Independente de se tornarem bailarinas, as crianças têm acesso a conhecimentos e técnicas que vão além da experiência em atuação no palco

CIÊNCIAS: EXPERIMENTO

Levantar hipóteses, tentar comprová-las e, por fim, tirar conclusões.
As etapas do método científico foram aplicadas por uma turma da 1ª série de São Paulo,
que ganhou o gosto pela descoberta

As aulas de Ciências de Janete Moraes de Castro são um sucesso de público e crítica. As duas horas semanais que ela dedica à disciplina com uma turma de 1ª série na E. E. Professora Maria Cristina Montora Simões, em Embu, a 28 quilômetros da capital paulista, voam, tamanho é o entusiasmo das crianças.

A explicação é simples: a professora transforma os alunos em pequenos pesquisadores, incentivando neles o gosto pela descoberta ao ensinar os primeiros passos do método científico: levantamento de hipóteses, experimento e conclusão.

Durante o tradicional estudo da água, a garotada viu a sala de aula se transformar num agitado laboratório. O desafio era descobrir o que bóia e o que afunda. Durante o projeto, Janete chegava à escola cheia de energia e carregada de sacolas com frutas, legumes e pequenos objetos. “Antes, meu material de trabalho era lousa, giz e livro”, recorda. A mudança no modo de trabalhar da professora veio com a participação no projeto Mão na Massa (Ver abaixo).

Para abordar a questão da densidade – apesar de o termo não ter sido mencionado em aula –, Janete não chegou assim, do nada, falando em flutuação. Tudo começou com algumas perguntas: de onde vem a água que bebemos? Existem rios ou córregos aqui por perto? Como eles são? Durante as discussões, foram citados garrafas PET e pneus que aparecem boiando nos rios. Sem perder tempo, a professora disparou: por que a garrafa flutua? O que aconteceria se caísse um carro no rio? Assim, surgiram as dúvidas sobre o comportamento de diferentes objetos na água. Oportunamente, na próxima aula, Janete apresentou uma lista de objetos e alimentos e perguntou quais ficariam no fundo de um recipiente com água e quais subiriam à superfície (Ver quadro com o resultado).

O trabalho todo tomou quatro aulas: na primeira, foram apresentadas as hipóteses. Nas duas seguintes, ocorreu a experimentação propriamente dita. A última ficou reservada para as conclusões. Com a ajuda da professora, que ia fazendo intervenções durante as discussões, meninos e meninas verificaram que tamanho não é documento na hora de se manter sobre ou sob a água. Em uma série de experimentações, eles perceberam a influência da forma ou da massa dos objetos para sua flutuabilidade e verificaram se a água tem algum poder sobre o fato de os objetos boiarem ou imergirem.

Ao se acostumar a levantar hipóteses, que nem sempre são comprovadas pelos experimentos, as crianças passam a duvidar dos conceitos prontos que recebem. “Esse é um exercício muito saudável de crítica”, comenta o físico francês Yves Querè, um dos pioneiros do programa Mão na Massa em seu país. O questionamento vira parte da rotina e, muitas vezes, as respostas conduzem a outras interrogações. “A ciência se expande assim, por esferas concêntricas, sem nunca chegar a um porquê final”, compara Querè.

“E se os meninos fizerem uma pergunta que eu não sei responder?”, pensava Janete quando começou a trabalhar com a nova metodologia. Logo, ela percebeu que não havia motivo para receio. “Os professores ficam assustados, imaginando que terão de explicar como funciona um acelerador de partículas”, exemplifica Querè. Os conceitos envolvidos nas aulas para turmas de 1ª a 4ª séries, no entanto, são bem mais simples. O planejamento das aulas de Janete ficou mais sofisticado, é verdade, e ela tem de se munir de muita informação, já que a dinâmica é baseada na estimulação da garotada com uma série de perguntas, mas o resultado logo aparece na forma de aprendizado.

No início do ano, segundo ela, os estudantes eram apáticos e, hoje, a maioria participa ativamente das aulas. “A gente não pode trabalhar na mesmice com quem navega na Internet e joga videogame”, diz. As crianças, defende ela, precisam aprender a ter opinião. Além dos bons resultados na aprendizagem de Ciências, a professora comprovou progressos na linguagem oral e escrita. Durante a fase de negociação do grupo para a produção da lista coletiva de hipóteses, os estudantes têm de se colocar, defender seus pontos de vista. “Na hora de redigir o relatório, eles se entregaram à produção de texto com ânimo diferente”.


MÃO NA MASSA

Capacitação que vem da França

O programa ABC na Educação Científica – Mão na Massa é primo do francês La Main à la Pâte e chegou ao Brasil em maio de 2001. Tornar a prática de Ciências uma rotina nas salas de aula de 1ª a 4ª séries é o principal objetivo do projeto. Para isso, muitos centros de difusão focam o trabalho na capacitação dos professores. “Eles seguem os mesmos passos da aula que vão dar: levantam hipóteses, fazem experimentos e confrontam resultados”, explica Christiane Yamamoto, uma das responsáveis pelo treinamento na Estação Ciência, em São Paulo. Os professores contam com assessoria técnica durante a implantação do projeto, que inclui um tira-dúvidas sobre o conteúdo, planos de aula e sugestões de materiais a serem utilizados nos experimentos. Em alguns centros, há treinamento via Internet, com a realização de chats e experiências em conjunto.

Passo-a-passo

Laboratório em Classe
O que é flutuar? Com essa pergunta, a professora Janete começou as discussões com os estudantes. O objetivo era fazê-los chegar ao conceito. A idéia inicial deles era: coisas grandes afundam e coisas pequenas bóiam.

1) Objetos de estudo
Janete apresentou à classe legumes, frutas, objetos do cotidiano e além de “novidades” – cortiça e pedra-pomes – e perguntou: o que flutua e o que afunda? De forma geral, a garotada achava que um legume grande, como a cenoura, iria afundar e algo menor, como o elástico de cabelo, não. Acompanhe as etapas do trabalho.

2) Elaborando hipóteses
Com base em suas vivências, cada aluno levantou hipóteses sobre todos os objetos e alimentos apresentados. O registro foi feito individualmente em forma de desenhos.

3) Relatório coletivo
Com a ajuda da professora, o grupo elaborou um registro coletivo de hipóteses. Por meio de uma votação, as crianças definiram o que flutuava e o que afundava. Janete escreveu tudo numa folha de papel pardo que ficou exposta na sala até o fim dos experimentos.

4) Hora da experiência
Para comprovar se as hipóteses estavam certas, cada item foi colocado no fundo de uma grande vasilha com água e depois solto. Ao término do teste, Janete revia a lista coletiva e anotava o que tinha acontecido.

5) Conclusões
Cada um confrontou suas hipóteses com o resultado do experimento e preencheu uma tabela. O momento foi de muita conversa. Entre as conclusões da garotada, estava o fato de que a quantidade de ar dentro do objeto tem influência na sua capacidade de flutuação.

RESULTADO

O que boiou

Bolinha de isopor
Potinho fechado e vazio
Tomate
Laranja
Maçã
Cortiça
Pedra-pomes
Lápis
Madeira

Obs.: Os resultados acima são fruto do trabalho realizado nessa turma. Em alguns casos, a madeira pode afundar e a cenoura boiar (dependendo da umidade contida no interior do objeto).

O que afundou

Elástico de cabelo
Potinho fechado e cheio de água
Tesoura
Cenoura
Prego

 

 

 

 

 

 

 


Obs.: Matéria cedida pela Revista Nova Escola (edição 197 – nov./2006)
Colaboração: Karina Yamamoto
Ilustração: Luiz Cláudio de Oliveira