Edição 39 - Aula-Passeio Revela o Rio de Janeiro


É possível um aluno escrever bem e não saber ler?
Se ele não está alfabetizado, como posso ajudá-lo?

Marília Marques Machado*

Ler é interpretar as letras, os números ou outros símbolos escritos segundo o significado que cada língua convencionou dar a eles. Portanto, parece-me impossível alguém escrever bem e não saber ler o que escreveu. O que deve ter acontecido com seu aluno é que ele aprendeu a copiar, a desenhar as letras das palavras, mas sem associá-las a seu significado.

Os preparativos para a alfabetização começam, na verdade, no período pré-escolar e nem sempre são planejados. Assim, quando os pais “distraem” o filho pequeno com livros ilustrados ou revistas, mostram no jornal a inicial do nome dele ou chamam sua atenção para placas de trânsito, por exemplo, estão familiarizando a criança com o mundo da leitura.

Na escola, a alfabetização se inicia com a memorização dos chamados grupos semânticos, cada um reunindo palavras relacionadas a um tema significativo para o aluno. Assim, por exemplo, os nomes dos brinquedos formam um grupo semântico; os da casa e de seus objetos, outro; os dos animais, um terceiro; os de pessoas, um quarto. Os grupos semânticos familiarizam a criança com muitas palavras diferentes, levando-a ao mesmo tempo a perceber que várias delas têm sons iguais, representados pelos mesmos “pedacinhos” (as sílabas). Ao observar pessoas lendo, ela logo descobre como juntar uma ou mais sílabas de uma palavra com uma ou mais sílabas de outra para formar uma terceira. A partir do grupo “gaiola”, “chaleira” e “porta”, por exemplo, ela pode chegar a “gata”, “lata”, “gaita”, “chata” e por aí afora.

 Algumas dicas para os alfabetizadores:

 – Além de trabalhar com os grupos semânticos, tenha na classe um alfabeto fixo na parede e outro, móvel. Espalhe um grande número de palavras escritas, de todos os tipos, pelas paredes da classe. Não se atenha às fáceis, nem só aos substantivos e adjetivos – verbos, artigos e outras categorias gramaticais precisam estar presentes, ou seja, valem palavras como “bicicleta”, “caramanchão”, “milharal”, “correr”, “que” e quaisquer outras que façam parte do universo da classe. Afinal, as crianças aprenderam a falar em casa, com pessoas que usaram com ela seu vocabulário normal.

– Todos os dias, inicie as aulas sentando-se em círculo com as crianças e pedindo a elas para contar as novidades acontecidas desde o dia anterior. Durante a conversa, vá escrevendo em papel (qualquer um: sulfite, manilha, de embrulho, verso de folhas já escritas), com letras grandes, as palavras utilizadas pelos alunos. Varie o tipo de letra de uma palavra para a outra. Escreva algumas com letras de imprensa maiúsculas, outras com letras minúsculas e outras com letra cursiva ou manuscrita. Assim a turma vai se acostumando com a diversidade de tipos de letras que encontrará no mundo lá fora.

– Faça a primeira leitura das palavras ou textos escritos em voz alta, acompanhando cada linha com o dedo, o lápis ou outro objeto. Convide, então, os alunos a ler junto com você, coletivamente. Tenha em mente que essa leitura deles é apenas simbólica, mas muito importante: é como se “tomassem” do professor – que para eles é o detentor do saber – o “dom” de ler. No dia seguinte, repita a seqüência de leituras, individual (sua) e coletiva (sua e das crianças) com as novas palavras que vão surgindo na conversa.

­– Peça às crianças para copiar no caderno as palavras escritas por você, o próprio nome e o dos coleguinhas. Se quiserem fazer desenhos e identificá-los, ótimo. Isso vai mostrar a elas que as letras, os números e outros símbolos não são rabiscos sem sentido, mas possuem um significado, que pode ser apreendido por quem lê.

– A cada final de aula, prenda os papéis com as palavras e os textos escritos num barbante e pendure o barbante nas paredes da classe, como se fosse um varal de roupas, mais ou menos na altura dos olhos dos alunos.

Se a criança quiser escrever uma palavra mas ainda não souber como, ela vai procurar nas palavras do varal da classe “pedacinhos” daquela que quer grafar. Por exemplo, para conseguir “casarão”, pode pegar o “ca” de “cabrito”, o “sa” de “casa” e o “ão” de "caramanchão" e escrever alguma coisa como “casaão”, o que é um resultado muito bom para quem está começando. Não diga, pois, que ela está escrevendo “errado”. Ela está, na verdade, tentando achar as representações gráficas mais adequadas para os sons que ouve.

Dá mais resultado fazê-la trabalhar as palavras ou textos nos quais houve mais dificuldades de grafia lendo, copiando letra por letra ou completando as letras faltantes. Em certos casos, você pode ajudar o aluno com dificuldades colocando a palavra que ele quer escrever em algum lugar da sala, onde possa descobri-la naturalmente.

Com a turma dominando um número cada vez maior de palavras escritas, trabalhe vocábulos com letras que costumam dar confusão na escrita, por exemplo, as que têm som de “z” mas são escritas com “s”; as que têm som de “s” mas são grafadas com “ç” e daí por diante. Uma boa atividade são os “jogos da memória”. Um deles: corte 40 pequenos quadrados de cartolina. Em 20 deles escreva palavras como “casa”, “maçã”, “massa”, destacando as “letras-problema” em vermelho. Nos outros 20, cole (ou desenhe) figuras que representam as palavras escritas nos primeiros.

E nunca, nunca se esqueça: quanto mais textos as crianças lerem, melhor será a sua escrita.

 (*) Marília Marques Machado é cientista social pela UFMG, professora da EM Jardim da Felicidade e educadora do Projeto Miguilin, que atende crianças com trajetória de rua em Belo Horizonte/MG.

Colaboração: Orlene de Sousa R. Jácome
Obs.: Matéria cedida pela Revista Nova Escola