Revista Appai Educar
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Língua Portuguesa
Sandro Gomes*
A África nos processos de formação de
palavras “brasileiras”
*Sandro Gomes
é Graduado em Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa, Revisor da
Revista Appai Educar, Escritor e mestrando em Literatura Brasileira.
Amigo leitor, dúvidas, sugestões e comentários podem ser enviados para a redação da Revista Appai
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:
redacao@appai.org.br.
D
ando continuidade ao nosso estudo da influência dos idiomas africanos no português brasileiro, vamos agora
abordar alguns processos pelos quais os falares próprios dos povos trazidos pelo tráfico negreiro influen-
ciaram o modo como utilizamos a língua portuguesa em nosso país. Vamos perceber que vários fenômenos
linguísticos estudados e descritos por pesquisadores entraram em ação nesse processo que desenvolveu a
nossa maneira de falar. Você vai notar que está em terreno bem familiar.
A
Dissimilação
, processo de mudança linguística em
que há a troca de um ou mais fonemas, resultando em um
diferente, é um desses casos. A palavra
nego
(
negro
) é um
bom exemplo. É conhecida dos estudiosos da língua portu-
guesa a dificuldade de alguns falantes de idiomas vindos da
África de pronunciar certos grupos consonantais. O resultado,
nesse caso, foi a supressão do
r
, provocando mudança no
próprio radical, como se pode ver nos processos de derivação
(
negão
,
neguinho
etc.). Oriunda da forma de falar popular,
hoje transformou-se numa expressão nacional, inclusive nem
sempre se referindo ao cidadão de origem afrodescendente.
Outro caso é o da
Aférese
, que ocorre quando há uma
supressão de fonemas no início da palavra. São atribuídas
aos falares africanos formas como
tá
(
está
), falada genera-
lizadamente em todo o país, e
ocê
(
você
), muito praticada
em algumas regiões brasileiras.
A alteração nos ditongos
ei
e
ou
, processo conhecido
como
Redução
, também atribuída à pronúncia de falantes
africanos, é outro fato bastante presente em nosso cotidia-
no. Deu origem a pronúncias como
chero
em vez de
cheiro
e
loco
no lugar de
louco
.
Em um falar bem típico do homem do interior do Brasil
ocorre o processo conhecido como
Apócope
, a supressão de
fonemas, principalmente o
l
e o
r
, no final das palavras. São
os casos de vocábulos como
generá
(
general
) e
mé
(
mel
),
muito usados na fala espontânea de muitos habitantes de
certas regiões do país, independente da escolaridade e do
domínio da norma culta.
Em outro processo muito comum na fala registrada pelo
interior brasileiro encontramos termos como
muié
(
mulher
)
e
oiada
(
olhada
), resultantes de
Vocalização
(no caso
com a substituição do
lh
pelo
i
), processo que consiste em
empregar fonemas nos quais predominam sons vocálicos
no lugar daqueles que originalmente mantinham sons
consonantais. Devemos a esse processo a própria forma
de pronunciarmos o nome do nosso país:
Brasiu
, com
u
no final em substituição ao
l
, pronunciado de modo muito
palatal pelos portugueses.
Como um último exemplo de processos de formação
de palavras influenciado pelas línguas oriundas da África,
citamos a
Ditongação
, que representa a inclusão de uma
semivogal ao lado de uma vogal já existente, formando um
ditongo. Palavras como
mês
ou
paz
, que em muitos pontos
do país se pronuncia como se houvesse a inclusão de um
i
(
meis
,
paiz
), são alguns exemplos.
Alguns dos casos citados acima ocorrem com muita
frequência na fala popular de áreas menos atingidas pela
cultura urbana, o que em nada reduz seu valor linguísti-
co, haja vista o que tais formas de expressão passaram a
representar em termos estéticos, quando trabalhadas por
nossos grandes expoentes da literatura. Ainda nessa série
de matérias sobre a influência dos falantes africanos no
português brasileiro vamos abordar alguns casos.
Amigos, sobre os processos de formação de palavras
que foram empregados, marcando a influência das línguas
africanas no nosso modo de falar o português, é isso. Na
próxima edição vamos conhecer como foram as contribui-
ções dos falantes oriundos do outro lado do Atlântico nos
campos da morfologia e da sintaxe. Até a próxima, pessoal!