Basta uma perguntinha, uma só, para provocar pânico na sala de aula, risadas nervosas e haver professores gaguejando e aquele constrangimento geral que acompanha os assuntos 'proibidos':

"Tia, como é que eu fui parar na barriga da minha mãe?"

Já ouviu alguma pergunta como esta? Que tal: "Por que eu não tenho um pintinho como ele?" "Por onde ela faz xixi?" "O que aqueles cachorrinhos estão fazendo?" Alguns anos mais tarde, as perguntas são outras, mas o assunto é o mesmo: "A gente pode engravidar mesmo se não fizer 'tudo'?" "Uma menina pode perder a virgindade se masturbando?" "Alguém pega Aids fazendo sexo oral?" Se você imaginou essas perguntas saindo da boca de algum de seus alunos bem no meio de uma aula de Ciências, por exemplo, sabe muito bem a "sinuca de bico" em que se encontra. Neste momento, uma única frase passa como um relâmpago, pela cabeça do professor:

"E agora, o que é que eu digo?

Por Caco Xavier

Falar sobre sexualidade não é tarefa agradável para muitos educadores. Está lá, nos Parâmetros Curriculares do Ministério da Educação: "Para um bom trabalho de Orientação Sexual, é necessário... que o professor se mostre disponível para conversar a respeito das questões apresentadas, não emita juízo de valor... e responda às perguntas de forma direta e esclarecedora". Fácil, não? Sabemos muito bem que não é assim tão fácil.

PRIMEIRAS PERGUNTAS: CURIOSIDADE SOBRE O CORPO

Lilian Guimarães é psicóloga e trabalha, há vários anos, com crianças de 0 a 6 anos, na Oficina da Criança, na Barra e no Recreio. Para ela, as primeiras questões sobre sexualidade surgem da curiosidade que os "pequenos" têm acerca do próprio corpo e do corpo dos colegas. "É uma curiosidade natural, apenas mais uma entre as muitas que eles têm", diz ela, explicando que o "peso" do assunto sexualidade está nos adultos, não nas crianças, e que as perguntas devem ser respondidas também com absoluta naturalidade, na hora em que são propostas.

Lilian diz que um dos conceitos sobre os quais tem trabalhado é que o adulto (pai, professor) não deve se preocupar em "aguçar" nenhum tipo de curiosidade na criança, apenas estar pronto para esclarecer o que for naturalmente questionado por ela. "E também não devemos tentar explicar mais do que é solicitado", acrescenta, lembrando que o constrangimento que por vezes o tema nos causa pode ser conseqüência de nossa própria sexualidade mal resolvida. "Isto acaba gerando em nós uma certa ansiedade de detalhar demais", diz.

Segundo a psicóloga, não há necessidade, nesta faixa etária, de se criarem aulinhas especiais ou horários específicos para a Orientação Sexual. "Encaramos a Educação Sexual como um procedimento que perpassa toda a Educação Infantil, não fragmentamos os conhecimentos", diz ela. Lilian explica que as professoras fazem um grande esforço para orientar as crianças socialmente, através do que é combinado (espécie de regrinhas, direitos e deveres): elas devem guardar seus brinquedos, respeitar o espaço dos colegas e ter muitas outras atitudes semelhantes que indiquem responsabilidade e afeto. Para Lilian, esta também é a maneira correta de lidar com a sexualidade.

 

Um exemplo poderia ser a clássica atitude do garotinho encostado na parede com a mão dentro da cueca. Um simples "Tira a mão daí, menino" não é suficiente, segundo a psicóloga. "A forma mais produtiva de resolver uma situação como esta é compará-la a outras semelhantes. O menino deve entender que existem atitudes adequadas a cada situação social e que, por exemplo, embora ele tenha todo o direito de ficar com raiva, mais ninguém é obrigado a assistir a seus gritos, socos e atitudes agressivas e conviver com eles".

Segundo Lilian, as professoras da Educação Infantil são, em sua maioria, bem jovens, "e sempre tem uma que está grávida". É um convite à curiosidade. "Quando se percebe que alguma criança começa a fazer perguntas, costumamos introduzir sutilmente o assunto nas rodas de conversa, e, então, todos podem falar, perguntar, e ser esclarecidos", diz ela, lembrando que, muitas vezes, certa dúvida é verbalizada por uma única criança, mas que seguramente está na cabeça de muitas outras.

A psicóloga realiza atividades de capacitação sobre Orientação Sexual voltadas para as professoras da escola, a cada seis meses, no início do período letivo e na volta às aulas depois das férias, mas diz que isto não chega a ser suficiente para suprir todas as demandas de sala da aula. "Há uma lacuna na formação dos professores. Atualmente, segundo uma visão moderna a respeito da Educação, o professor não pode se limitar a dar as suas matérias friamente, sem se preocupar com o desenvolvimento do aluno como um ser total" - atesta ela. E dá um recado:

"Para que a gente possa falar sobre o assunto com nossos alunos, precisamos, antes, refletir acerca de nossa própria sexualidade, rever conceitos e preconceitos arraigados, e voltar um pouco a nossa infância e à adolescência. Depois, se for o caso, devemos procurar fazer um bom treinamento, porque, entre passar uma informação errada e não falar, é melhor não falar".

 

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SERVIÇO

Lílian Guimarães
Grupo Faria Brito - Oficina da Criança
Tel.: (021) 431-3064 e 490-2440

Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil - BEMFAM
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