O que a crise climática está ensinando às escolas?
Como as escolas podem formar cidadãos mais conscientes diante das mudanças climáticas? A resposta pode estar mais perto da natureza
Nos últimos anos, o aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos tem imposto novos desafios a escolas em todo o país. Temperaturas recordes, ondas de calor e chuvas intensas passaram a fazer parte do calendário letivo, exigindo que as instituições de educação se reinventem para garantir não apenas o bem-estar físico dos alunos, mas também a sua saúde emocional e formação cidadã. Em meio a esse cenário, escolas têm buscado integrar o tema das mudanças climáticas ao currículo, ao mesmo tempo em que implementam ações práticas, como hortas escolares e a valorização de espaços verdes.
A recente aprovação da Lei 14.926, que torna obrigatório o ensino das mudanças climáticas e da proteção à biodiversidade nas escolas brasileiras, reforça a urgência dessa transformação. Como essas diretrizes estão sendo aplicadas na prática? Quais estratégias já estão em curso? E de que maneira o ambiente natural ao redor das escolas influencia esse processo? A Revista Appai Educar conversou com especialistas para entender mais sobre o assunto e mostrar como as instituições de ensino podem se adaptar a essas mudanças climáticas. Confira!
Principais desafios enfrentados pelas escolas brasileiras
O ano letivo de 2025 começou em um cenário marcado por mudanças climáticas cada vez mais intensas. Calor extremo, escassez hídrica e fenômenos meteorológicos severos deixaram de ser casos isolados e passaram a fazer parte da rotina e das notícias do dia a dia. O coordenador pedagógico do Brazilian International School (BIS), Henrique Barreto Andrade Dias, ressalta que a crise ambiental impõe uma dupla tarefa às instituições de ensino: adaptar-se fisicamente às novas condições e reconfigurar os seus projetos pedagógicos para formar uma geração crítica, resiliente e comprometida com a sustentabilidade planetária.
De acordo com ele, o calor extremo tem impacto cognitivo comprovado. Estudos como o de Park et al. (2020), publicado na Nature Climate Change, revelam que o desempenho escolar diminui significativamente durante dias mais quentes. “Neste contexto, pensar a educação desvinculada das questões ambientais é não apenas imprudente, mas inconcebível. Como afirmou o IPCC (2023), as mudanças climáticas já estão afetando negativamente a saúde física e mental de populações, entre as quais se incluem crianças e jovens em idade escolar”, pontua Henrique.
O especialista ressalta ainda que a emergência climática não é mais um problema do futuro. É uma condição do presente. “Como educadores, temos o compromisso ético de preparar as próximas gerações não apenas para compreender o mundo, mas para transformá-lo. Como afirmou Paulo Freire (1996): ‘A educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. As pessoas transformam o mundo’. O Brazilian International School assume esse compromisso com seriedade, investindo na construção de uma escola que não apenas resista ao colapso, mas que forme sujeitos capazes de regenerar o planeta”, garante.
Sempre à frente nas buscas por soluções que minimizem esses impactos gerados pelo aumento expressivo das temperaturas, sobretudo neste início de ano letivo, a Secretaria de Estado de Educação, através da atual Coordenadora Estadual da Educação Ambiental da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão, Régina Galeno, compartilha algumas ações que vêm intensificando suas práticas no eixo de Formação em Educação Ambiental.
Régina Galeno detalha as iniciativas em curso, que buscam integrar toda a comunidade escolar em práticas sustentáveis e reflexivas diante das emergências climáticas. “No eixo Formação em Educação Ambiental os processos formativos oportunizados pela Coordenação de Educação Ambiental da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão objetivam desenvolver ação de formação continuada qualificando gestores, professores, funcionários e estudantes para consolidar a Educação Ambiental como educação de transformação, com a intencionalidade de educar para debates e tomadas de decisões individual e coletiva no que diz respeito às questões socioambientais locais e globais.”.
Ainda segundo Régina Galeno, uma das ações mais relevantes neste início de ano é a oferta de uma formação específica sobre mudanças climáticas e justiça ambiental. “Entre as ações desenvolvidas está o curso Educação Ambiental e Justiça Climática, com carga horária de 40h/aula com o objetivo de oferecer aos cursistas um ambiente de aprendizagem sobre as mudanças. A formação contribui para a construção de conhecimento produtivo, baseado em fatos e dados reais, bem como para ações e políticas de enfrentamento, adaptação e mitigação das consequentes transformações globais e locais, e resiliência emocional dos alunos.”.
A proposta se alinha ao compromisso da rede estadual de ensino com uma educação crítica e transformadora, que vai além do conteúdo em sala de aula e se estende ao enfrentamento dos desafios ambientais contemporâneos. Na visão da diretora pedagógica da Escola Bilíngue Aubrick, Teca Antunes, os principais desafios envolvem adequar a infraestrutura para garantir conforto térmico e segurança, rever rotinas pedagógicas diante de eventos inesperados e criar planos de contingência eficazes. “Temperaturas extremas podem afetar o bem-estar dos alunos, comprometendo a concentração, a disposição para atividades e até a alimentação. Na nossa escola, aumentamos a atenção a momentos de pausa para hidratação, por exemplo, e cuidamos para que atividades ao ar livre acontecessem em momentos de menor exposição ao sol”, frisa.
Escola adaptada para resistir a desastres naturais
A adaptação das estruturas físicas escolares é uma das primeiras linhas de atuação. O Banco Mundial (2022) recomenda, entre outras medidas, a instalação de sistemas passivos de ventilação, cobertura verde, captação de água da chuva, energia solar fotovoltaica e materiais com isolamento térmico adequado como ações de mitigação e adaptação essenciais em países tropicais. Henrique conta que, no Brazilian International School, estratégias como a instalação de painéis solares e a construção de espaços de sombra com vegetação nativa têm sido implementadas de modo progressivo, integrando infraestrutura e currículo.
Régina Galeno destaca que os ambientes verdes, nesse sentido, configuram-se como importantes ferramentas educativas no contexto escolar.
“Esse mesmo princípio pode ser aplicado às escolas do campo, especialmente se considerarmos a importância de um currículo escolar que promova a mediação entre a realidade local e os conteúdos abordados em sala de aula”.
Ensino obrigatório nas escolas
Com a promulgação da Lei 14.926/2024, torna-se obrigatório o ensino sobre mudanças climáticas e proteção da biodiversidade nas escolas brasileiras a partir de 2025. A legislação responde a uma demanda internacional, alinhando o país a compromissos como a Agenda 2030 da ONU. Segundo a pesquisadora Lucie Sauvé, “a educação ambiental deve assumir uma abordagem crítica, emancipatória e transversal, promovendo a leitura de mundo e não apenas de palavras”. Diante da crise climática global, a obrigatoriedade do tema nas escolas é vista como um passo essencial para preparar as futuras gerações. A legislação contribui para inserir de forma estruturada a educação climática no currículo, promovendo o desenvolvimento de competências voltadas à prevenção, adaptação, análise de riscos e preparação para situações emergenciais. É o que relata Régina Galeno.
“A Lei n° 14.926/24, que torna obrigatório o estudo das mudanças climáticas e da proteção da biodiversidade nas escolas brasileiras, introduz a educação climática no currículo escolar, garantindo a aprendizagem sobre prevenção, adaptação, riscos e preparação para situações emergenciais. Destaca-se, nesse processo, a necessidade de escolas sustentáveis e resilientes — aquelas que educam por meio do espaço físico, do currículo e da gestão, promovendo uma educação marcada por novos olhares e atitudes, enraizadas no diálogo, na esperança e nas partilhas coletivas.”.
Galeno enfatiza inclusive que essas escolas também provocam beleza, cuidado, respeito, inclusão, acolhimento e apoio socioemocional. “Ou seja, devem se consolidar como espaços que estabelecem pontos de reflexão sobre as questões climáticas e criam ações concretas para o enfrentamento de eventos extremos, promovendo ainda o gerenciamento do estresse e da ansiedade.”.
Como exemplo de iniciativa pública alinhada a esse objetivo, o Governo do Maranhão desenvolve o Programa de Educação Ambiental, acolhido no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, tendo como objetivo propor ações de Educação Ambiental Formal nas escolas da rede estadual, em todos os níveis e modalidades de ensino, atuando em três eixos de trabalho: 1 – Formação em Educação Ambiental; 2 – Fortalecimento das práticas sustentáveis nas escolas; 3 – Implantação de espaços e escolas sustentáveis. A proposta reforça o compromisso do poder público com uma educação transformadora, que prepara os estudantes para enfrentar os desafios ambientais do presente e do futuro com conhecimento, empatia e ação.
O coordenador pedagógico Henrique Barreto Andrade Dias afirma que o Brazilian International School (BIS) tem incorporado a temática de forma interdisciplinar, com projetos de investigação científica, trilhas ecológicas e vivências que conectam os alunos às dimensões éticas, políticas e socioambientais da crise climática.
A diretora pedagógica da Aubrick, Teca Antunes, reforça que, em sua unidade escolar, o tema das mudanças climáticas é trabalhado de forma integrada e contínua no currículo. “No Ensino Médio, há disciplinas específicas sobre o assunto, como ‘História e Ciência das Mudanças Climáticas’ e ‘Observatório Amazônico’. Desenvolvemos anualmente projetos investigativos sobre biodiversidade, uso da água e preservação dos ecossistemas. Na Educação Infantil, experiências práticas com horta, composteira e elementos naturais fazem parte do cotidiano. Defendemos uma abordagem que leve os alunos a compreender a complexidade da crise climática e a agir de forma crítica e propositiva.”.
Políticas públicas que apoiam as escolas
Entre as principais políticas públicas em vigor, destacam-se o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (MMA, 2016), a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.795/1999) e os incentivos do FNDE para infraestrutura sustentável. Contudo, a articulação efetiva dessas políticas no cotidiano das escolas ainda depende de articulação, financiamento contínuo e formação docente.
Resiliência emocional diante das adversidades climáticas
O coordenador pedagógico destaca que, para além das estruturas e dos currículos, há uma dimensão emocional que não pode ser ignorada. Eventos extremos afetam diretamente a saúde mental de crianças e adolescentes. Segundo o relatório Mental Health and Climate Change (Unicef, 2021), “as mudanças climáticas provocam estresse crônico, ansiedade antecipatória e sensação de impotência entre os jovens”. Diante de tal cenário, promover resiliência emocional tornou-se parte da prática pedagógica. Henrique destaca que na escola onde atua são desenvolvidas rodas de conversa, práticas de mindfulness e atividades de escuta qualificada que ajudam os alunos a nomearem e elaborarem as suas angústias diante da instabilidade climática.
Espaços verdes no ambiente escolar
Outras práticas que funcionam nas escolas são as hortas e os jardins pedagógicos. Além de servirem como estratégia de mitigação, com efeitos microclimáticos positivos, também ensinam a regeneração e o cuidado com a vida. Henrique aponta para um estudo em que se afirma: “estudantes expostos regularmente a espaços verdes apresentam melhores índices de atenção, comportamento pró-social e desempenho acadêmico”. Na escola onde atua esses espaços são integrados ao currículo de Ciências e Educação Ambiental, promovendo uma aprendizagem ativa, sensorial e contextualizada.
Ao contextualizar a temática, Régina Galeno, Coordenadora Estadual da Educação Ambiental da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão, defende que as hortas escolares e espaços verdes – dentro ou ao redor das escolas – podem contribuir significativamente para minimizar esses impactos. “No eixo Fortalecimento de Práticas Sustentáveis nas escolas há o apoio para construção de hortas escolares propiciando aos estudantes a vivência e o contato com os recursos naturais, despertando posturas responsáveis diante do meio ambiente, valorizando o trabalho em equipe e contribuindo para o processo ensino-aprendizagem. O eixo é um importante instrumento de regulação da ansiedade, pois proporciona momentos de lazer e distração, de vida ao ar livre e em contato com a natureza”, assegura.
Além de validar a presença desses ambientes, Teca Antunes explica muitas de suas funções. “Esses espaços ajudam a regular o microclima da escola, amenizando o calor e melhorando a qualidade do ar. Além disso, promovem o contato direto com a natureza e seu cuidado, essencial para o bem-estar físico e emocional dos alunos. As hortas, em especial, incentivam a alimentação saudável, o respeito ao ciclo da vida e o entendimento prático sobre sustentabilidade e reaproveitamento de recursos. São também ambientes de aprendizado interdisciplinares, que conectam ciências, matemática, artes e cidadania.”.
Escolas em áreas rurais apresentam vantagens?
E por falar em hortas e espaços verdes, as escolas localizadas em áreas rurais tendem a ter acesso facilitado à vegetação, solos cultiváveis e recursos hídricos naturais, o que costuma favorecer uma maior resiliência climática. Na visão de Régina Galeno, não se trata de diferenciar escolas localizadas na zona rural e aquelas situadas no espaço urbano, no que diz respeito à abordagem da Educação Ambiental. “Portanto, é necessário, primeiramente, refletir sobre essa ausência de diferenciação, uma vez que, mesmo nas escolas urbanas, é possível implementar estratégias e instrumentos que contribuam para a consolidação dos objetivos da Educação Ambiental e promovam a justiça ambiental no espaço escolar.
Essas estratégias, segundo Galeno, podem se basear na utilização de lugares como parques e jardins escolares, que permitam o envolvimento pedagógico de crianças e jovens em ações educativas voltadas ao cuidado com o meio ambiente. Portanto, a centralidade da Educação Ambiental está na proposta pedagógica das escolas, e essa abordagem permite uma maior aproximação dos estudantes com os saberes tradicionais e com o meio ambiente.
Já Henrique, destacando a ideia expressa por vários pesquisadores, afirma que “essa vantagem ecológica muitas vezes é neutralizada por um histórico de abandono em termos de investimento público e infraestrutura educacional”. Ele ressalta que ainda assim essas escolas podem se tornar laboratórios vivos de práticas agroecológicas, com forte potencial para articular saberes tradicionais e ciência contemporânea em prol da sustentabilidade.
A diretora pedagógica Teca Antunes observa que, embora enfrentem mais desafios, instituições de ensino em áreas urbanas também podem cultivar uma educação ambiental significativa. “Essas escolas costumam ter acesso mais direto a recursos naturais, espaços amplos e menos áreas impermeabilizadas, o que pode facilitar a implementação de práticas sustentáveis como compostagem, hortas e reaproveitamento de água. A proximidade com a natureza também favorece o desenvolvimento de uma consciência ambiental vivencial, com impactos positivos no engajamento dos alunos. Já aquelas em áreas urbanas terão que construir caminhos para garantir que seus alunos também desenvolvam as habilidades relacionadas à resiliência climática tão necessárias atualmente. Saídas pedagógicas e estudos do meio são estratégias que colocam os estudantes em contato direto com a natureza e que produzem efeitos muito importantes na reflexão dos alunos sobre o tema em função da vivência que experimentam”, afirma.
Participação ativa da comunidade escolar
Para Henrique, a participação da comunidade escolar é decisiva para a eficácia de ações adaptativas. Segundo a Unesco (2021), “escolas que envolvem famílias, organizações locais e conselhos escolares em seus projetos ambientais têm maior sucesso na implementação e continuidade de suas ações”. O Brazilian International School (BIS) tem fortalecido esse eixo por meio de projetos, mostras culturais e parcerias com universidades.
Na Escola Bilíngue Aubrick, Teca Antunes destaca que educar para a sustentabilidade é também fortalecer redes de apoio. O envolvimento da comunidade escolar acontece por meio de campanhas, ações práticas e eventos que aproximam as famílias das discussões ambientais. A escola promove mutirões de limpeza, oficinas de reaproveitamento e parcerias com cooperativas e ONGs, integrando famílias e comunidade em soluções sustentáveis com impacto coletivo.
Quer saber mais?
Na Revista Appai Educar, já publicamos um e-book exclusivo sobre Educação Ambiental, explorando os desafios, estratégias e o potencial transformador dessa abordagem essencial para o ensino contemporâneo. Também produzimos uma matéria especial sobre o impacto das mudanças climáticas na sala de aula, mostrando como o aumento das temperaturas e eventos naturais extremos podem afetar o desenvolvimento e a aprendizagem dos estudantes.
E você, professor? Já colocou esse tema em prática? Sua escola tem adotado alguma iniciativa para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas? Compartilhe sua experiência com a nossa equipe pelos e-mails redacao@appai.org.br ou jornaleducar@appai.org.br. Vamos adorar conhecer e divulgar o seu trabalho!
Por Antônia Figueiredo e Jéssica Almeida
Fontes:
Régina Galeno é a atual Coordenadora Estadual da Educação Ambiental da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (Seduc). Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Especialista em Metodologia em Docência do Ensino Superior pelo Centro de Ensino Unificado do Maranhão (Ceuma), também atuou como Conselheira do Conselho Estadual de Educação de 2015 a 2023.
Teca Antunes
Henrique Barreto
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