Falando sobre a Síndrome de Down

Por Rogério Drago*


O Dia Internacional da Síndrome de Down é comemorado em 21 de março. Boa oportunidade para falarmos sobre o assunto. Este artigo busca discutir alguns aspectos acerca da educação de crianças com a síndrome no contexto da escola comum. No tocante à aprendizagem relacionada ao ensino regular de crianças com deficiência no Brasil, percebo que há uma descontinuidade de ações. Essa descontinuidade está relacionada, por exemplo, à falta de investimento na formação inicial e continuada dos profissionais da educação; à falta de uma política educacional séria, que acaba, muitas vezes, colocando a culpa pelo fracasso escolar no aluno e/ou na família (em suas mais variadas conformações); a falta do incremento da infraestrutura física e material das escolas, muitas vezes sucateadas, com poucos recursos de aprendizagem, materiais obsoletos, dentre outras precariedades que culminam com uma desqualificação da ação docente referente à aprendizagem do aluno, até por que, se o professor não se atualiza, como poderá atualizar seu aluno? Pensar a aprendizagem dos alunos que compõem o público-alvo da educação especial hoje, é pensar numa vasta gama de processos que vão muito além da escola em si, pois o lócus de aprendizagem é muito mais amplo do que o prédio escolar. 

Sobre o desenvolvimento das metodologias em favor da aprendizagem voltada para crianças e adultos com Síndrome de Down, se atentarmos que esta síndrome é a principal causa genética da deficiência intelectual no Brasil, como vários estudos têm demonstrado, temos que pensar que, ao estar fora da escola e dos processos sistemáticos de ensino e aprendizagem, esses sujeitos sociais estão tendo seu direito à educação, preconizado pela Constituição Federal de 1988, negado. Se esse direito não está sendo respeitado, tem-se deixado de lado uma parcela significativa da população brasileira. Em outros países tão desenvolvidos quanto o Brasil, esses indivíduos estão nas escolas, estão trabalhando, estão exercendo sua cidadania de modo amplo e irrestrito. O que acontece no Brasil é, infelizmente, um processo cruel de discriminação a tudo aquilo que foge ao suposto padrão de perfeição, que em minha opinião não existe. No Brasil excluem-se, por imaginários sociais equivocados, o índio, o negro, a mulher, o que não professa uma religião de matriz cristã e as pessoas com deficiência.  

Na verdade, não há uma metodologia para ensinar pessoas com deficiência, há uma mudança de postura perante as pessoas. Ou seja, se eu acredito no potencial das pessoas independente de quaisquer características de ordem social, física, sensorial, intelectual, dentre outras, eu desenvolvo um processo educacional que valoriza esse sujeito. Entretanto, se eu não acredito no potencial em função de uma pseudoverdade que vem escrita muitas vezes em um laudo feito de qualquer modo, não adianta método algum, que nada mudará. A inclusão não requer métodos, requer postura democrática, estudo, planejamento, políticas públicas sérias, não brincar de escolinha. 

Pela legislação brasileira, que por sinal é uma das mais atuais e inclusivas do mundo, desde a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96 – passando por decretos, resoluções e políticas educacionais até o novo Plano Nacional de Educação e o Estatuto da Pessoa com deficiência –, temos percebido um processo de aprimoramento e entendimento (ao menos na lei) do que seja o processo educativo das pessoas que hoje compõem o público-alvo da educação especial. Essa legislação deixa claro quais são os deveres da Federação, dos estados, municípios e escolas no tocante à educação desses indivíduos. Entretanto, sabemos que no Brasil as coisas seguem caminhos muitas vezes ambíguos e paradoxais, ou seja, não se concretizam como preconizado pela Lei. Dentre os apoios oferecidos, a legislação é clara em relação ao Atendimento Educacional Especializado; às propostas de acesso, permanência e saída com sucesso da escola; às propostas de formação inicial e continuada dos diferentes profissionais da educação, dentre outras ações inclusivas. O problema é novamente a postura diante da diversidade. Se eu não acredito no potencial, para que investir recursos? 

Tanto as escolas quanto os profissionais da educação estão meio perdidos, já que quase sempre são culpabilizados. Mas esquece-se de que, se o poder público breca ações, a escola fica engessada. Nas escolas públicas, quem distribui os recursos, quem é responsável pela formação continuada, construção e reforma de escolas, contratação de professores, implementação de atendimento educacional especializado, dentre outras ações, é o poder executivo. Nas escolas privadas, é o dono da escola. Assim, os professores muitas vezes ficam de mão atadas. O que pode e deve ser feito é uma conscientização de que a educação é direito de TODOS, independentemente de qualquer peculiaridade supostamente impeditiva. 

Conheço muitos casos de pessoas com síndrome de Down que “nadaram contra a corrente”. São indivíduos que encontraram escolas inclusivas, professores inclusivos, profissionais que percebiam o sujeito para além da casca, que viam potencialidade nessas pessoas. Temos vários estudos que demonstram isso. Eu orientei um trabalho de mestrado que mostrava o potencial inclusivo vivido por um bebê com síndrome de Down na educação infantil. Se fizermos uma pesquisa nos bancos de dissertações e teses disponíveis na Capes, no Scielo, dentre outros bancos de programas de pós-graduações, veremos muitos estudos que mostram o sucesso de ações educacionais sérias e compromissadas, tendo sujeitos com síndrome de Down na escola comum se desenvolvendo cognitivamente, aprendendo conceitos abstratos. O estudo que orientei, por exemplo, está disponível no banco de pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito santo e traz detalhadamente o cotidiano vivido por um bebê matriculado na educação infantil. Mas também conheço muitos outros casos de alunos matriculados em redes de ensino públicas e privadas do meu estado (Espírito Santo) que têm chegado a níveis mais altos de ensino, tendo síndrome de Down. 

Já passou da hora de aprimorarmos no Brasil a ideia da inclusão de sujeitos que compõem o público-alvo da educação especial, e nesse grupo ser inseridos aqueles que apresentam síndrome de Down, como um processo de construção ininterrupta desse sujeito como um ser histórico e cultural, pois, ao considerar esses indivíduos como sujeitos que aprendem e se desenvolvem nas relações que estabelecem com a cultura e com os outros sujeitos que estão ao seu redor, salienta-se que a pessoa com deficiência intelectual causada pela síndrome de Down, por exemplo, como ser humano genérico, apresenta como todos os outros sujeitos condições de vida distintas, entretanto marcadas por funções psicológicas que a diferenciam dos outros animais.  

Nesse contexto, pode-se ressaltar que esta pessoa aprende e se desenvolve na medida em que desenvolve suas funções psicológicas superiores – percepção, linguagem, vontade, emoção, memória, pensamento, imaginação, dentre outras –, ou seja, como qualquer outro ser humano. Se deixarmos de lado qualquer pessoa e não oferecermos a ela condições de aprendizagem, ela pode não ter deficiência alguma, que mesmo assim seu processo educacional será deficiente. Nesse contexto, saliento: está em nossas mãos a mudança de paradigma da exclusão para a inclusão. Os contextos legais, as pesquisas estão aí, resta-nos pô-las em prática. 


*Rogério Drago é pedagogo, mestre em Educação, doutor em Ciências Humanas – Educação. Tem pós-doutorado em Educação. Autor dos livros “Inclusão na Educação Infantil”, “Estudos e pesquisas sobre síndromes. Relatos de casos” e “Síndromes. Conhecer, planejar e incluir”. Publicados pela Wak Editora. 


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