Por Celso Antunes*

Dona Rina, quando moça, para chegar ao colégio, ia de bonde. Hoje chega de metrô. Quando jovem, passava domingos inteiros escrevendo cartas para amigos e amigas de todos os lugares, agora envia e-mails; ao chegar em casa, após dia de trabalho, necessitava aquecer a comida em banho-maria no fogão a gás, agora utiliza o forno de microondas. Aos domingos, não perdia a matinê e adorava Barbarella, agora assiste a filmes em casa com os DVDs, vibrando com Lara Croft, na tela plana que aprecia tanto. Quando moça, os jornais falavam de plágios e Raio X e sugeriam desinfetar alimentos com Milton, agora conclamam exames de DNA, alertam sobre a clonagem e discorrem sobre transgênicos.

Dona Rina, quando moça, costumava pedir aos alunos que enfileirassem suas carteiras, umas após às outras, não admitia interrupções quando falava e ministrava conteúdos que deveriam ser registrados no caderno. Sempre foi dominadora das informações que transmitia e, com o tempo, memorizou-as ainda melhor, falando o que falava, mas com maior fluência. Ainda hoje, exige o alinhamento das carteiras - contra o qual os alunos relutam, mas cedem - e exige silêncio "sepulcral" quando fala e cobra cadernos muito bem-feitos, que reproduzem o rigor de suas orações.

Dona Rina, quando moça, marcava suas provas com antecedência, sugeria "dicas" mnemônicas, exigia respostas exatamente tal como explicara e as corrigia com indiscutível rigor. Sua caneta de tinta vermelha não perdoava vírgulas soltas, erros gramaticais e afirmações ousadas. Impunha aos alunos que reproduzissem, com a linguagem escrita, exatamente o que pronunciavam com a linguagem oral. Ainda hoje, o rigor de suas provas é comentado, a fúria de sua caneta ganhou mais empenho e, quando distribui à classe as provas já corrigidas, organiza-as de maneira que as notas mais altas fiquem por cima e as mais baixas fiquem por último, para conhecerem o castigo.

Dona Rina, quando moça, não se preocupava muito com sua aparência. Sempre fora bonitinha e, com carga hereditária que a colocava a salvo de gorduras inconvenientes, só vez por outra fazia um "regimizinho". Com o tempo, tudo caiu e, por isso, agora não dispensa a personal treining e, três vezes por semana, fica suando em bicas em sessões aeróbicas, malhando para valer. Mas, é preciso que se diga, o sacrifício vale a pena e poucos são os que sabem sua idade verdadeira, oculta também por grossa maquiagem. Dona Rina sabe que o envelhecimento é inevitável, mas luta com galhardia para alcançá-lo com dignidade e nobreza. Não quer aparentar anos que já não mais tem, mas deseja, com fervor e coragem, que seja admirada pelo esforço que faz para se manter jovem.

Parabéns, dona Rina, você possui uma cabeça jovem em um corpo que luta para não perder o viço. Pena que não tenha se cuidado para transformar-se em uma professora jovem. Uma professora jovem, dona Rina, é alguém que muito além de usar palavras usadas pelos jovens em atitudes praticadas pelos velhos. Uma professora jovem é aquela que descobre que existem novas maneiras de ministrar aulas, estratégias excelentes para transformar informações em conhecimentos, recursos infinitos para se abrir inteligências e estimular habilidades e, sobretudo, processos novos de avaliação, nos quais o erro serve de diagnóstico, jamais de punição. Certamente, é bem mais fácil e bem menos desgastante ser uma jovem professora, mesmo no corpo enxuto de uma velha senhora.

(*) Celso Antunes é escritor, pesquisador, especialista na área de Inteligência e Cognição e autor de vários títulos na área de educação.
Contato com o autor: cantunes@santanna.br