Está na Hora de a Escola Discutir a Que Seus Alunos Assistem

Eduardo Viana

Há poucos meses, um menino esfaqueou a prima após assistir ao filme "Brinquedo Assassino" pela televisão. Estão se tornando cada vez mais comuns casos de violência envolvendo crianças e adolescentes, inspirados em filmes ou programas de TV. De quem é a responsabilidade? Dos pais? Dos produtores? Das emissoras? Pode um simples filme influenciar os atos de uma criança? A cada tragédia deste tipo, psicólogos, educadores, pais, comunicadores e governo recomeçam uma discussão que parece não ter fim.

O Congresso Nacional volta e meia se dedica ao assunto. Só na Câmara de Deputados já foi apresentada uma dezena de projetos de lei sobre a violência na Tv, desde 1996. No Senado, chegou a ser criada uma comissão especial para analisar a programação de rádio e TV. A verdade é que nada mudou. A Comissão Especial Temporária do Senado deu seu trabalho por encerrado, após dois anos e oito meses, sem que isso resultasse em medida alguma efetiva. Na Câmara, os projetos continuam em tramitação sem que nenhum deles tenha sido aprovado.

Após a história do menino que esfaqueou a prima, o Ministério da Justiça resolveu preparar uma portaria regulamentando a programação de televisão, casas de espetáculo e cinemas. "A nossa intenção é minimizar os efeitos dos meios de comunicação na cultura da violência", afirmou a secretária nacional de Justiça, Elizabeth Süssekind. A Secretaria Nacional de Direito Humanos, órgão ligado ao ministério, havia solicitado às emissoras de televisão um código de conduta. De acordo com a própria secretaria, só uma emissora apresentou uma proposta razoável.

O Ministério da Justiça estuda maneiras de punir os que desrespeitarem as normas, podendo chegar a cassar a concessão da emissora. Inicialmente prevista para ser publicada em março, a portaria ainda não saiu do papel e não tem data para ser publicada, segundo informou a assessora de comunicação do ministério, Virginia Carraca, ao Jornal Educar.

20 crimes por hora de desenho

Em 1998, a Organização das Nações Unidas (ONU) analisou os desenhos animados transmitidos no Brasil por seis emissoras de canal aberto e chegou a uma incrível conclusão: há 20 crimes, em média, por hora de desenho. Isso significa que uma criança que veja três horas de desenho animado por dia estará exposta a 21.900 cenas de violência por ano. Mas não é só no Brasil que a violência transmitida pelos meios de comunicação assusta. Uma pesquisa patrocinada pela Associação Americana de Televisões a Cabo dos Estados Unidos revelou que 57% dos programas exibem cenas que podem ser classificadas como violentas. Segundo a pesquisa, as cenas de violência podem gerar agressividade, medo infundado ou indiferença (veja quadro).

O que assusta os pesquisadores é a banalização da violência na televisão. Não há conseqüências negativas nem para os agressores nem para suas vítimas. "Em 73% das cenas violentas, os agressores saem da pancadaria para uma viagem às Bahamas ou vão tomar uma cerveja e "dormir com os anjos". Em 58% das cenas, as vítimas nem sequer sentem dor e, em 47%, elas parecem ser de borracha porque não sangram nem apresentam ferimentos", declarou a professora Barbara Wilson, da Universidade da Califórnia, à revista Veja.

A onda de assassinatos entre crianças nas escolas norte-americanas levou o Presidente Clinton a afirmar, em março deste ano, à revista Newsweek, que "os meios de comunicação e entretenimento industriais podem ajudar a mudar uma cultura que muito freqüentemente glorifica a violência".

A Unesco resolveu ir a fundo nesta questão e levou dois anos pesquisando 23 países, inclusive o Brasil. A conclusão foi de que, no mundo inteiro, as crianças sentem forte atração pela TV e, na falta de referências, ela pode ser um péssimo estímulo na formação infantil.

Segundo o professor alemão Jo Goebel, coordenador da pesquisa, a televisão não age sozinha; a influência da realidade, do ambiente, é muito maior. Mas o professor alerta: se a criança já vive num meio violento, os efeitos só tendem a ser potencializados pela mídia. O estudo fez com que a Unesco sugerisse às escolas que adotassem uma "educação para a mídia" em seus currículos, a fim de orientar as crianças sobre como lidar com a violência nos meios de comunicação e a refletir sobre ela.

TV é a alternativa mais fácil

A criança é capaz de criar espaços próprios. O mundo fora do mundo. Espaços de atividade lúdica. No entanto, estes espaços estão cada vez menores. Foram tomados pela televisão e o videogame. De acordo com a pesquisa da Unesco, as crianças passam 50% mais tempo vendo TV do que fazendo qualquer outra atividade fora da escola.

Alguns autores chegam a afirmar que a TV é capaz de criar dependência. A pesquisadora Marie Winn, citada no livro Os Teledependentes, do educador espanhol M. Alfonso Eurasquin, "atribui ao ato de contemplar a televisão (…) efeitos semi-hipnóticos e criadores de dependência". O comunicólogo Muniz Sodré diz que a TV é "antropofágica": "o receptor perde, especialmente, em imaginação, pois a imagem é uma realidade trabalhada (…) que lhe é dada para consumo, sem maiores apelos ao intelecto", afirma no livro A Comunicação do Grotesco.

O poder das imagens, para alguns estudiosos, é tão forte que pode ser capaz de dificultar o desenvolvimento da capacidade de simbolização e, por conseguinte, do pensamento abstrato. Eurasquin diz que a linguagem verboicônica da TV pode criar gerações de não-leitores e obstacularizar a capacidade dessas gerações de se expressarem verbalmente ou por meio da escrita.

Apesar do medo de que uma intervenção do Estado signifique censura e por não confiar numa auto-regulamentação das emissoras, grupos da sociedade civil vêm se mobilizando para exigir da TV mais educação e menos violência. Organizações não-governamentais, como a TV Bem, de Belo Horizonte, e a Tver, de São Paulo, vêm promovendo debates entre pais e educadores e pressionando o governo para a adoção de medidas concretas. Em Portugal, associações de telespectadores, psicólogos, pais, consumidores e Igreja elaboraram um documento exigindo, entre outras coisas, a criação de um Código de Conduta para a televisão e a inclusão da temática da "Educação para os Média" nos projetos educativos.

As pesquisas estão sempre confirmando que as crianças passam tempo demais em frente à telinha e isso não é bom. Primeiro, porque, enquanto estão assistindo à TV, estão deixando de praticar esportes ou de ler livros. Segundo, porque, apesar de haver alguns bons programas na televisão, a maior parte - segundo os pesquisadores - não tem nada de educativa. Muito pelo contrário. Parece que está na hora de a escola começar a falar de TV em sala de aula.


O que muda com a portaria do Ministério da Justiça

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