"Mamãe, eu quelo água!". Todos os dias, milhares de criança repetem a mesma frase sem sequer terem noção da falha demonstrada na articulação do fonema /r/. Esta troca de letras considerada bonitinha pelos pais, que adoram comentar com amigos os feitos dos filhos e incentivar as crianças a repetirem em eventos os erros que cometem, pode ser típica da idade ou de uma fase de transição de linguagem. Mas, segundo especialistas em Fonoaudiologia, tal confusão entre sons, se apresentada por crianças de 5 anos ou mais, pode representar um distúrbio da fala.

Um estudo realizado por cientistas da Universidade de Illinois para verificar alterações de comunicação tais como distúrbios da voz, da fala, da fluência e da audição em crianças da pré-escola indicou que 70% não apresentavam alterações. Mas, dos 30% restantes, 18% apresentavam alterações da voz, 7,5% alteração da fala e 4% alteração da fluência da fala. A pesquisa causou alarde entre pais e professores e despertou neles incontáveis dúvidas. "O que fazer para detectar o problema? Em qual idade a manifestação de distúrbios de linguagem da criança é ou não problemática? Caberia aos professores alertar os pais de alunos sobre o problema e promover a sua solução?"

A mesma pesquisa, realizada no Rio de Janeiro por nossa equipe de reportagem, aponta um grave despreparo nas escolas para encararem o problema. Quase 100% contam com profissionais de apoio como psicólogos, nutricionistas, pedagogos e pediatras, na diretoria, no quadro de pessoal ou como colaboradores. Porém, quase nenhuma conta com a presença ou colaboração de um fonoaudiólogo. Quando é o caso, ele se restringe a triagens, orientações e encaminhamentos. E a falta deste profissional atuando efetivamente pode implicar a detecção tardia de distúrbios de linguagem e acarretar atraso no desenvolvimento curricular do aluno.

De acordo com a fonoaudióloga Karla Simão Araújo, pais e professores são os maiores estimuladores dos alunos no processo de desenvolvimento da linguagem e lhes servem de modelo no que se refere à articulação de sons e palavras. Mas o contato com eles nem sempre é suficiente para garantir uma comunicação perfeita às crianças. Muitas vezes, é preciso também que entrem em ação um fonoaudiólogo, especialista no estudo da fonação, da audição, de suas perturbações e do tratamento delas, ou um ortodontista, profissional que se ocupa da prevenção contra defeitos de posição dos dentes, problemas craniais e faciais a eles associados e promove a correção destes problemas.

"Quando realizamos a avaliação da criança, observamos as condições estruturais de lábios, língua, palato, bochechas e dentes, as oclusões dentárias (fechamento da boca), além da funcionalidade destes órgãos ao falar, mastigar e deglutir. E sempre que nos deparamos com alterações de arcadas e/ou de oclusões dentárias, encaminhamos a criança imediatamente ao ortodontista, por acreditarmos que tais alterações irão afetar diretamente as funções orais" - diz Karla. Afinal, o trabalho integrado ao de outros profissionais, que possibilita a troca freqüente de informações, é a melhor solução para acelerar o tratamento.

Detectando distúrbios fonoaudiológicos e ortodônticos

A fala é o mais refinado dos comportamentos seqüenciais e neuromotores complexos do ser humano. Adquirida cedo na vida, pode determinar grandemente nossa maior ou menor capacidade de escrever mais tarde. Por isto, professores, principalmente do Ensino Fundamental, devem ficar atentos às trocas de letras e fonemas.

 

 

A denominação "distúrbios da fala", segundo o fonoaudiologista Borel Maisony, é dada sempre que se manifesta uma anomalia na expressão oral. Ela pode ser: sensorial (relacionada aos sentidos), orgânica (acarretada por malformação ou distúrbio neurológico), funcional (decorrente da não-descoberta do movimento adaptado ao som que deve ser emitido) ou, ainda, perceptiva (conseqüência da não-apreciação de uma estrutura fonética ou uma seqüência de fonemas).

Por isto, a observação da criança é importantíssima. Deve ser levado em conta se ela articula bem as palavras ou faz trocas de letras freqüentes, se sua fala não é muito infantilizada, se ela ouve bem. Muitas vezes, uma perda auditiva, mesmo que transitória (decorrente, por exemplo, de uma otite média) pode dificultar a discriminação auditiva e, conseqüentemente, a fala.

A fonoaudióloga Karla Simão esclarece que pronunciamos as primeiras palavras geralmente dos 12 aos 18 meses. Aos 24 meses, devem ser formadas as primeiras frases curtas, do tipo "neném quer". No entanto, não é raro observar discretos atrasos no desenvolvimento da linguagem, o que pode ser considerado normal se não afetar por muito tempo a comunicação verbal. No caso, porém, de uma criança não falar aos 2 anos e 6 meses por exemplo, os pais devem ser orientados a procurar ajuda profissional para a realização de uma investigação aprofundada e do tratamento adequado, caso seja necessário. Aos quatro anos, todos os fonemas já devem estar instalados. É comum existir certa dificuldade em relação à pronúncia do fonema /r/ presente em grupos consonantais de palavras como "prato", "graça", "cria", mas somente até 4 anos e 6 meses, ou um pouco mais. No caso de os problemas apresentados serem de ordem ortodôntica, é preciso também estar atento. A criança, por exemplo, pode não encaixar os dentes devidamente ao fechar a boca, projetar a língua e prejudicar a articulação de fonemas como /t/, /d/, /n/, /s/ e /z/. Estas dificuldades se refletirão na leitura e na escrita, pois a criança não terá a imagem da correta articulação daqueles grafemas (sons da escrita). E somente uma ortodontista poderá corrigir a inadequação do abrimento ou do fechamento da boca da criança e o encaixe dos dentes dela mediante a colocação de aparelhos fixos ou removíveis. Em outros casos, a criança pode apresentar interposição lingual, isto é, falar com a língua entre os dentes. Aí o tratamento deverá associar a Ortondontia à Fonoaudiologia para resolver um problema tanto estético como na formação da linguagem.

Para a ortodontista Márcia Cunha, quanto mais cedo pais e professores procurarem ajuda de profissionais melhor será. Ela explica o porquê: "A detecção de um problema como a expansão maxilar, por exemplo, deve ser realizada até determinado período, pois quanto mais tarde o tratamento começar, maior dificuldade o profissional terá para tratar do caso", diz ela. Daí recomendar como cuidado básico na infância a consulta periódica ao odontopediatra. A ortodontia, afinal, é um ramo da Odontologia e o odontopediatra tem preparo para atender casos relacionados à Pediatria e à Odontologia, encaminhando a criança ao Ortodentista, em caso de necessidade. Por tudo isto, a observação contínua da criança é primordial. Pais e professores devem prestar atenção a como a criança fala, usa os lábios e as língua (vale lembrar que a projeção lingual anterior é comum no início do aprendizado da fala), e como se comunica globalmente. Da mesma forma, fonoaudiólogos e dentistas devem fazer a sua parte nas escolas, atentos aos distúrbios da fala, pois Saúde e Educação devem ser aliados.

Dicas para pais e professores

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