Celso Antunes (*)

Imagine uma obra de Picasso vista por uma pessoa comum, sem instrução e sem nada saber sobre quem foi seu autor. Pense em como essa pessoa descreveria a obra e imagine qual resposta daria, caso lhe perguntasse quanto por ela, se pudesse, acharia justo pagar? Imagine, agora, a mesma obra vista por um colecionador, por pessoa versada em arte e que soubesse apreciar obras geniais. Não é difícil descobrir que esta última veria, na obra, o que o primeiro jamais seria capaz de enxergar e que, aos seus olhos educados, um Picasso autêntico constitui peça invulgar. O que separa esses dois olhares?

Educação! Diria você. O primeiro observador não possui olhar “educado” e, dessa forma, apreciaria com a singeleza dos simples e, mesmo que fosse informado sobre o valor da obra, não compreenderia por que traços que lhe parecem tão grotescos podem ser assim tão valorizados. O segundo, ao contrário, preparado para identificar a beleza, identifica, nos traços do gênio, o imenso poder de síntese e de criação do artista. Sem dúvida, o fator relevante a separar os dois olhares é a educação, mas não só a educação.

Nem todas as pessoas cultas apreciam obras de arte. Essa possibilidade existe para alguns, porque acrescentam à educação a empatia do olhar, o gosto pelo maravilhoso, a paixão que seduz e embriaga. Educação sem empatia ajuda um pouco, mas a verdadeira empatia imprime roteiros ao olhar, desperta a emoção que se agrega ao que se vê. E empatia sem educação por acaso existe?

Claro que existe. Veja essa empatia no artesão que não fez escola, mas que se destacou de outros de seu entorno para, no entalhe que executa, chegar à sensibilidade que encanta. Repare nos pintores primitivos que, sem freqüentar academias de arte, souberam olhar, de forma especial e diferente, a natureza e as pessoas com a acuidade e a sensibilidade incomum que esculpiram, compuseram ou pintaram obras de incontestável valor artístico, sem nunca terem ouvido nada sobre a nobreza da arte. O olhar carregado de ternura, empatia e sensibilidade aprimora-se com a educação, mas seguramente a precede.

E o que essas considerações têm a ver com a sala de aula?

Muita coisa, principalmente para professores da Educação Infantil. Qual a amplitude do olhar desse professor? Com que nível de empatia e encanto acolhe a linguagem infantil, destacando-a, elogiando-a e fazendo com que a criança descubra-se “importante” pelo trabalho que faz? Ainda uma vez, vale insistir sobre a imensa diferença que existe entre o elogio falso, entre a hipocrisia de se dar ênfase com a indiferença de quem segue uma rotina e o olhar verdadeiramente empático de quem sabe se encantar, ainda que esse encanto não dispense a correção. Professores inesquecíveis são todos aqueles que parecem possuir uma invisível “lente de aumento”, descobrindo, na produção de seus alunos, a qualidade oculta, o detalhe relevante que destaca o elogio sincero.

Para uma criança, mas não só para crianças, todo elogio autêntico funciona como alimento essencial à auto-estima, como prova de que, sendo capaz de despertar a admiração de um adulto, é “pessoa importante” e, como tal, ganha a garantia serena da proteção que, inconscientemente, reclama. Um olhar empático e atento, carregado de sincera admiração, pode não ser a única competência importante para um mestre, mas é, sem dúvida, uma competência imprescindível.


*Celso Antunes é bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade de São Paulo, Especialista em Inteligência e Cognição, Mestre em Ciências Humanas, autor de mais de 180 livros e consultor de revistas especializadas em Ensino e Aprendizagem.
E-mail: celso@celsoantunes.com.br
Site: www.celsoantunes.com.br
Ilustração: Luiz Cláudio de Oliveira