|
|
Escolas resgatam arte secular de contar histórias e
utilizam recurso para ensinar conceitos interdisciplinares
Causos, contos de fadas, fábulas e histórias encantadas são uma porta de entrada para o mundo da imaginação. Atentas à importância dessas narrativas maravilhosas, escolas públicas e particulares estão se apropriando cada vez mais da prática de contar histórias e se especializando nas técnicas utilizadas pelos contadores.
O Centro de Estudos e Convivência Infantil
Arraial das Cores, na Zona Oeste de São Paulo
(SP), adota o hábito de contar histórias
há 20 anos. “As histórias são
contadas todos os dias e para todas as turmas. As
crianças gostam e pedem a roda de história”,
diz Michele Sasson Salama, diretora da escola. As
histórias começam a ser contadas para
crianças a partir de 1 ano de idade. “No
caso das crianças mais
novas, usamos livros de figuras que tenham
a ver com a vivência delas.”
Se muitas histórias são retiradas dos livros, por que a escolha pela oralidade, e não pela leitura? Ilan Brenman, psicólogo e contador profissional de histórias há 12 anos, diz que a escrita é uma fabricação cultural artificial, enquanto o ato de contar histórias existe há mais de 100 mil anos. “Quando se conta uma história, muita coisa é deixada com o outro, com quem ouve. Há uma troca. Já quando se lê um livro, você o fecha e vai embora”, explica Brenman. Para o especialista, a narrativa oral é parceira da literatura: “Ela serve para despertar a curiosidade, formar novos leitores. Após ouvir uma história, as pessoas querem saber de onde ela foi retirada. Os ouvintes vão atrás do livro que contém essa história.”
Além do incentivo à leitura e à criatividade, a prática de contar histórias aumenta o repertório verbal, o nível de participação dos alunos em sala de aula e, ainda, melhora a capacidade de escuta e atenção.
A história transmite valores éticos, sedimenta conhecimentos e aconselha. Isso tudo, porém, diz Brenman, só funciona se não for feito de uma maneira impositiva. “Não funciona contar uma história para ensinar que é feio bater no amiguinho, jogar lixo no chão. É preciso fazer a criança pensar, não ditar regras”, alerta o psicólogo.
Para iniciar uma narração oral, não é necessário usar a tão conhecida expressão “Era uma vez”. Cada pessoa começa da maneira que quiser. O importante é que o professor conheça bem a história que está contando, estude e goste de seu conteúdo. Quando o educador entende a narrativa, ele pode escolher melhor para qual faixa etária a história é mais apropriada e até onde pode explorá-la.
|
|
|
|
Também não há regras para um
local específico, mas é aconselhável
que se arranje um espaço confortável,
aconchegante e silencioso. Fazer uma roda, segundo
Brenman, é mais democrático. “Numa
roda não tem, por exemplo, aquela coisa de
‘cadê o bagunceiro do fundo?’.
Nela, todos são iguais.”
Quando se fala em contar histórias, a primeira
imagem que vem é a de uma pessoa fantasiada,
que imita vozes e usa recursos como fantoches e
música de fundo. Essa é a imagem estereotipada
que ficou do contador de histórias e na qual
muitas pessoas acreditam.
Não existe um ritual específico para
o contador de histórias. O uso ou não
de artifícios fica a critério de cada
pessoa. Alessandra Giordano, arte-terapeuta e contadora
de histórias há 20 anos, faz uso de
um cenário mínimo, com panos coloridos,
velas e um sino tibetano. “Toda vez que começo
uma história, toco esse sino porque assim
as portas do ‘era uma vez’, que é
o mundo das possibilidades, se abrem”, conta.
Porém, a primazia, diz ela, é da palavra.
A utilização de recursos e técnicas
pode funcionar como uma barreira para o educador
que pretende dar os primeiros passos no mundo do
faz-de-conta. O importante é manter o contato
com o ouvinte. Ilan Brenman conta que usava fantasias
e imitava vozes. Quando começou a trabalhar
com professores e ministrar cursos, percebeu que
muitos se intimidavam com o uso desses recursos.
“Comecei a deixar de lado os artifícios,
para a história ser protagonista. Assim os
educadores perceberam que também podiam contar
histórias, que todo mundo pode”, explica.
No
entanto, usar acessórios como fantoches,
dobraduras, maquetes e marionetes, por exemplo,
pode ser uma alternativa para tornar a história
mais atraente e prender a atenção
dos ouvintes. É o que recomenda Vânia
Dohme, no livro Técnicas de Contar Histórias.
A publicação é “um guia
mastigadinho para os professores que querem entender
e aprender mais sobre contação de
história”, define a autora, que trabalha
há 30 anos com o desenvolvimento da técnica
para adultos e professores.
Para fazer com que as crianças entendam a
linguagem das fábulas e dos contos, não
é preciso simplificá-los ou mudar
as palavras para facilitar a compreensão.
Os especialistas afirmam que o ideal é deixar
as crianças compreenderem o sentido da história
pelo seu contexto. “É muito importante
manter a história fiel à estrutura
do texto. No entanto, é necessário
avaliar quais livros são interessantes para
cada faixa etária”, defende a diretora
Michele.
Outra questão
que gera dúvidas é o que fazer após
contar uma história. A máxima da “moral
da história” deve ser praticada? Deve-se
fazer alguma atividade, como, por exemplo, desenhar
a história? Para a contadora Alessandra Giordano,
é importante que haja um momento de reflexão
após a sessão de história,
que as crianças tenham liberdade de dizer
o que entenderam ou não. É nesse momento,
“do compartilhar”, ela explica, que
surgem as questões: “As crianças
mostrarão o que conseguiram captar. Algumas
não têm amadurecimento suficiente para
entender o que você está querendo colocar.
É nesse hora que o educador tem de fazer
seu papel.”
Deixar fluir a imaginação da criança
nesse momento é fundamental, mas a diretora
Michele ressalta também a necessidade de
dar um fim à história: “As crianças
interagem, falam de suas experiências. A gente
tem de ouvi-las, mas tem também que voltar
para a história, para que saibam que ela
tem um fim.”
Obs.:
Matéria cedida pela Revista Educação.
Colaboração: Lívia Perozim
(Edição nº 83 - Ano 07 - março
/ 2004)
|
|
|
|
|