A “Desafinação” nas Urnas e o Papel “Diapasônico” da Educação

 

 

 

 

Ednaldo Carvalho

 

Frustra, a nós brasileiros, tomar conhecimento do relatório divulgado pelo Fundo para a Agricultura (FAO) da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento revela que o Brasil tem 16 milhões de famintos, sendo classificado como o último no “ranking” de consumo de calorias entre os países da América do Sul. No Editorial do Jornal Educar nº 18, escrevi um texto intitulado “Uma Fraca Educação para uma Geração de Sangue Fraco” que mostrava que 50% de nossas crianças em idade escolar têm anemia por falta de nutrientes fundamentais, o que prejudica, substancialmente, sua capacidade de aprendizagem. Algum tempo decorrido, a situação continua a mesma.

Segundo dados fornecidos pelo Centro de Estudo para a América Latina (Cepal), o número de miseráveis, no Brasil, é superior a 45 milhões. E 60 milhões de brasileiros carecem de habitação condigna. A violência, o crime e as drogas atingem a sociedade, como flagelos endêmicos, crescentes, que parecem incontroláveis.

Em nenhum momento da nossa história, constatou-se um modelo econômico tão concentrador de rendas como o que se vê em nossos dias, nos quais a minoria banqueteia-se às custas da riqueza e da produção nacionais e, ao limpar sua mesa farta, espalha pelo chão dos que não tem chão as migalhas e sobras.

Conviver com esta realidade não condiz com um país que possui 8,5 milhões de km2 de área, “abraçado” por 5 tipos de clima – do equatorial ao subtropical de altitude –, cortado pelas linhas do Equador e do Trópico de Capricórnio e banhado por 7.440 Km de litoral em sua extensão continental. Um país rico em mananciais hídricos e reservas naturais de minerais estratégicos como ouro, prata, bauxita, cassiterita, ferro, manganês e tantos outros. Um país que possui a maior floresta tropical do planeta e áreas gigantescas de vocação agrícola, como o Centro-Oeste, o serrado, a região Sul, com potencial para produzir, se necessário, alimento para a população mundial. Um país cuja economia esteve entre as oito maiores do mundo, onde não sofremos com intempéries como terremotos, furacões, geadas. Um país habitado por um povo extraordinariamente criativo, hábil na superação de adversidades. Um país cuja primeira análise geofísica inundou de êxtase os olhos de um homem, que, num repente, exclamou, maravilhado: “Aqui, em se plantando, tudo dá”!

Este país, decorridos 500 anos de sua história desde o descobrimento, às vésperas do Terceiro Milênio, em meio aos efeitos da revolução técnico-científica, fracassa, para a nossa tristeza, no combate à fome, à miséria, ao crime, à violência e às drogas. Seriam estes alguns efeitos produzidos pela voz desafinada dos políticos descompromissados com o bem comum?

O eleitorado brasileiro, em sua recente democracia, vem elegendo, soberanamente, políticos que, hoje, em sua maioria, com voz dissonante, dão o tom em um desafinado coral, compondo uma orquestra de homens públicos fisiológicos, clientelistas, muitos corruptos, alguns criminosos, outros incompetentes, “politiqueiros”, comprometidos com os interesses do poder econômico, protegidos pela impunidade, pela imunidade, e encastelados em indevassáveis sigilos fiscais e bancários que lhes garantem o exercício de mandatos em benefício próprio e de grupos financiadores de suas campanhas eleitorais, quase sempre enganosas, desprovidas de ética e de custos elevadíssimos.

 

É esta gente que espolia a nação, entrega as suas riquezas, vitupera o direito do povo e a sua boa-fé, mantém-se insensível aos problemas sociais, menospreza os excluídos e manipula as massas com práticas eleitorais “marketeiras”, objetivando a conquista do poder pelo poder, como fim em si mesmo. Utiliza informações distorcidas e engana um contingente de cerca de 35 milhões de eleitores, entre analfabetos e semi-analfabetos, e outros 40 milhões que não concluíram o 1º grau, que, juntos, representam mais de 70% do eleitorado nacional, que vota mal-informado, sem consciência plena da realidade política.

Ao término destas eleições municipais, observamos que foram eleitos, salvo uma minoria, representantes deste sistema eleitoral distorcido, alicerçado em uma democracia deturpada, fundamentada em princípios desiguais de oportunidades, privilegiando o capital e expandindo a injustiça social.

Por tudo isto e muito mais, o povo brasileiro, neste final de século, tem motivos para se desiludir com a atividade política e desacreditar seus representantes, pondo a tão sonhada democracia em xeque, uma vez que este sistema, o menos pior de todas as formas de governo, ainda não conseguiu, até agora, no Brasil, após a dita redemocratização, produzir efeitos capazes de equacionar, ou mesmo minimizar, os problemas sociais que afligem e aviltam a sociedade brasileira.

O papel “diapasônico” da Educação é o de instrumento capaz de “afinar” a nossa democracia, impregnando-a de valores éticos, reorientando-a para os desafios do presente e de um futuro imediato que traz mudanças aceleradas e já faz emergir um novo modelo civilizatório, trazendo consigo novos paradigmas de estilo de vida para as famílias, de modus de produção e trabalho, de economia. Paradigmas que provocam novos conflitos políticos, novas perplexidades sociais, decorrentes do progresso da Ciência e da Tecnologia. Progresso que avança na direção da descoberta do microcosmo, do domínio da Microbiologia, do seqüenciamento do genoma humano, influenciando a qualidade de vida do homem que se lança na exploração do macrocosmo, expandindo sua curiosidade.

O papel “diapasônico” da Educação é o de mecanismo para alicerçar as mudanças imprescindíveis neste novo tempo. Transformações advindas da luta pela justiça social, pelo extermínio da fome, pelo fim do rancor e do crime, pela substituição do êxtase mentiroso das drogas por horizontes reais de emprego, lazer, preservação da natureza e da vida.

O papel “diapasônico” da Educação é o de “afinação” com a universalização do ensino em nosso país, liberta esta de orçamentos governamentais parcos e demagógicos, ficando seu refinanciamento a cargo de toda a sociedade, do empresariado nacional, das ONGS e dos governos em todos os níveis. O papel “diapasônico” da Educação é o de afinação entre educadores e professores para que se mobilizem a fim de melhorar a Educação e conquistarem a valorização da classe não apenas em termos salariais, mas também por meio de maior capacitação profissional, contextualizando-a nos novos tempos. É preciso reconhecer, da mesma forma, que a importância de quem ensina é a mesma de quem aprende, para que o resultado deste equilíbrio seja a formação de uma geração de homens e mulheres de todas as idades, de mentalidade renovada e alto nível de conhecimento. Só assim teremos uma nação mais crítica, consciente da realidade, capaz de aperfeiçoar a democracia e, assim, soberanamente, eleger políticos de melhor qualidade e voz afinada, que entoam um novo canto, de progresso aliado à justiça social, para formar um novo Brasil.

* Diapasônico: neologismo formado com base na palavra “diapasão”, que significa instrumento utilizado para afinar outros instrumentos e a voz.

Editorial Appai