Por Sandra Martins Os gêmeos Anny e Allany, Roberto e Sthefany fazem parte de um grupo de 21 crianças que têm um ponto em comum: tiveram a oportunidade de aprender a aceitar as diferenças de crianças com necessidades especiais. Eles estudaram com a pequena Raíssa, portadora da Síndrome de Dow, na turma de Educação Infantil regular da Escola Especial Municipal Rotary Club, na Ilha do Governador. Hoje, aos oito anos, ela cursa a 1.a série do Ensino Fundamental na Escola Municipal Costa Rica, no mesmo bairro.
E, entre os pontos básicos a serem observados, a professora aponta: a mudança do olhar das mães e das crianças portadoras e não portadoras de necessidades especiais; a parceria entre a família presente, a escola, o professor e os alunos; o ambiente escolar harmonioso e alegre, pintado com desenhos infantis e parquinhos com tanques de areia; e o repensar dos conceitos de dinâmica de trabalho.
A partir da experiência de integração de Raíssa em uma turma regular, de 1997 a 1999, Fernanda observou que, para que o trabalho desse certo, a criança teria de desenvolver conceitos a partir daquilo que ela seria capaz de realizar com a ajuda dos colegas. “Eu ia constituir competência a partir das habilidades e da atuação na zona desenvolvimento proximal de Raíssa, e queria que as mães e as crianças aceitassem e entendessem que elas eram diferentes, mas que todos tinham potencialidades.” No entanto, para isso, a professora Fernanda teve que repensar sua metodologia e seguir uma nova concepção de trabalho: a inclusão através do letramento, em que a escrita deve ser exercitada de forma lúdica, como mais uma entre outras linguagens. Esta experiência deu origem ao projeto Muito Além de um Jardim... Inclusão e Letramento: Uma Proposta de Educação Infantil, incluído entre os 10 melhores trabalhos selecionados, no Estado do Rio de Janeiro, no Prêmio Qualidade em Educação Infantil 2000, além de ter participado como relato de experiência no seminário internacional da Organização Mundial para Educação Pré-Escolar (OMEP). O projeto de inclusão trabalha sobre dois pilares: a partir de projetos surgidos pelo centro de interesse dos alunos ou do projeto político-pedagógico da instituição de ensino, que, na Escola Especial Rotary Club, é o ‘Construir com Arte’. Se, na turma de Educação Infantil regular, o centro de interesse fosse o mais emergente, então Fernanda trilharia aquele caminho, redirecionando-o, mais adiante, para o enfoque da escola. No caso de Raíssa, ela tinha – e tem ainda – dificuldades com a coordenação motora. Contudo, ela apresentava algumas facilidades, até em relação aos outros colegas, como a de reconhecer as letrinhas e a construção de palavras. Com o tempo, eles passaram a procurá-la para aprender com ela e, em contrapartida, ensiná-la a enriquecer seu desenho. Segundo a professora, aos poucos, os alunos perceberam que todos podiam, em algum momento, ensinar e aprender com o colega. Desde então, ela passou a ser respeitada no grupo do mesmo modo que os demais integrantes. A dinâmica do trabalho deu-se através de vídeos, passeios, convites, visitas à escola e atividades artísticas, como maquetes de sucatas, painéis e esculturas confeccionadas, a partir de jornais velhos, pelas próprias crianças.
|
O jornal foi o meio de comunicação utilizado para divulgar os projetos (futuros trabalhos, passeios e eventos), desejos (convites para que as mães participassem das atividades) e necessidades (autorização para os passeios), através de diferentes tipos de textos. A sessão de Classificados, criada a partir de um problema real de desemprego nas famílias, proporcionou a formação da cidadania, tornando-os protagonistas de suas histórias. Buscando satisfazer a curiosidade, as crianças foram estimuladas a procurar respostas em pesquisas, confrontando suas dúvidas (surgidas em diversas situações como, por exemplo, quando encontraram um gafanhoto, uma cigarra que saiu da casca ou o passarinho que caiu da árvore) com os conhecimentos científicos adquiridos através de pesquisas ou de visitas ao veterinário. As definições foram, então, o ponto de chegada, em que recriando notícias selecionadas nos jornais, o mundo foi levado para dentro da sala de aula, enquanto o jornal levava a história deles para o mundo.
No entanto, a professora lembra que, ao se trabalhar com letramento na Educação Infantil, deve-se ter o cuidado de não privilegiar o cognitivo da criança, devendo este ser inserido através de brincadeiras. “O meu medo é de que, em algum momento, eu tenha esquecido o corpo, o afetivo, o lúdico, privilegiando o cognitivo”. Esta preocupação da professora é descartada pelos depoimentos de algumas mães de alunos considerados “normais” da turma regular de Raíssa. Segundo Rose, mãe de Roberto, o período em que seu filho estudou com Fernanda foi precioso para que ele aprendesse a aceitar as dificuldades de outro ser humano. A mãe de Sthefany, Maria, afirmou que os alunos passaram a gostar também de outras crianças com necessidades especiais diferentes daquelas vivenciadas na escola. Giselma, mãe das gêmeas Anny e Allany, lamentava não haver mais escolas como aquelas, e garantiu que o trabalho desenvolvido por Fernanda atendeu tanto às crianças como desenvolveu nos pais um sentimento de união e fortalecimento contra o preconceito, e afirmou que suas filhas saíram, da Educação Infantil, lendo. Para Rosângela Rolim, mãe de Raíssa, o trabalho de inclusão foi importante tanto pela aceitação das crianças quanto pelo acolhimento dos pais. “As crianças aceitando-as fazem com que os pais aceitem e respeitem as que têm necessidades especiais”, disse.
|