<%@LANGUAGE="JAVASCRIPT" CODEPAGE="1252"%> Guanabara

ENTENDA A GAGUEIRA

Fatores combinados, como hereditariedade, problemas orgânicos e estresse, podem causar distúrbio da fala

A gagueira é um distúrbio de fluência da fala que, em geral, tem origem na infância. Ela se manifesta por repetições ou alongamento de fonemas, palavras ou interjeições, com tensão muscular e respiratória e movimentos do rosto e do corpo que auxiliem na expressão. “É natural que as pessoas gaguejem às vezes, todos fazemos isso”, afirma Sílvia Friedman. “O problema é quando isso se torna muito freqüente”.

Segundo Sandra Merlo, da AbraGagueira, há cinco causas: hereditariedade; problemas orgânicos (problemas na gravidez ou no parto); estresse causado pelo ambiente (mudança de escola, divórcio dos pais, morte na família); a própria personalidade das crianças (as gagas tendem a ser perfeccionistas, ansiosas, tímidas e se frustram muito rápido); e causas familiares (pais que falam muito ou muito rápido, família autoritária ou exigente). “Geralmente, esses fatores aparecem juntos, no mínimo dois ou três deles; uma só causa não é suficiente para que o paciente comece a gaguejar”, explica Sandra. Segundo Sílvia, nenhum estudo sobre a gagueira é conclusivo. “Todas as causas têm de ser levadas em consideração, mas a parte motora responde ao psicológico; a gagueira deve ser relacionada ao modo como a pessoa se expressa, sua auto-estima, seu medo de falar”.

COMO AJUDAR

Dicas de como facilitar a melhora de pessoas que gaguejam, na escola e em casa

Dar o exemplo: falar devagar e pausadamente;

Evitar que a criança se exponha nos dias ou momentos em que ela esteja gaguejando mais;

Professores podem fazer duplas para leitura; se uma criança gaga lê com um colega, ela acompanha o ritmo e não gagueja;

Não obrigar a criança ou o adolescente a apresentar trabalhos ou fazer provas orais perante a sala se ele se sentir mal com isso; reservar um horário para que ele possa apresentar somente para o professor;

Contar histórias para a criança, permitindo que ela desenvolva vocabulário e o modelo de fala: a repetição é importante para fixação de palavras, expressões e pensamentos;

Em caso de gozação dos outros alunos, o professor deve repreendê-los e explicar que todas as pessoas têm suas limitações;

Evite interromper ou pressionar a criança ou o adolescente enquanto ele estiver tentando falar; deixe-o completar a frase, mesmo que leve algum tempo;

Terminar a frase que ele começou também não é recomendável, a pessoa pode se sentir incapaz de falar;

Não diga para ele falar mais devagar, respirar ou pensar sobre o que vai dizer, isso gera ansiedade;

Seja um bom ouvinte, preste atenção no que ele está falando;

Nos casos mais graves, o professor deve procurar saber se a criança está recebendo tratamento. Caso contrário, pode conversar com os pais e sugerir ajuda de um profissional especializado.


A escola era um tormento para Márcia da Silva Adão. “Era horrível, as pessoas riam de mim, faziam brincadeiras e os professores não ajudavam”, lembra-se. “Cada dia de escola era traumático”. Ler em voz alta, fazer apresentações de trabalhos na sala de aula, participar de peças de teatro, falar em público. Essas atividades que constituíam um martírio para Márcia compõem o dia-a-dia de quem lida com um problema bastante conhecido, mas que ainda gera preconceito: a gagueira.

O filho de Márcia, Carlos*, hoje na segunda série do Ensino Fundamental, também é gago. “Acho que ele sofre um pouco menos, porque nós buscamos ajuda de profissionais, e as professoras que ele teve estavam mais preparadas para lidar com isso”. Mesmo sem ser alvo de preconceito, a criança ainda se sente mal perante os colegas na sala de aula. “Ele sempre me fala: quero parar de ser assim, não quero mais gaguejar, mas eu não consigo”, conta Márcia.

Dados da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) mostram que 1% da população apresenta gagueira, em diferentes graus de severidade. Deste total, cerca de 10% apresentam gagueira grave e 6%, muito grave.

Segundo a fonoaudióloga Sandra Merlo, presidente da Associação Brasileira de Gagueira (AbraGagueira), é muito comum que crianças e adolescentes gagos apresentem um comportamento irrepreensível na escola, só para não terem que falar com colegas ou professores. “Muitas não brincam, não conversam e fazem todas as tarefas, só para o professor não pegar no pé”, explica. “Em dias de prova oral ou apresentação de trabalho, muitas ficam doentes de verdade só de pensar que vão ter que falar em público”. Sandra sabe bem o que está falando: ela é gaga, e só descobriu tratamento depois de ter entrado na faculdade.

 

   

Preconceito – A história é conhecida: os outros alunos na escola fazem brincadeiras, tiram sarro e ficam imitando as crianças e os adolescentes que gaguejam. Estes ficam muito nervosos e acabam gaguejando mais. “Toda pessoa gaga, quando não se sente cobrada, não gagueja”, explica Sílvia Friedman, fonoaudióloga e membro do Comitê de Fluência da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. “Quando estão cantando, falando com crianças pequenas ou com animais de estimação, a gagueira desaparece”.

O problema, segundo Sílvia, é quando a pessoa tem de falar em público, perguntar alguma coisa ou interagir com estranhos, como no caso da escola. A escola pode tanto auxiliar como prejudicar o tratamento dessas crianças. No caso de Carlos, a professora deu todo o auxílio necessário para minimizar o problema. “Ele prefere estudar nessa escola, que é mais distante, a ir às que tem perto de casa. Ele se sente seguro lá”, conta Márcia.

Mas não é sempre que isso acontece. O desenhista Olavo Borges de Oliveira, gago desde os 8 anos, afirma que não tinha, no colégio, o apoio de que necessitava. “Eu era constantemente chamado pela diretoria para explicar as razões de meu comportamento recuado, às vezes agressivo. Era para me defender, eu não sabia por que aquilo acontecia comigo”, conta.

 

 

Para auxiliar as escolas, a AbraGagueira, entidade fundada em 2001 – no Dia Internacional de Atenção à Gagueira (22 de outubro) –, ministra palestras gratuitas para esclarecer e auxiliar colégios que se interessem. “As escolas não têm programas específicos para esses alunos, geralmente solicitam só quando têm casos muito graves”, explica Sandra Merlo. “Nossas palestras envolvem professores, diretores e alunos, para que eles possam ajudar as pessoas que sofrem da gagueira”.

Carreira – Sandra Merlo resolveu seguir a carreira de fonoaudiologia por causa da gagueira, que ela tem desde criança. “Aos 5 anos, meus pais começaram a ficar preocupados e me levaram ao pediatra, que falou que a gagueira ia passar, mas não passou”, lembra Sandra. Depois disso, os pais procuraram um psicólogo. “Ele também afirmou que ia passar, o que não aconteceu”.

Quando foi para a escola, o problema só piorou. “Nas aulas de leitura, eu não conseguia ler um parágrafo, achava que as pessoas não iam agüentar me ouvir”. Ela lembra que um dia a sala combinou de lhe dar um susto, para ver se parava de gaguejar. “Muitos até queriam ajudar, achando que isso ia curar minha gagueira. Nunca me senti tão humilhada, queria sair correndo, chorar”.

Ao contrário das gozações, ela acabou vivendo o problema inverso: ninguém tocava no assunto. “Existe até um nome para isso: ‘conspiração do silêncio’. As pessoas achavam que se não tocassem no assunto eu não iria me sentir mal”. Em vez de ajudar, a “conspiração” só atrapalhou. “Às vezes, os professores pediam para eu ler um texto, e eu recusava, de vergonha. Quando eles perguntavam por que eu não queria ler, eu pensava: ‘Por quê? Não é óbvio?’” Sandra conta que se sentia muito mal com esse silêncio. “Não tinha abertura para falar sobre isso com ninguém”. Só quando entrou na faculdade ela começou a fazer tratamento. “Passei os três primeiros anos do curso fazendo terapia”, conta. “Minha gagueira passou de grave para leve, e hoje eu consigo me expressar muito melhor”. Embora não fale em cura, a fonoaudióloga garante que o tratamento minimiza muito o problema. “Quanto mais cedo se inicia, maiores as chances de a pessoa conseguir se comunicar normalmente”. A maior dificuldade, segundo ela, é achar o tratamento adequado. “Nos grandes centros é mais fácil, mas em cidades pequenas, como a em que eu morava no interior do Paraná, não existiam nem fonoaudiólogos, quanto mais especialistas em gagueira”. Em 80% dos casos, existe uma melhora espontânea em seis meses; apenas 20% dos casos precisam de tratamento”, estima Sandra, acrescentando um ingrediente essencial para a melhora: “Não dá para pensar em tratamento eficaz sem a participação e a colaboração efetiva da família e da escola”. A terapia não tem um prazo específico de duração, mas é preciso ser feita de maneira correta. “Já ouvi muitos casos de fonoaudiólogos que beliscavam, batiam nos pacientes, para eles pararem de gaguejar”, conta Sílvia. O desenhista Olavo de Oliveira já passou por vários tratamentos que não deram resultado. “Existem neurologistas usando Botox para tratar gagueira, psiquiatras receitando Prozac e hipnotizadores afirmando que podem curar as pessoas”, relata. “Sem falar na abordagem religiosa, alimentada pelo imaginário popular e a crença em curas milagrosas”. Oliveira, assim como Márcia, encontrou ajuda por meio da internet, num grupo de discussão. “Pela troca de experiências, consegui melhorar minha fluência”, comemora. “É reconfortante saber que existem pessoas iguais à gente, com os mesmos problemas”, reforça Márcia. “A troca de informações é importante”. Fontes: Sandra Merlo, Sílvia Friedman, Associação Brasileira de Fonoaudiologia, Conselho Regional de Fonoaudiologia de São Paulo, www.gagowebsite.hpg.ig.br.


* Nome trocado a pedido da família.


Obs.: Matéria cedida pela Revista Educação
Colaboração: Jéssika Torrezan
(Edição n.º 90 – Outubro/2004)
Ilustração: Marcos Diniz