Comunicação não violenta nas escolas
Descubra como aplicar essa abordagem no ambiente escolar e se de fato ela tem acontecido no cotidiano do educador
Na rotina escolar, é normal o educador ter que lidar com conflitos ou situações adversas, como a indisciplina ou briga entre alunos. Por isso, é importante falar sobre a Comunicação Não Violenta (CNV) nas escolas, a fim de preparar o professor para que ele consiga lidar com a situação da melhor forma possível. Afinal, na maioria das vezes a abordagem feita tendo como base a empatia e a compaixão acabam sendo mais eficientes na resolução dos problemas. Vem descobrir tudo sobre essa abordagem e se ela de fato tem acontecido nas escolas!
Para começo de conversa vamos entender o que é a Comunicação Não Violenta (CNV) e como ela pode influenciar no cotidiano do educador. Já sabemos que a maneira como nos expressamos, opinamos e resolvemos conflitos pode influenciar no resultado de uma ação no ambiente escolar. Por isso, muitas escolas vêm adotando esse método para ter resultados mais efetivos. O intuito da CNV é iniciar uma conversa sem estar na defensiva, chegar para o diálogo de forma aberta e empática, de maneira que a conexão com o outro possa ser criada naturalmente.
Antes de tudo é um exercício de empatia
A ideia da comunicação não-violenta e seus conceitos mais importantes foram desenvolvidos pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg. Ele é autor do livro “Comunicação Não-Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”, um dos principais sobre o assunto. Além disso, ele ministrou palestras sobre o tema e trabalhou até em negociações de paz internacionais, empregando suas técnicas.
Um dos pontos mais importantes da teoria de Rosenberg é entender que todas as pessoas têm necessidades e que estas, geralmente, não são conflitantes. Os conflitos surgem a partir das estratégias diferentes que cada pessoa ou grupo utiliza para atender às necessidades. Assim, entendemos que a comunicação não-violenta é, antes de tudo, um exercício de empatia: aceitar que o outro também tem suas demandas e que elas merecem respeito.
Com isso em mente, também é importante entender que muito da violência que praticamos no dia a dia acontece sem que percebamos: afinal, é da natureza humana seguir padrões de defesa, recuo ou ataque quando há um conflito. A comunicação não-violenta, portanto, propõe substituir esses padrões por outros, mais positivos, utilizando a empatia como principal recurso para isso.
A ideia é prestar atenção aos seus sentimentos e também aos do outro, buscando entender quais são as emoções e necessidades que estão por trás do conflito, sem julgamentos. Dessa forma, é possível encontrar um denominador comum e propor soluções mais efetivas. Em vista disso, observamos outro pilar da comunicação não-violenta: ela evita rótulos ou soluções simplistas como “essa pessoa é difícil” ou “isso é birra”.
Nós sabemos que, em meio aos conflitos do dia a dia, esse tipo de comentário pode sair sem que você perceba ou fale por mal. Mas não podemos esquecer que a comunicação não-violenta propõe uma mudança das reações humanas de defesa, recuo ou ataque. Para que ela salte da teoria para a prática, é necessário fazer exercícios conscientes e constantes.
Os quatro pilares da CNV
Existem dois pontos de partida para começar a praticar a Comunicação Não Violenta em sala de aula: ter empatia e propor soluções positivas. Na medida em que você se dispõe a ouvir as outras pessoas e mantém uma postura mais positiva, fica muito mais fácil aplicar a teoria da CNV na prática. Vem entender mais sobre os quatro pilares:
1) Observação sem julgamentos: quando você falar sobre alguma situação, faça isso de forma objetiva e precisa, se atendo aos fatos ocorridos e os separando dos julgamentos ou avaliações. Também evite dizer que alguém é isso ou aquilo, quando aquela pode ser uma situação pontual.
2) Sentimentos: reconheça os sentimentos que estão por trás das situações. Procure entender o motivo da situação e o que levou uma determinada pessoa a agir daquela forma. Isso inclui também os sentimentos dos professores. Se um aluno foi desrespeitoso com você em sala de aula, exponha como aquilo te afeta. Isso dá a oportunidade para que o estudante também exerça a empatia dele com você.
3) Necessidades: são a raiz dos nossos sentimentos. Entenda quais delas estão ou não sendo atendidas, pois compartilhá-las facilita o processo de empatia. Compreendendo quais necessidades existem, fica mais fácil encontrar maneiras de satisfazê-las, não é? E lembre-se de não terceirizar os sentimentos. Exemplo: “eu não estou triste porque você me xingou, eu estou triste porque EU gostaria de me sentir mais respeitado”.
4) Pedido: a ideia é evitar frases vagas, já que aqui também é importante fazer um pedido claro para a resolução do conflito. Ou seja, expor o que você deseja de forma prática. Mas atenção: isso deve ser feito sem que se faça uma exigência agressiva. Um exemplo é trocar frases como “essa nota é muito baixa!” por outras como “eu gostaria que você tivesse um desempenho melhor nas tarefas escolares. Há algo que eu possa fazer para ajudar?”.
Parece uma mudança de perspectiva simples, mas todos os detalhes importam quando estamos falando de comunicação não-violenta.
A importância da CNV nas escolas
De acordo com a Mestra em Psicanálise, Saúde e Sociedade Cristiane Guedes, o exercício da CNV está diretamente relacionado àquilo que necessitamos para interação social e o que não é favorável para a interação social. “Quando experimentamos a técnica de CNV, construímos a aptidão para socializar com os demais na comunidade educativa. E quando entendemos as estruturas de comunicação sendo modificadas em nós, conseguimos observar também nos jovens no cotidiano nas escolas. É um trabalho de mudança de padrão de comunicação. Para tanto, o engajamento de toda a equipe escolar é fundamental para que se insira no ambiente a comunicação não violenta”, detalha.
A especialista explica que o ambiente educativo que se compromete com a transformação de um padrão de comunicação deve estar sempre atento às mudanças de alguns hábitos pertencentes ao indivíduo. “Observar que isso contribui para a saúde mental de toda a comunidade educativa. A prática da CNV nos convida a uma mudança de padrão no processo de acolhimento das relações de conflito. Na escola, pratique a escuta ativa com os demais e principalmente com os alunos. Observe-os sem pré-julgamentos ou avaliações, pois estas estão calcadas nas necessidades individuais. Um equívoco aí pode comprometer e não permitir que se chegue a uma eficiência na escuta”, orienta.
Cristiane ressalta ainda que o ambiente sugerido pela CNV se estende para o cotidiano, não só da escola, mas também para as famílias. Quando há a prática, há também a minimização dos conflitos pessoais e isso se estende também para a parentela dos profissionais educacionais envolvidos. “É uma mudança de comportamento para a comunicação que muito auxilia no bom relacionamento entre as pessoas, aliviando assim os desgastes emocionais que originam o isolamento social que muito contribui para os quadros de depressão”, garante.
As escolas vêm adotando esse conceito?
A professora dos anos iniciais Vilma Soares conta que começou a utilizar os recursos da CNV em 2019, assim que assumiu a turma de alfabetização que apresentava sérios problemas de relacionamento. “Nos primeiros dias de aula observei o comportamento dos alunos, que era bem agressivo, e pratiquei a escuta ativa para entender o que os levava a se comportar daquela maneira. A princípio fiquei mediando os conflitos que eram constantes e depois pensei em realizar um projeto que envolvesse a família e o aluno, pois percebi que faltava também afetividade nas relações familiares”, relata.
Foi quando nasceu o projeto Laços entre Nós, um trabalho antibullyng com intuito de criar uma cultura de paz na sala de aula através da empatia e da afetividade, valorizando as diferenças, através da expressão de sentimentos. A educadora conta que o primeiro passo foi envolver a família nas atividades de forma afetuosa, criando um ambiente de carinho, respeito e afeto. “Em uma reunião com os responsáveis apresentei uma atividade que realizei com os alunos, na qual eles escreveram por meio de um bilhete o que eles mais gostavam em quem cuidava deles. Cada um leu o que seu filho mais admirava nele e nessa reunião sugeri que os responsáveis fizessem o mesmo. A partir desses bilhetinhos afetuosos trabalhei tanto a escrita do aluno quanto a comunicação não violenta”, explica Vilma.
Depois dessa atividade com os responsáveis, chegou a vez de realizar um trabalho entre os colegas da turma! Eles criaram um painel com fotos de cada estudante e abaixo das fotos os alunos escreviam adjetivos positivos, funcionando como uma troca de gentileza. “Começamos nesse momento a realizar o oposto que vinha sendo feito, que era falar bem um dos outros”, conta a professora. Outra atividade que surtiu muito efeito, segundo ela, foi o caderno de elogios, que circulou na sala, onde cada estudante escrevia um elogio para seu colega e deixava registrada a sua admiração pelo outro.
Além dessas atividades, a professora realizou uma roda de conversa e nela cada um escolhia um colega que não havia escolhido antes em nenhuma das atividades anteriores e falava para o grupo suas características positivas. A intenção era que cada um falasse o lado positivo de um maior número de colegas da sala, evitando repetições, e que todos fossem contemplados, ninguém ficando de fora das dinâmicas. “Após essas atividades fui percebendo que as relações interpessoais melhoraram significativamente, e toda a escola pôde constatar a melhora de comportamento da turma, que beirava à agressividade e foi se transformando em um grupo empático e acolhedor”, garante a educadora.
CNV nas escolas é fato ou fake?
Para Vilma Soares, a Comunicação Não Violenta é um fato que ela pôde experimentar na Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, em Duque de Caxias, e que faz toda a diferença no ambiente de aprendizagem. “Todos sabem que a afetividade é algo que interfere diretamente na aprendizagem dos alunos, e criar um ambiente saudável, não violento, é algo que contribuiu positivamente na aprendizagem dos alunos. Ninguém consegue aprender num meio violento, onde ninguém se respeita e em que a todo momento o professor precisa interromper para mediar conflitos. Construir uma cultura de paz tanto na escola quanto na sala de aula é algo imprescindível para o desenvolvimento da inteligência emocional”, finaliza a professora.
Por Jéssica Almeida
*Cristiane Guedes é Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade, com especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, e em Dificuldade de Aprendizagem. Além disso, também é especialista em Orientação Profissional/Vocacional e em Neuropsicologia. É palestrante para pais, educadores e professores. Contato: criguedes@hotmail.com
Fonte: Canal de Educação Transformando.
Fotos: Banco de imagens gratuitas do Freepik.
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