas. A professora Simone Porfíria explica que, geralmente, uma advertência verbal é suficiente. “Em último caso, recolhe-se o aparelho e ele é devolvido somente ao responsável, mas, de um modo geral, advertir verbalmente tem resolvido”, comenta.
Segundo a diretora Penha de Fátima reforçar a importância da parceria com as famílias é o início do caminho. “Pedimos nas reuniões de responsáveis e grupos de WhatsApp que não deixem seus filhos levarem o celular para a escola, a menos que o professor solicite com antecedência para fins pedagógicos,” revela. Na mesma linha, a docente Izabela Bellini destaca que “é pedido que os alunos guardem os celulares e, em casos extremos, a direção recolhe o aparelho e o entrega aos responsáveis”, explica.
O diretor-adjunto Alexandre Magno destaca um conjunto mais amplo de ações no Ciep 424. “Criamos um espaço seguro, com wi-fi específico e horários definidos para que os estudantes possam usar o celular apenas para comunicação com os responsáveis. Além disso, reforçamos a presença da equipe pedagógica nos espaços comuns e priorizamos o diálogo e o acompanhamento individual em caso de descumprimento”. Ele complementa que essas ações são constantemente reforçadas com as famílias, o que tem contribuído para um ambiente escolar mais seguro, equilibrado e voltado à aprendizagem.
Vitória Fernandes da Silva, 15 anos, aluna da 1ª série, do Ciep 424 Pedro Amorim, reconhece os dois lados da restrição do uso de celulares na escola: “Olha, eu entendo os motivos de a escola querer limitar o uso do celular. Tem muita distração, e às vezes a gente acaba mexendo no telefone em vez de prestar atenção na aula. Então, acho que um dos prós é que ajuda a gente a focar mais no conteúdo e participar mais das atividades”.
Por outro lado, ela também destaca alguns desafios: “Às vezes o celular pode ser útil pra pesquisar alguma coisa rapidinho. E quando a gente tem um tempinho livre, seria bom poder mexer um pouco sem problema, né? Nem sempre é pra distrair, às vezes é só pra relaxar”, lembra a aluna, que tem se adaptado bem à nova rotina. “No meu caso, estou tentando lidar bem com a restrição. Guardo o celular na mochila e uso só quando os professores autorizam. No começo foi meio chato, confesso, porque nós alunos já estamos tão acostumados com o celular o tempo todo”, avalia.
O que ainda falta para que a integração da IA ao ensino seja mais eficaz?
Para Fernanda Cifali, ainda são necessárias mais pesquisas sobre o tema e, principalmente, a preparação dos educadores. “Como toda novidade, é essencial que os profissionais da educação estejam capacitados para aplicar a IA de forma consciente, produtiva e eficaz. Nas grandes cidades, o acesso à tecnologia é mais viável, mas ainda precisamos de políticas públicas de inclusão digital para alcançar estudantes em regiões mais remotas”, destaca.
Nesse sentido, Fernanda acredita que uma política pública eficaz deve abordar os aspectos legais e éticos do uso da IA na educação, além de garantir a formação adequada dos professores da educação básica. “Como toda tecnologia, a IA também precisa de regulamentação para orientar seu uso nas escolas, sempre com foco pedagógico e equidade”, completa.
Já Cláudia, do Colégio Estadual Padre Anchieta, ressalta a falta de infraestrutura como principal obstáculo: “Faltam computadores, notebooks, tablets, acesso à internet de qualidade e profissionais técnicos que ensinem o uso adequado das ferramentas. Além disso, é preciso conhecimento e maturidade para que os alunos produzam bons trabalhos com esses recursos”, aponta.
Diante de todo esse cenário apresentado, o desafio está em encontrar um equilíbrio entre o uso pedagógico da tecnologia e a preservação do ambiente escolar como espaço de convivência e aprendizado crítico. O que é notório é que a inteligência artificial, quando bem aplicada, pode ser uma aliada poderosa na educação básica, mas o seu uso exige preparo, estrutura e responsabilidade. E o que fica claro é que, na visão da comunidade escolar ouvida, mais do que discutir a presença ou ausência dos celulares em sala de aula, é essencial promover uma mediação tecnológica consciente e construir políticas educacionais que envolvam professores, alunos, gestores e famílias. Para todos, o desafio vai além da proibição, trata-se de preparar a escola para um futuro digital mais justo, equilibrado e humano.
Análise dos desafios e benefícios trazidos pela Lei 15.100/2025
A recente implementação da Lei nº 15.100/2025 nos convida a refletir sobre os impactos reais da regulamentação do uso de dispositivos eletrônicos nas escolas. E, nesse mosaico, a especialista e gestora escolar Juliana Santos compartilha sua visão e análise dos desafios e benefícios trazidos pela Lei. E nos revela sobre como essa medida tem influenciado a aprendizagem, o comportamento e a convivência dos alunos no ambiente escolar.
Para Juliana Santos, a nova legislação representa um avanço significativo na construção de um espaço educativo mais focado, humano e propício ao desenvolvimento integral dos estudantes. “A proposta não é proibir o uso de celulares, mas incentivar um emprego mais consciente e com finalidade pedagógica. Desde que a lei começou a ser aplicada, já percebemos uma melhoria clara na concentração dos alunos, na qualidade das interações e até no rendimento acadêmico em algumas turmas”, observa.
Ela destaca que, ao limitar o uso irrestrito dos dispositivos e valorizar práticas intencionais, a legislação favorece a inclusão e amplia o alcance das metodologias ativas, principalmente no atendimento a estudantes com necessidades específicas. “Além de diminuir as distrações em sala, a escola passou a investir mais em estratégias voltadas para o desenvolvimento socioemocional, e isso tem gerado bons frutos. Os alunos estão mais colaborativos, mais empáticos e conscientes de seus comportamentos. Essa mudança no ambiente escolar é visível no dia a dia”, complementa Juliana Santos.
Por outro lado, reconhece que os desafios existem e precisam ser enfrentados coletivamente. A resistência de parte dos estudantes, a ausência de mecanismos mais claros de acompanhamento e a continuidade do uso excessivo das telas fora da escola ainda são obstáculos. “Nenhuma lei funciona sozinha. É preciso envolver os professores, as famílias, os gestores e os próprios alunos nesse processo. A tecnologia não deve ser vilã, e sim aliada. E para isso é essencial que as escolas estejam preparadas, com formação continuada e ações articuladas que deem sentido à proposta. Estamos no caminho, mas ele exige compromisso de todos”, frisa.
Proibição não é suficiente
Embora a proibição do uso de celulares nas escolas venha sendo adotada como medida para melhorar o desempenho acadêmico e o bem-estar dos alunos, estudos recentes apontam que, sozinha, ela não basta. Diante desse cenário, a educadora e especialista em tecnologias aplicadas à educação, Juliana Santos, defende a adoção de estratégias mais amplas e integradas. Para ela, lidar com o tempo de tela excessivo e a dependência digital exige articulação entre escola, família e aluno. “A simples restrição pode até reduzir distrações em sala, mas, para promover mudanças reais e duradouras, é preciso investir em ações que ajudem o estudante a compreender e regular seu próprio uso da tecnologia”, pontua.
Entre as estratégias destacadas por Juliana Santos estão o estabelecimento de rotinas claras, com horários definidos para o uso de dispositivos e o estímulo à educação digital crítica. “Ensinar o aluno a refletir sobre o tempo que ele passa diante das telas e os efeitos disso em sua vida é um passo essencial. Trabalhar habilidades como atenção plena, controle de impulsos e foco em tarefas específicas contribui para um uso mais saudável e consciente dos recursos digitais”, explica, acrescentando que práticas pedagógicas intencionais ajudam não apenas no desempenho acadêmico, mas também no desenvolvimento de competências socioemocionais.
A participação da família também é vista por Juliana Santos como peça-chave no processo. Segundo ela, os pais devem atuar em parceria com a escola, criando ambientes domésticos equilibrados e estimulando atividades fora do ambiente virtual, como leituras, jogos presenciais e momentos de convivência. “O exemplo dos adultos, o reforço positivo e a continuidade das orientações em casa são determinantes. Mais do que proibir, precisamos formar jovens capazes de fazer boas escolhas”, conclui. Para a educadora, o enfrentamento da dependência digital passa por uma construção coletiva, contínua e educativa, que vai muito além de uma norma disciplinar.
Fiscalização dos celulares e a aplicação das exceções
Mesmo com os avanços proporcionados pela implementação da Lei nº 15.100/2025, não se pode ignorar os desafios concretos enfrentados pelas escolas, especialmente no que diz respeito à fiscalização do uso de celulares e à aplicação das exceções previstas para fins pedagógicos ou emergenciais. Quem comenta o tema é a professora e formadora de educadores Juliana Santos, que atua com formação continuada em tecnologias e práticas pedagógicas inovadoras. Segundo ela, o impacto da nova legislação nas rotinas escolares é significativo, mas sua aplicação eficaz depende de múltiplos fatores. “Muitos alunos reagem com ansiedade ou resistência ao controle do uso dos celulares, o que revela o grau de dependência digital. Isso exige do professor não apenas autoridade, mas sensibilidade, escuta ativa e preparo emocional”, observa.
A ausência de mecanismos claros de sanção e de padronização entre escolas, segundo Juliana, também dificulta a consolidação de práticas consistentes. “Não basta proibir o celular. É preciso saber como agir nas exceções, como emergências ou atividades pedagógicas. E isso requer do educador um discernimento constante e uma gestão cuidadosa do tempo, do espaço e do comportamento dos alunos”, atesta. Em sua visão, o acúmulo de tarefas administrativas e pedagógicas torna ainda mais difícil monitorar individualmente o uso dos dispositivos, o que exige apoio institucional, clareza nas normas e uso inteligente de ferramentas digitais.
Nesse cenário, a formação continuada se torna indispensável. Juliana Santos defende que capacitações voltadas às competências digitais, inteligência artificial e uso pedagógico de aplicativos são ferramentas-chave para enfrentar esses obstáculos. “Participei recentemente de um workshop gratuito sobre engenharia de prompt para professores, justamente para ajudar na construção de materiais mais personalizados e eficazes. O professor precisa se sentir seguro para usar a tecnologia a seu favor”, aponta. Ela reforça que a efetividade da lei depende de uma rede de apoio sólida, com o envolvimento ativo de famílias, gestores e comunidade. “Mais do que fiscalizar, é preciso educar para o uso consciente e cidadão da tecnologia”, conclui.
“Participei recentemente de um workshop gratuito sobre engenharia de prompt para professores, justamente para ajudar na construção de materiais mais personalizados e eficazes”
Em um contexto em que o uso da tecnologia se estende muito além dos muros da escola, a colaboração entre famílias e instituições de ensino torna-se ainda mais relevante. Quem reforça essa importância é a pedagoga e especialista em uso consciente de telas digitais Juliana Santos. No ponto de vista da docente, a construção de uma cultura de cidadania digital e hábitos saudáveis depende de um esforço conjunto. “Não adianta a escola orientar de um lado e a família agir de forma desconectada do outro. O impacto da tecnologia na vida dos alunos acontece em tempo integral. Por isso, essa parceria precisa ser fortalecida, alinhando práticas e expectativas dentro e fora do ambiente escolar”, defende.
Uma das estratégias mais eficazes, segundo Juliana, é investir em canais permanentes de diálogo. Reuniões presenciais, grupos on-line, eventos temáticos e rodas de conversa são espaços valiosos para trocar informações e alinhar posturas. “Mesmo os pais mais atentos muitas vezes se sentem inseguros diante da rapidez com que as tecnologias mudam. A escola pode atuar como ponte, trazendo conteúdos atualizados, promovendo oficinas sobre cidadania digital e oferecendo orientação sobre temas como segurança on-line, limites no uso das telas e o impacto das redes sociais no comportamento dos filhos”, afirma. A especialista também esclarece que o uso de ferramentas pedagógicas digitais pode ser um elo positivo entre escola e lar, desde que feito com intencionalidade e orientação adequada.
Outro aspecto central dessa cooperação está na criação de combinados entre família e escola sobre o uso da tecnologia. Juliana comenta que, quando regras e rotinas são construídas de forma conjunta, os alunos tendem a desenvolver maior senso de responsabilidade e autorregulação. “Precisamos mostrar que há vida além da tela. Atividades como leitura, esportes, jogos de tabuleiro ou momentos de convivência familiar são fundamentais para o equilíbrio emocional dos jovens”, completa. Na análise da educadora, mais do que limitar, é preciso formar, e essa formação se dá na parceria. “Quando toda a comunidade educativa se envolve, criamos uma rede de proteção e de orientação que ajuda o aluno a navegar com consciência e segurança no mundo digital”.
“E isso é fundamental para que a tecnologia ocupe o lugar que lhe cabe, o de ferramenta, e não o de dependência”
O avanço dos casos de nomofobia e de outras formas de dependência digital entre os estudantes acendeu um sinal de alerta nas escolas. A preocupação vai além da presença do celular em sala de aula. Trata-se de compreender como o uso excessivo de telas afeta o emocional, o rendimento e a convivência dos alunos. Na observação da especialista em práticas educativas e saúde digital Juliana Santos, o papel do professor é fundamental na identificação precoce desses comportamentos. “O docente que observa atentamente sua turma pode perceber sinais como irritabilidade ao se afastar do celular, isolamento social, queda no desempenho ou até mesmo dificuldade de concentração.
Esses são indícios que não devem ser ignorados e merecem acolhimento e encaminhamento adequado”, orienta.
Como caminho prático dentro da rotina escolar, Juliana sugere a criação de espaços regulares de desconexão, nos quais atividades sejam realizadas sem o uso de dispositivos digitais. “É importante mostrar para os alunos que é possível se divertir, aprender e se relacionar fora das telas. Propor desafios em grupo, dinâmicas de atenção plena e exercícios de autorregulação emocional pode ser bastante eficaz. Essas práticas desenvolvem consciência sobre os próprios hábitos e ajudam no controle dos impulsos”, argumenta. A especialista também recomenda abordar temas como saúde digital e segurança on-line em atividades interdisciplinares, com base em orientações de entidades como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a OMS.
A construção de um relacionamento mais equilibrado com a tecnologia, segundo Santos, passa também pela parceria com as famílias. A entrevistada reforça que os responsáveis precisam ser orientados a estabelecer limites em casa, incentivar atividades off–line e acompanhar de perto o uso de telas no tempo livre. “A escola pode e deve propor oficinas, palestras e rodas de conversa que envolvam toda a comunidade escolar. Quando promovemos projetos que valorizam o esporte, a arte, o teatro e o trabalho coletivo, mostramos aos jovens outras formas de pertencimento e bem-estar. E isso é fundamental para que a tecnologia ocupe o lugar que lhe cabe, o de ferramenta, e não o de dependência”, conclui.
Resistência estudantil à restrição
A resistência de parte dos alunos à restrição do uso de celulares nas escolas é uma realidade enfrentada por muitos educadores. Para a professora e especialista em práticas pedagógicas Juliana Santos, o enfrentamento desse comportamento não deve se limitar à punição. “Com os estudantes que se mostram mais rebeldes, a escuta é o primeiro passo. É preciso abrir espaço para o diálogo, compreender o que está por trás dessa resistência e criar um ambiente de confiança. Só assim conseguimos transformar confronto em cooperação”, afirma. A docente defende que a empatia e o vínculo afetivo são fundamentais para a construção de um clima positivo em sala de aula.
Entre as estratégias que considera mais eficazes, Santos destaca o envolvimento dos alunos na criação das regras. “Quando eles participam da construção das normas, sentem-se mais respeitados e responsáveis por aquilo que foi combinado. Isso gera pertencimento e reduz as reações negativas”, detalha. Mas também reforça a importância do uso de reforço positivo e feedbacks construtivos, valorizando atitudes adequadas e estimulando a motivação interna dos estudantes para cumprir as regras. “Não se trata de controlar pelo medo da punição, mas de educar para a autonomia e a consciência”, complementa.
Do ponto de vista pedagógico, a especialista recomenda o uso de metodologias ativas como recurso para promover engajamento real. Projetos colaborativos, atividades gamificadas e desafios criativos ajudam a manter o interesse dos alunos e reduzem a necessidade de recorrer ao celular como fuga da aula. “Além disso, a capacitação dos professores em mediação de conflitos e competências socioemocionais é essencial. Saber lidar com situações de tensão sem romper o vínculo com o aluno faz toda a diferença”, conclui. Em sua abordagem, quando a escola atua de forma integrada com suas equipes pedagógicas e psicossociais, compreendendo os contextos de cada estudante, a resistência pode ser transformada em consciência, e a lei, em um instrumento de desenvolvimento cidadão.
“Quando as famílias sentem que suas vozes são ouvidas e valorizadas, a cooperação aumenta significativamente”
A participação ativa das famílias é fundamental para o sucesso da implementação da Lei nº 15.100/2025, especialmente quando o tema envolve a restrição do uso de celulares. A pedagoga especialista em engajamento comunitário valida que, em muitos contextos, a colaboração dos responsáveis não é imediata, seja por desinformação ou pela percepção do celular como ferramenta útil no cotidiano. “Por isso, as escolas precisam estabelecer um plano de comunicação estruturado, inclusivo e contínuo, que crie um ambiente de confiança e incentive a participação efetiva das famílias no processo educativo”, ressalta.
O desenvolvimento desse plano, segundo Juliana, deve começar por um diagnóstico cuidadoso da comunidade escolar, identificando características socioeconômicas, canais preferidos de comunicação e possíveis barreiras culturais. “A partir daí, é possível personalizar as estratégias, utilizando boletins digitais, encontros presenciais, grupos de mensagens e outros recursos que facilitem o diálogo aberto e transparente”, elucida. Reforça, ainda, que comunicar claramente os objetivos pedagógicos da lei, mostrando os benefícios reais da limitação do uso de telas para o desenvolvimento integral dos alunos, é essencial para envolver as famílias.
Somado a isso, aponta que ações educativas e espaços de escuta ativa são indispensáveis para transformar resistência em colaboração. “Oficinas, palestras e materiais informativos ajudam a ampliar a compreensão sobre cidadania digital, saúde mental e dependência de telas, tornando os pais parceiros da escola. Quando as famílias sentem que suas vozes são ouvidas e valorizadas, a cooperação aumenta significativamente”, afiança. A profissional da área lembra também da importância de monitorar o engajamento e promover ciclos contínuos de avaliação e feedback, envolvendo lideranças e profissionais da escola para fortalecer essa rede de apoio. “A tecnologia digital molda nosso comportamento e, quanto mais cedo aprendermos a conviver bem com ela, melhor prepararemos as futuras gerações para usufruir das oportunidades que a inteligência artificial e outras inovações oferecem”, defende.
Restringir o celular na escola não é eliminar a tecnologia
A longo prazo, na visão da educadora, a restrição do uso irrestrito de celulares nas escolas brasileiras promete transformar profundamente a cultura educacional do país. Pois, para a pedagoga e especialista em tecnologia educacional, essa medida cria condições favoráveis para que alunos e professores se concentrem mais no processo de aprendizagem. “Quando as distrações digitais são reduzidas, os estudantes retomam o contato com o ritmo das aulas e valorizam as interações presenciais, que são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e emocional”, constata. Somado a isso, esse ambiente favorece o fortalecimento das competências socioemocionais, como empatia, autorregulação e cooperação, habilidades essenciais para a vida escolar e social.
Por outro lado, a professora Juliana ressalta que restringir o uso dos celulares não significa eliminar do ambiente escolar a tecnologia. “Ela continua sendo uma grande aliada da educação, desde que usada com propósito pedagógico claro e de forma intencional pelos professores”, expõe. Também acrescenta que plataformas digitais, jogos educativos e metodologias ativas podem enriquecer as aulas, personalizar o ensino e estimular a autonomia dos alunos. “O desafio é integrar essas ferramentas de maneira consciente, para que elas ampliem as possibilidades de aprendizagem em vez de competir pela atenção dos estudantes”, complementa.
Essa transformação também abre caminho para uma educação digital crítica e ética, observa a pedagoga, ao explicar que preparar os alunos para um uso responsável e seguro da tecnologia é tão importante quanto desenvolver habilidades técnicas. “A Lei nº 15.100/2025 pode ser vista como um marco que inaugura uma nova fase na educação brasileira, mais equilibrada, inclusiva e alinhada às demandas do século XXI”, conclui, destacando que, dessa forma, a escola deixa de ser apenas transmissora de conteúdo e se torna um espaço de formação integral, onde o equilíbrio entre o digital e o presencial é cultivado de forma coletiva e consciente.
Por Antônia Figueiredo e Jéssica Almeida
Fernanda Cifali é formada em Pedagogia, com especialização em Gestão do Conhecimento, Psicopedagogia Institucional e Educação Especial, Neurociência Pedagógica e MBA em Gestão de Pessoas. Atua como Coordenadora Educacional do Colégio Santa Marcelina do Rio de Janeiro e possui mais de 30 anos de experiência em educação.
Cláudia S. da Silva é formada em Ciências Biológicas, possui pós-graduação em Trabalho, Tecnologia e Educação e atua como professora desde 2014.
Carlos Magno Oliveira Muniz é licenciado em Matemática e atua na Educação Básica, com turmas dos ensinos Fundamental e Médio, no Colégio Estadual Padre Anchieta.
Juliana Santos é palestrante, especialista em uso consciente de telas digitais, psicopedagoga, pedagoga, com graduação com licenciatura e bacharelado em Pedagogia – Uerj; Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional – Uerj, com especialização em Desenvolvimento infantil – CBI of Miami; Neurociência da Educação – CBI of Miami; Orientação de pais e cuidados com a família – Sociedade Alere de Desenvolvimento Humano. Contatos: (21) 99805-0439 – @juyanasantos.br
Alexandre Magno de Souza Almeida é educador, pesquisador e gestor escolar na rede pública do RJ, mestrando profissional em Administração pela UFF, Diretor-adjunto no Ciep 424, cocriador do Laboratório Lixo Zero (1º laboratório LZ escolar no ensino médio do Brasil) e coordena projetos premiados de inovação educacional com foco em gestão lixo zero em escolas e práticas antirracistas. É pesquisador do Instituto Lixo Zero Brasil.
Izabela de Fátima Bellini Neves é mestranda do Programa de Mestrado Profissional PPGEB-CAp-Uerj, Graduada em Matemática pela UFRJ, Especialista em Educação Matemática (UFRJ) e (Uerj), Docente da Educação Básica desde 1997 e membro dos grupos de pesquisa “Alfabetização Científica e Ensino de Física, Química, Biologia, Ciências e Matemática na Educação Básica”.
Penha de Fátima Pereira Zaidan é Diretora-geral do Colégio Estadual Elvídio Costa, em São Fidélis, profissional de Educação Física, pós-graduada em Educação física Escolar e Pedagoga.
Simone Porfiria é professora de Língua Portuguesa do Colégio Estadual Padre Anchieta e influenciadora digital.
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